Loja de conselhos



LOJA DE CONSELHOS

 

- Mas minha senhora, esta é uma loja de conselhos, não é um serviço de entrega de pessoas desaparecidas! - 

Eu tentava debilmente argumentar com dona Amara, uma senhora gordinha, simpática e aflita, que entrara na loja quinze minutos antes, querendo atendimento imediato.

- Eu sei, eu sei! é por isso que preciso de toda a sua prática, do seu conhecimento, para  conseguir de volta meu marido!

- Mas a senhora não me disse ainda onde ele costuma ir, o que ele gosta de fazer, quem são os seus amigos, se acha que possa estar envolvido com outra mulher; não  trouxe uma foto, um documento, uma pista! Como posso lhe dar um conselho, estas condições?

- Eu sei lá, este é assunto seu; não posso saber como o senhor faz; não vim aqui para ensinar-lhe a profissão!

- Bom, resumindo o que ouvi até agora:  seu marido está desaparecido, há anos;      

foi desaparecendo aos poucos, primeiro os braços, nos quais costumava abrigá-la;

depois as pernas, rareando os passeios, as idas ao shopping, os cineminhas...; mais tarde a cabeça, porque a senhora falava, falava e ele parou de escuta-la.

A senhora percebeu, mas não conseguiu evitar os acontecimentos.

E agora, receia que ele tenha desaparecido fisicamente.  É isso?

- Sim, doutor, ele não volta para casa há uma semana; mas o senhor entende que é      um caso urgente: quanto mais cedo o descobrir,  mais fácil será recuperá-lo....

- Engano seu, dona Amara: maridos, como cachorros, precisam ir para a rua pelo     menos uma vez por dia; precisam dar  um longo passeio, possivelmente  sozinhos, no fim de semana ; a presença constante do dono deixa-os tolhidos e obriga-os a manter uma  atitude – digamos – civilizada, que reprime seus padrões .

É por isso que os cachorros fogem, até do mais carinhoso dos donos. 

Liberdade, é o que querem, o que precisam ter, mesmo precariamente....

Mas saiba que, se colássemos anúncios nos postes, procurando os maridos sumidos, assim como fazemos quando procuramos um cachorro, não haveria na cidade postes

suficientes. 

Agora, se o deixar solto por uma semana ou duas, ele volta; tal como os cachorros – quando conseguem encontrar o caminho de volta ou não encontram um dono mais carinhoso.....  

E quanto às cadelas que andam soltas por aí, saiba que eles se comportam com elas como a natureza manda; sem envolvimento, mas com uma excitação tão explosiva quanto momentânea; cinco minutos depois, nem se lembram delas e ficam mansinhos, mansinhos.

 

- Entendi – eu  já imaginava que era assim.  Mas o meu Anselmo não é desse jeito; ele é diferente , sempre foi paciente, gentil , dedicado, afetuoso – principalmente no começo do casamento.  Não sei o que aconteceu, como pôde mudar tão de repente...

 

- Não foi de repente, não, dona Amara... Um marido desaparece por muitos motivos:  filhos, rotina,  trabalho, dinheiro, sogra; e depois, a senhora sempre atarefada, cansada no fim do dia,  sem vontade de dar ou receber carinhos; quantas vezes fingiu uma dor de cabeça? Ou estaria, talvez,  com a cabeça em outro lugar?.........

D,. Amara agitava-se desconfortável, na cadeira.

-Mas eu ... em suma, não.... o que o senhor está insinuando?.....

- Responda- me francamente,  dona Amara : a senhora é do tipo “caçador”?

- Como se permite? Esta é pergunta que se faça a uma senhora séria, honesta, direita?

- Não, claro que não, mas sinceramente, nunca teve uma tentação? Nunca lhe passou pela cabeça, apenas por um momento, como se sentiria nos braços daquele galã de cinema  que mora na última casa da  rua?  Ou ao receber um olhar carinhoso, sem maldade nenhuma, do segurança, aquele homenzarrão sério e compenetrado, do supermercado? Se não responder nada, vou entender, dona Amara; todos estamos sujeitos a tentações; elas estão em todo o lugar. E nenhum de nós é santo.

- Bom, mas agora como fica?

- A nossa loja só lhe dá bons conselhos, mesmo que não sejam o ideal.

Nunca aconselharíamos por exemplo, uma surra, um susto, um seqüestro relâmpago, mesmo reconhecendo que às vezes podem ser válidos.  

Podemos apresentar à senhora um conselho de longo prazo:   

Volte a ser a namorada apaixonada, e deixe de ser a esposa possessiva.

Tente ser misteriosa e surpreendente.

Concordo  que, com vinte e cinco anos de casamento, é um pouco difícil:  tudo aumentou: a idade, o peso, as rugas, o cansaço; mas é importante tentar.

Saia bastante com ele; faça-lhe companhia; quando saem, use suas melhores roupas ,  que atraem olhares e , quem sabe, comentários; os homens desejam mais as frutas cobiçadas pelos concorrentes.... com o devido respeito, dona Amara.   

Tente conversar, não discursar; escute pacientemente,  ofereça soluções,  receba  conselhos,    algum palpite – mas sem pressa, sem peso, sem imposição.

Sua ração deve ser saborosa e servida com carinho..... eu disse “ração?” oh!, me perdoe, queria dizer “refeição”.... 

Um cantinho isolado, só para ele e uma cama confortável.

Por fim, trate-o com honestidade e ele será honesto com a senhora. 

Nunca escreva tudo o que lhe diz, nunca lhe diga tudo o que pensa.

Tem coisas que devem ficar trancadas na sua alma e que ninguém tem direito de conhecer.  

Deixe-o livre e tome a sua liberdade também.  Se ele se achar no direito de cair numa farrinha, no baile de carnaval, faça-o entender que a senhora tem o mesmo direito.   

Agora, volte para casa e creia, em uma semana no máximo, ele estará de volta

Tenho dito. 

 

Ela virou-se espantada, dizendo: - Puxa! Mas este é um manual de operação! Perfeito! Muito obrigada,...... vou começar já, antes mesmo que o Anselmo volte.

Só que... faltou o conselho de curto prazo...

 

Ah sim, o conselho de curto prazo: enquanto o espera – com todo o respeito, que tal  ir ao baile comigo, esta noite?......

 

 

 

  

 

 


Autor: Romano Dazzi


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