Greve dos contos (3)



209 - GREVE DOS CONTOS 3

De Romano Dazzi

 

A tarde acabava. Logo viria a escuridão. E eu teria que descascar meu abacaxi.

Analisei a situação pela centésima vez. Não havia solução.

Tratava-se de tirar da prateleira dezenas de originais de contos,  encalhados, ignorados pelos editores . Não recusado. Ninguém me dissera um “Não!”, cara a cara. 

Mas a indiferença é ainda pior.  Criamos, para que nossas obras sejam vistas, apreciadas, admiradas ou criticadas, ou até queimadas pela Santa Inquisição. Mas não podem, não devem ser ignoradas. É uma ofensa.

Finalmente os contos chegaram. Abri a porta; eram só três. Evidentemente, o barulho da noite anterior incomodara  muito e assim só mandaram uma comissão.  Expliquei meus pontos de vista, relatei a conversa com o editor, e resumi o assunto todo assim:

Do lado dos contos, eles estão com toda a razão. Ser posto no mundo, com  amor e  esperanças, pronto para fazer carreira e mostrar seus ideais, interesses e beleza e ser jogado numa prateleira a mofar, por meses ou anos, sem explicações, não é agradável, nem justo. Eles estão certos em sua manifestação.

Do lado do autor, fiz o melhor que podia. A criação não é fácil nem simples: estudar o assunto, a locação, a trama, o desfecho; inventar e burilar os personagens, dar-lhes vida e palavras e expressão; não é como no cinema, onde os atores com gestos e olhares transmitem emoções: personagens de contos dependem mais do leitor que do escriba; este descreve apenas  fatos e enfileira palavras; é a fantasia do leitor que cria sua próprias emoções e as faz florescer ao longo da história.  

É um trio perfeito: Personagens, escritor e leitor se compõem e se conjugam, enquanto a trama flui.

Do lado do editor, então, o risco é imenso. Ele embarca num navio fantasma, sem saber a rota e o destino. Põe uma fortuna no porão e zarpa, apostando no  julgamento dos leitores. Se perder, milhares de páginas escritas e nunca lidas o farão afundar.

Há ainda um grande vilão, nesta história: o crítico. Ele é talvez o mais importante dos fatores; suas palavras são pedras ou flores, às quais os leitores dão um valor enorme.

Se forem pedras, os livros não sairão da estante. Se forem flores, o público aplaudirá e os comprará às centenas.  Mas o crítico também pode se enganar e muito. Não passa, ele também, de um pobre bruxo, que acredita piamente nos seus feitiços; e às vezes eles também falham vergonhosamente.

Quem é, afinal  o Rei nesta comédia toda? 

É o Leitor, coitado, que ainda nem foi apresentado à novela. Por enquanto, nada sabe. Mas vai ser ele, no fim, que diz se apreciou a obra ou não. Ele  levanta o polegar, permitindo ao autor sobreviver ou o vira para baixo, para mata-lo de vez.

Se conseguirmos empolga-lo, faze-lo rir, chorar, emocionar-se, ficaremos felizes. Porque nós, personagens, autor, editor, somos apenas uns pobres clowns,  empenhados em fazer com que o Rei se divirta.      

 

Os contos escutaram, meneando a cabeça, lamentando o seu destino – e o meu.  

Saíram de mansinho, prometendo que explicariam tudo aos outros cem, que esperavam na biblioteca – todos originais impolutos e empoeirados.

Quem sabe – pensei, ao saírem – se terão alguma chance, depois que eu morrer. Quando a gente morre, fica melhor, mais competente, inteligente, capaz; alguns viram até gênios. Alguém vai fuçar nas estantes e encontrar meus originais; vai publicá-los com estardalhaço e ganhar um bom dinheiro com isso.

 

Nada sei do futuro. Mas por hoje, resolvi meu problema. Vou dormir sossegado esta noite.... e os vizinhos também!

 


Autor: Romano Dazzi


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