O funcionário Roberto



O FUNCIONARIO ROBERTO

 

Caia uma chuvinha leve, fina, chata, que molhava sem chover

Um ventinho gelado empurrava as gotículas, quase um vapor,  no rosto das pessoas.

Poderia ser até uma sensação agradável, em outras circunstâncias.

Mas hoje, o Roberto não estava a fim de chuvinhas, agradáveis ou não.

Seguia com passo firme, entre mil outras pessoas que corriam para o trabalho, saindo do  metrô.

- “Estúpido, este negócio de correr para o trabalho”, - pensava Roberto – “Para que tanta pressa ? Você vai ficar lá, aprisionado numa salinha,  no meio de um salão, dentro de um caixote de cimento, entre pessoas que nada, ou muito pouco, têm em comum com você.”

E continuava com seus pensamentos:-

“Vai fazer seu trabalho bobo, sempre repetido, separando e juntando papéis;  esperando  chegar o meio-dia, para descansar (descansar?) mexendo um pouco as pernas adormecidas;

Aí, vai até a segunda esquina , engole uma comida apenas passável – que, feita em casa, teria um gosto três vezes melhor e um preço três vezes menor. 

Volta ao trabalho – faz fila para poder carimbar o seu cartão (porque será que não compram mais um relógio?) e recomeça a separar papéis, até as seis.

Sai, apanha mais chuvinha, desce até a estação do metrô, aperta-se, aperta e é apertado de todo lado  (engraçado, os trens que vão em sentido contrário estão sempre mais vazios), depois anda mais uns vinte minutos para chegar em casa.

Está tão cansado como um atleta que praticou esporte o dia todo e cai na cama, depois de engolir sem vontade a comidinha de casa.

Esperar o que? O domingo ? O feriado? As férias?  Gente, que miséria de vida !!!

 

Desde que acordara, a cor dos seus pensamentos – sim, pensamentos têm cores, e como e quantas! -  variava entre o cinza e o preto.  

Dia frio, sem sol, e ainda com aquela chuvinha incômoda, metrô cheio de gente suada – no metrô todo o mundo sempre sua, mesmo quando lá fora está frio -   atrasado, como sempre.

 

Hoje deixaria a contragosto de tomar o cafezinho na esquina, para não sofrer  desconto no salário.  Nem daria tempo de passar pela salinha da Rosa, uma mocinha simples e delicada, de quem ele gostava muito e que via apenas um minutinho todo dia, de manhã

Mas este seria um dia especial.

“Hoje vou falar com o chefe”. Sem preparo, sem treinar diante do espelho, sem estudar e medir previamente as palavras, iria falar com o chefe.

Diria: - Sabe sr. Henrique, eu estou trabalhando aqui há três anos.

Talvez o senhor nem tenha percebido, mas foram três anos separando papeis, sempre depressa, sem errar  - nunca ninguém se queixou de meu trabalho, na administração, na cobrança, na auditoria.

Três anos – repetiria -  sem tirar férias, porque o dinheiro das férias faz falta e também não teria vontade de sair por aí ou de ficar de papo pro ar.

E depois, o meu negócio é trabalhar, sabe, sr. Henrique, trabalhar.....

Diria: - Agora preciso de um aumento. Uns cem reais estaria bom.

            Acha  que tenho chance ?

Cem reais por mês, sr. Henrique, são pouco mais de três por dia...

Sim senhor, obrigado, senhor Henrique..

Tenho certeza que a diretoria vai cuidar com carinho do meu caso....

 

Chegou ao prédio, tomou o elevador, abriu a porta do salão. Surpresa!

A sua salinha havia sido desmontada e removida.

No seu lugar, uma máquina enorme, novinha, brilhante, cheia de botões, de luzinhas, de campainhas.

Pensou: Se o Papai Noel, algum dia, quiser trocar de trenó, o novo terá a cara desta máquina!..

 

Surpreso, até um pouco aflito, procurou o olhar de outras pessoas; mas estava todo o mundo ocupado, ninguém lhe daria atenção.

 

Mas eu vou falar com o chefe – pensou; e avançou, com passo seguro, para a sala da tortura.

Entrou e....

Bom dia, Roberto ! disse o chefe com o seu melhor sorriso. Sente-se, fique a vontade!

Roberto estranhou a gentileza. Já estava confuso, ficou perplexo, perdido.

O chefe estendeu uma xícara de café. Roberto tentou entender o que acontecia.

- Hoje você completa três anos de trabalho, Roberto. Está na hora de puxar umas somas.

- Mas eu não fiz nada, sr. Henrique, eu juro, sempre trabalhei direito e....

- Claro, claro, Roberto, é por isso que você está aqui. Trabalhador de primeira, capaz,   

   nunca errou nada, nunca atrasou seu serviço. Agora a firma quer agradece seu

   trabalho, Roberto. Compramos uma máquina novinha em folha, que vai fazer dez vezes

   o seu serviço, em metade do tempo;  e ela também,  sem errar !!

- Roberto engoliu em seco.

- Máquina nova, eficientíssima, chefe satisfeito, sorridente, ah, isso não é bom, não  

  é nada bom !!!!

Seus pensamentos rodopiavam; isso sempre acabava  acontecendo. Instalavam uma maquina nova e o pessoal ia para a rua. Ele também, agora, iria perder o emprego; já pensou em três ou quatro pessoas que, quem sabe, poderiam ajudá-lo a encontrar outro.

Adeus aos cem reais  Adeus aos planos.

Mas não teve mais tempo para refletir melhor.

O chefe o empurrou para uma cadeira  e  explicava:

- A máquina é muito cara e importante para a firma. Precisamos de um operador muito capaz etc. etc. etc. Por isso, nomeamos você responsável por ela. Você terá que fazer um curso rápido e tomará posse prontamente. Vamos dobrar seu salário e....... “

 

Roberto não escutou mais nada. simplesmente rendido pela surpresa e pela emoção, escorregou na cadeira, murchando como um balão.

Quando voltou a si , a Rosa e o chefe estavam ao seu lado, sorrindo satisfeitos.

- Eu sabia, que o senhor era bom ! lhe dizia ela.

E o Roberto confirmou, enfaticamente: -  Sim, sim, o Senhor é muito, muito bom !....    

 

 

 


Autor: Romano Dazzi


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