Um outono diferente
088 - UM OUTONO DIFERENTE
de Romano Dazzi
Nada é mais como era antes. Eu me lembro que antigamente, na Europa, as estações chegavam e acabavam com regularidade; cada ano transcorria igual ao anterior, podia-se perceber perfeitamente, pela mudança da temperatura e por mil outros sinais, que a estação tinha mudado ou estava mudando.
Depois de janeiro e pela metade de fevereiro, o inverno, sempre com um frio rigoroso, cedia aos poucos o seu espaço a temperaturas mais amenas.
O sol começava a aparecer tímido, esmaecido, sem trazer calor algum, mas era um sinal.
Duas semanas depois, vinham ainda vento e chuva, como se o inverno lutasse para não acabar .
Mas logo a sua batalha estava perdida: a primavera vinha sorrateira e andava durante a noite pelos campos encharcados, pintando-os de verde, um verde irreal, claro, novo.
Um mês depois, vinham as flores, as plantinhas cresciam de um dia para o outro, tudo era uma festa de cores e de formas.
Hoje esta regularidade acabou – não sabemos mais quando começa o verão ou acaba o inverno; as árvores ficam malucas, vestindo-se alegremente de flores porque hoje é primavera, e despindo-se desanimadas amanhã, porque chegou o inverno; que nem sequer deixou o outono aparecer.
O pior é para os vitrinistas das lojas de roupas, nos shoppings, obrigados a mudar as coleções o tempo todo e sempre desajustados com a temperatura que faz lá fora..
E depois, chove a cântaros quando não precisa, inundando tudo, ou não cai uma gota por três meses deixando tudo parecido com um grande deserto.
Todos põem a culpa na gente; porque compramos automóveis, porque usamos gás fréon nas geladeiras, porque queimamos carvão e acabamos com as florestas e deixamos que poços de petróleo queimem por seis meses.....
Mas eu não fiz nada disso; e também não elegi nenhum desses loucos varridos que cometem todas essas barbaridades.
Eles se elegem, se sustentam, se apóiam, e quando a casa cai, culpam o povo, ou as circunstâncias. É injusto. É imoral. É letal.
Eu, o povo, não tenho valor algum. Não tenho mais opinião.
Só sei o que me dizem, o que querem ou permitem que eu saiba.
Jogam com minhas idéias e meus sentimentos, minhas necessidades e desejos.
Fazem-me amar um creme de amendoim, e odiar um óleo de soja; do mesmo jeito que me fazem odiar um árabe a amar um judeu - ou vice-versa.
Eu sou apenas um joguete, nas mãos da propaganda.
Eles tocam uma musica e eu vou atrás, dançando como um urso ensinado.
Tem gente demais neste planeta: gente demais, informação demais, produção demais. Sei que é anti-ético, mas se não voltarmos a três bilhões de pessoas, estamos destinados a desaparecer – todos os seis ou sete ou oito bilhões que ocupam o planeta agora.
Este é o problema fundamental, mas parece que não interessa a ninguém reduzir o número de compradores.
Quantos mais formos, mais produtos a vender, mais remédios a consumir, mais armas, mais alimentos, mais problemas, mais confusões, mais tudo....
A recente crise, armada no mundo, é um caso típico.
Não se perdem, da noite para o dia, oitocentos bilhões de dólares,ou de libras, ou do euro, ou do que quer que seja. Dinheiro não desaparece no ar.
Saiu de algum bolso e entrou em outros.
Quem perdeu grita e esperneia e pede ajuda do governo (qualquer um) , enquanto quem embolsou a bolada fica quietinho, esperando a tempestade passar, ou quem sabe, comprando milhões de ativos, a preço de banana.
Os bancos estiveram ganhando bilhões até 2007. Baste ver os balanços.
Mas em setembro de 2008, os ratos entraram nos cofres e deixaram só moeda podre.
No mínimo, os administradores dessas grandes entidades financeiras deveriam ser processados por inabilidade, incapacidade, ou mesmo, desonestidade; porque é desonesto aquele que se prontifica a executar uma função e a executa tão mal que traz prejuízo à comunidade e joga a sociedade em uma rota de destruição.
Centenas de milhares de pessoas estão sofrendo por causa desta incapacidade. Ninguém vai pagar a conta?.
Se o povo morre de fome, como está acontecendo há anos na África, não tem dinheiro.
Só aparece a arrecadação de cidadãos voluntários, de boa vontade ou dos que querem se emendar ou se fazer perdoar por roubos anteriores.
Mas bastou os bancos dizerem que estavam perdendo dinheiro e o dinheiro apareceu, emprestado pelos governos.
E de quem é esse dinheiro, que os governos distribuem para evitar uma quebradeira geral?
É nosso. É do povo; e nos foi roubado.
Porque tiraram-no dizendo que precisavam fazer escolas e pontes e equipar a policia e os hospitais e comprar remédios e fazer pesquisa científica.
E em lugar disso, estava guardado nos cofres, apodrecendo.
Agora encontraram uma maneira de redistribuí-lo – aos bancos, não ao povo.
O povo... este vai pedir empréstimos. E tudo recomeça.
Outono estranho, diferente, este ; e mesmo assim, igual em tudo aos anteriores..
Autor: Romano Dazzi
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