Ópera



ÓPERA

De Romano Dazzi

 

Foi antes da segunda guerra mundial, entre 1932 e 1939,  na pequena cidade onde eu morava, no norte da Itália..

Acontecia todas as noites de domingo, desde o início da primavera até o fim do outono.

A orquestra municipal (ou seria mais uma fanfarra, uma banda, com muitos metais e enormes tambores) era formada por uns trinta músicos;  sentados em um grande palco  semicircular de madeira, parecendo um anfiteatro, eles tocavam um concerto público, com música clássica, de óperas e de operetas, ao ar livre.

A praça, especialmente iluminada, se enchia de gente, que ficava lá de pé, embevecida, durante duas horas.

Minha família era privilegiada; morávamos em frente à praça e ficávamos comodamente sentados nas sacadas, ouvindo os sons que – bem ou mal - fizeram a minha limitada educação musical.

Às vezes aconteciam coisas engraçadas; como os gatos – que normalmente moravam nos setores do palco e apareciam do nada, assustados, chispando entre os músicos;  ou uma repentina chuva de verão, que não dava tempo de ninguém se abrigar; era um corre-corre geral, papéis voando, um salve-se-quem-puder.

Trechos de ópera eram o prato principal e meus pais me explicavam, para cada um, o que significava – o contexto no qual cada música se encaixava.  Assim travei conhecimento intimo com os grandes nomes da ópera.

Em um poste iluminado, na base do palco, colocavam, a cada intervalo,  três grandes etiquetas: autor, peça, trecho; e eu tinha que correr para ler qual seria a música seguinte; como pode um garoto de uns sete ou oito anos ler aqueles nomes complicados  – e lembrar deles, enquanto corre de volta? Era sempre um desastre...

Meu namoro com a música – que não passou de namoro, porque não aprendi a ler o pentagrama e nunca toquei instrumento algum – iniciou naqueles anos.

E foi justamente com as óperas, composições que, no conjunto, são extremamente chatas e arrastadas: para pedir um lenço, o cantor se esgoela por quinze minutos e outro tanto faz quem o traz. As conversas banais se transformam em acrobacias vocais. Grandes espaços são usados para mostrar as qualidades e habilidades canoras das sopranos e tudo dura por um tempo que parece interminável.

Mas – e aí está o lado eterno da ópera – de repente aparece a fada da inspiração, que os conhecedores esperam ansiosamente, em todos os  espetáculos.

São as árias conhecidas, que todos  acompanham,  “sottovoce”, unindo-se ao cantor e emocionando-se, todas as vezes, com aquelas notas que entram na alma.

Em cada ópera tem uma ou duas – e desconfio que as óperas continuam a ser encenadas nos grandes palcos do mundo,  justamente por terem algumas  dessas árias inesquecíveis.  As que não as têm, jazem, esquecidas, no fundo do baú.

Você percebe nesses momentos, que os autores do “libretto”, montaram apenas umas figuras, como uns manequins, uns bonecos de cera, aptos só a recitar mecanicamente umas falas banais, mornas, diárias,  sem nenhuma expressão trágica, ou lírica.

 

Mas aí vem o músico; o grande costureiro enfeita o manequim com  sedas coloridas,  com laços vaporosos; e lhe dá vida, e expressão, e sentimento. E as notas ecoam dentro  de cada um de nós,  tocando a nossa sensibilidade;  espelhamo-nos no personagem,  sentimos o que ele sente, vivemos o que ele vive, vibramos exatamente como ele vibra . 

São apenas  dois, três minutos. A ária acaba, a atmosfera se desfaz.     

O manequim se despe, volta a ser um boneco de cera.

Mas o milagre da música, este fica com você, dentro da sua alma.

 

 


Autor: Romano Dazzi


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