A mulher que alimentava os pombos



Ninguém nunca gostou muito dos pombos. Nem dela. Todos sempre passam pelas ruas apressados e somente espantam os "ratos de asas" dos seus passos, das suas cabeças limpas com o que há de melhor na indústria cosmética. Ninguém realmente digno, e que tenha um modo de sobrevivência "honesto" come nessas bancas de cachorro quente perto dos pombos. Mas os pombos estão em quase todas as bancas, afoitos, comendo migalhas que caem das bocas desdentadas de pobres almas humanas. E é porque ninguém digno, ninguém realmente e mecanicamente humano gosta de pombos que ela decidiu adotá-los. Passava os dias nas praças, alimentando-os com os restos que conseguia no mercado público ou através de pequenos furtos. Dividia-os irmamente em refeições com seus melhores e únicos amigos.

A história nem sempre foi assim para Martina. Ela nasceu em Bento Gonçalves, no interior do Rio Grande do Sul, cidade rica e conhecida internacionalmente pelos excelentes vinhos e por estar, junto de Garibaldi, segundo especialistas a melhor região para se produzir uvas. Sua família era abastada e fazia parte da aristocracia, se a licença poética deixar-me confundir as datas. A mãe, Francisca, era uma conceituada psicóloga da cidade e seu pai, Bento, proprietário de uma das maiores vinícolas locais. Martina é a caçula das quatro irmãs, todas belas e bem amadas por seus respectivos pares.
Botina, como era chamada pelos colegas de aula por causa de suas gorduras a mais, sempre foi a patinha feia da família. Isso não a incomodou, como no caso de todas as crianças, até entrar em idade escolar. Aí era Botina para cá, Botina para lá, e nenhum menino chegava perto dela e não ser para tirar sarro. As meninas das turmas a excluíam de todas as brincadeiras. O fracasso da vida social de Martina fez com que ela desenvolvesse alguns talentos especiais, mas que deixava restritos ao seu mundo particular. Com 12 anos já tinha na sua estante livros de Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Charles Bukowski, John Fante, Albert Camus, Fiódor Dostoievski, Mario Benedetti e.... e gibis da turma da Mônica. Era uma criança prodígio, mas uma criança com todos os sentimentos puros e angústias inerentes a uma. Apesar das continuas humilhações a que era submetida pelos colegas de um importante colégio particular, ela tentava o convívio social. Até que as coisas começaram a fugir do controle. Além das corriqueiras humilhações a que era submetida, passou a ter seus lanches, preparados com amor pela empregada doméstica da família, roubados e, quando resistia, acaba apanhando. Certo dia chegou em casa com os dois olhos roxos.

- O que houve contigo, querida? – perguntou Dione, a doméstica.

- Dione, vá cuidar do seu serviço que eu cuido da minha filha. Vai, vai! – gritou a mãe com ar de pavor.

A menina tinha se transformado num rio de lágrimas, uma chuva de mágoas que logo viraria uma tempestade.

- Mãe, me bateram no colégio para roubar meu lanche!

- E você deixou? Por que não foi na diretoria reclamar? Filha, você já tem idade para isso. Não lê esses livros que ninguém entende e escuta esses sons barulhentos de adolescentes mais velhos? Tome atitudes mais maduras também!

Martina saiu correndo e a mãe foi correndo atrás. Deu de cara na porta do quarto com um adesivo de "Cuidado" que ela tinha comprado dias atrás no R$1,99 e pela primeira vez Francisca notava. Com isso a mãe ficou ainda mais irritada e bradou:

- Filha, não é fugindo dos problemas que tu vais resolvê-los! Não seja covarde, olhe para as suas irmãs!

O pai, que recém havia chegado do trabalho, ouviu a gritaria e se dirigiu à porta do quarto da menina.

- Martina, o que aconteceu?

Sem resposta da menina e mãe explica o acontecido. Logo se faz um silêncio e os dois vão embora. Martina não sai do quarto o resto do dia, o que não faz a mínima diferença, já que seus pais haviam desistido de consolá-la e suas irmãs não costumavam lhe fazer companhia.

- Bento, eu acho que nossa filha está usando drogas. Este comportamento antisocial é muito estranho, já que ela não tem motivos para isso. Damos tudo o que ela pede. Eu não entendo...

- A psicóloga aqui é você, eu já me preocupo demais com a peonada do meu trabalho. Tu acreditas que eles ameaçaram entrar em greve hoje? Querem parar de trabalhar aos sábados...

- É uma vergonha. E pior que a justiça sempre favorece os trabalhadores...

- Malditos marxistas!. Falam que o socialismo acabou, mas eles continuam por todos os lugares. Nos meios de comunicação, no judiciário, no seio do legislativo e executivo. – bradou o Bento.

No outro dia, cheia de vergonha, a menina foi à escola. Ela sentiu algo diferente no ar. Ninguém falava e todos olhavam receosos e com uma penitência dissimulada. Era aula de história, a única matéria que Martina realmente gostava, embora se desse bem em todas. Era a legítima nerd. Depois de algumas explicações a respeito da Revolução Russa, seu tema predileto, soou o sinal para o intervalo. O clima era o mesmo, seus colegas olhavam com um tanto de indiferença, mas ela sentiu ódio nos olhares dessa vez. Mais tarde, quando terminou a aula, Martina foi chamada para a direção pedagógica.

- Querida, ficamos sabendo o que aconteceu. Seus pais vieram reclamar ontem e nos cobraram soluções. Agora precisamos saber quem foram os alunos que te bateram ontem? – questionou a diretora, uma gorda que tinha uma verruga ameaçadora na ponta do nariz.

Diante do silêncio da menina. Ela continuou:

- Se tu não disseres, não poderemos punir os alunos que te fizeram esse mal. Hoje mesmo, antes de tu chegares na aula, colocamos avisos nas carteiras de cada colega seu, falando do acontecido e pedindo que acusassem os envolvidos ou todos seriam punidos de alguma forma. Se tu não falar os nomes, vão todos serão punidos, entendeu? – continuou a geleia humana.

- Não foi ninguém. Eu cai e bati o olho na quina da classe. Foi isso. – disse a menina amedrontada. - Menina, tu és mais cruel do que eu imaginava. Vais deixar todos seus coleguinhas serem punidos? – disse a diretora.

Martina não entendia a lógica e por isso não disse nada, apenas fitou a diretora com um ar de terror. O terror não era somente pela possível punição de todos os seus coleguinhas de aula, mas pela falta de humanidade de quem deveria a estar educando.

O tempo passou. As humilhações cessaram, mas Martina sabia o motivo. Ela não queria que o medo fizesse parte dessa relação. Parou de frequentar os meios sociais e passou a se dedicar cada vez mais à literatura e ao conhecimento. Seus papos com os pais eram terríveis. Sempre que ela tentava, acaba recebendo mais um peso para carregar na cruz de sua existência. Com 16 anos, Martina tentou seu primeiro suicídio. Tomou uma cartela inteira de um tranquilizante da sua mãe. Acordou no hospital sob os olhares aflitos dos seus pais e suas irmãs. Era terrível. Ela chorou de vergonha e foi "consolada" pela sua mãe.

- Filha, nunca mais faça isso. Nós te amamos, te amamos tanto que seu pai perdeu quase uma semana de trabalho por isso. Estava depressivo demais. E eu? Eu não dormi, não só porque tomaste todos os meus tranquilizantes e a minha psiquiatra tinha viajado, mas porque estava pensativa e ansiosa. Nunca mais faça isso com a gente!

Martina era só lágrimas, mais uma vez.

A vida voltou ao normal, pelo menos para o normal de Martina. Ela engolia livros, ia para escola e voltava para ver o olho eletrônico e tentar conversar com seus pais e irmãs. Quando tinha 19 anos e já estava no seu primeiro ano de jornalismo, sua mãe descobriu que tinha câncer em estado avançado no intestino e ela ficou sabendo, ainda, que isso era culpa do emocional, e ela, com certeza, tinha muito a ver com isso. A explicação viera de uma psicóloga, amiga de sua mãe. Ela era a pior das filhas. A mais feia. A mais rebelde. A mais antisocial. O câncer foi fulminante. Três meses depois sua mãe já apodrecia no hospital com uma sonda enfiada no intestino. Mesmo com o drama, Martina não conseguia conversar com sua mãe. Suas únicas relações até a morte da mãe um mês mais tarde, era de lavar a sonda e limpar os vômitos frequentes.

Semanas após a morte de sua mãe, Martina teve um surto ao saber que seu pai já tinha uma namorada. Da sua idade, Rosana tinha a profundidade de um pires. A solução era fugir de casa e tentar a vida. Seu pai aceitou a "fuga" de bom grado, pois não teria mais uma opositora dentro de casa. Suas outras irmãs adoravam a "nova mãe". O acordo era simples, seu pai continuava pagando a faculdade e ela deveria arrumar um estágio ou algum emprego que lhe desse sustento para o restante, entre aluguel e comida. Logo ela estava empregada num boteco alternativo da cidade. Não era um belo emprego, mas era o suficiente para não morrer de fome. Martina, que já bebia escondido desde os 13 anos, se atirou fundo no álcool e na vida boêmia. Em poucos meses seu apartamento, há poucas quadras da sua ex-residência, virou point das mais variadas espécies de junkies. Foi ali também que teve inicio a vida sexual de Martina. Um novo pau por semana, mas nenhum lhe agradava o suficiente para ter repetição. Finalmente, Martina era popular. Não do jeito que imaginava, mas sentia que estava se vingando de uma sociedade que sempre a excluiu.

Dois anos depois estava formada. Não quis festa de formatura, só pediu uma viagem pela América Latina de presente para o seu pai, o que foi prontamente atendido. Estava maravilhada. Conheceu Bolívia, Colômbia, México, Peru, Cuba, Chile e Uruguai. Na viagem também conheceu Abelardo, um dos guias que orientou a viagem quando estava em Montevidéu. Jovem e bem apessoado, Abelardo tinha 34 anos e vivia do dinheiro dos turistas prisioneiros de suas próprias vidas, e que saiam embasbacados mundo afora distribuindo generosas gorjetas. Trouxas, apaixonados por um fio de vida, enquanto poderiam tê-la por inteiro. A mediocridade sustenta muita gente no mundo. A paisagem bucólica de Montevidéu conquistou Martina, que foi morar com Abelardo. Era um apartamento simples, no subúrbio da cidade. Logo, ela aprendeu espanhol autodidaticamente e arrumou um emprego num jornal de bairro. Era fácil. Martina deu-se conta de que vivia a fase mais feliz de sua existência. Aos 27 anos pensou em engravidar, algo que nunca passara na sua cabeça. Seu relacionamento com Aberlardo era intenso, explosivo. Todo dia uma surpresa. Até que um dia:

- Bê, estou grávida. Fiz exame na farmácia hoje – disse rindo de felicidade.

Abelardo era só lágrimas. Finalmente, lágrimas de felicidade apareceram na vida de Martina. As duas correntes de água salgada se encontraram em rostos colados e sorridentes. Pareciam que iam explodir de felicidade. Valia a pena viver! Dois, três, quatro meses de gravidez e tudo certo. Descobriram que seria um menino. Agora o debate girava em torno do nome. Martina, como fã de Ramones, queria que fosse Joey, em homenagem ao vocalista da banda. Abelardo, por seu lado, optara por Ernesto em homenagem ao Che Guevara.

- Ah, o que esse tal de Joey fez pela humanidade?
- Ele fez muitas pessoas saírem dos seus quartos escuros e das profundezas das lágrimas para a vida!
- Che fez a revolução.

A ideia de revolta, tanto musical, quanto social, faria parte do nome da criança. As "brigas" sempre eram bem humoradas e recheadas do sarcasmo que lhes era peculiar. Na realidade, o nome pouca importava. Seria uma semente bem plantada, isso era fato.
Martina passou a trabalhar mais em casa, fazendo matérias e enviando direto para a publicação. Para Aberlardo, não havia outro jeito senão adentrar ônibus lotados de resignados amantes de uma vida perdida. As coisas iam bem, até que certo dia uma ligação:

- Martina Iercovith?
- Sim.
- Aqui é da Polícia Rodoviária. Estou ligando para informar que seu marido sofreu um acidente de trânsito e está em estado grave no hospital municipal. Lamento.

Martina desligou o telefone e desatou-se a chorar mais uma vez. Mas não havia tempo para isso. Precisava rumar ao hospital. Dentro de um ônibus lotado de trabalhadores, pois era horário do rush, 18 horas, quando os funcionários das fábricas saíam desesperados para suas respectivas casas, famílias, filhos, amantes e televisões. Ela ficou absorvida naquele mundo proletário e ao mesmo tempo tinha Aberlardo na sua cabeça, o que rendia algumas lágrimas tímidas. Apesar dos oficiais terem passado que ele estava internado, ela sentia que poderia ser pior. Um menino, aparentando 10 anos, a olhou de baixo:

- Moça, por que tu estás chorando?
- Meu marido, querido, meu marido sofreu um grave acidente...

Interrompendo a fala de Martina o menino precipitou em um abraço carinhoso. Foi o melhor abraço que ela recebera na vida. Havia esperança na humanidade, havia vida, havia amor puro naqueles olhinhos castanhos que lhe fitavam. Martina desceu apressada do ônibus. Agora sua mente era ocupada por Aberlardo, pelo menino desconhecido e que, provavelmente, nunca mais veria. Uma quadra antes de chegar no hospital já começavam as filas de pobres dependentes do poder público. Semblantes abatidos, subnutridos e tosses feias formavam a paisagem caótica. Ela entra na Emergência.

- Onde está Aberlardo Nunez?

A recepcionista, com um ar de indiferença a qualquer espécie de dor, lhe comunica:

- Este senhor acabou de falecer e está no necrotério. Tu és parente?
- Sim, sou a esposa dele. – começou a chorar mais uma vez.

- Por favor senhora, acalme-se. As pessoas morrem, isso é normal, ainda mais aqui dentro. Se tu continuares vais acordar as pessoas que dormem no hospital e os gemidos não me deixarão escutar o Ipod.

Martina retirou-se e foi em direção ao necrotério, que ficava ao lado da pocilga que os poderosos costumavam chamar de hospital público. Chegando lá viu o seu marido, o futuro pai do seu filho. Havia se partido em dois. Tronco e pernas. A imagem era chocante e uma friagem percorreu todo o seu corpo, instalando-se no coração. Apaga. A luz da existência poderia estar desligada para sempre, mas, infelizmente para ela, não. Horas depois, Martina acorda em uma maca, com soro nos braços e descobre que havia desmaiado. Queria ir embora, sair daquele antro de semimortos desgraçados e de mortos-vivos que tentavam manter a ordem. Eis que chega o médico.

- Senhora, teremos que fazer uma bateria de exames. Quando tu caíste, destes de barriga no chão. Isso pode ter ocasionado danos ao bebê. Aguarde alguns instantes que logo viremos busca-la. Ah, meu nome é Jones.

Estava frio por dentro e por fora. A única companhia de Martina era um relógio branco e todo mofado que estava pendurado na parede. Não aparecia ninguém no corredor, apenas gemidos de dor dos quartos ao redor. Já eram 4 horas da manhã quando ela conseguiu dormir. Às 6 horas, os enfermeiros entravam no quarto para levá-la a sala de exames. Depois de um tempo no cubo, é liberada da claustrofobia.

- Minha senhora, em princípio, tudo certo com o bebê. Vamos analisar melhor e lhe comunicaremos amanhã. Hoje tu dormirás aqui. Boa noite – disse o médico e uma maneira terrivelmente formal.

Como poderia ser aquela uma boa noite? No outro dia Martina recebe a notícia. Tudo bem com seu bebê. Ela, que deveria rir ou chorar de felicidade, ficou impassível. O médico a liberou e ela foi para casa. O apartamento agora parecia mais feio do que de costume. As cortinas mofadas, o sofá sujo de vinho tinto, as cobertas reviradas lembravam noites apaixonadas de sexo voraz. Uma foto na parede era a única coisa que parecia atrair o olhar de Martina. Nele, ela e Abelardo esquiavam em uma estação de Montevidéu. Estavam sorridentes, felizes por ter toda uma vida pela frente. Chorou. No outro dia, pegou o retrato, o cobertor que estava revirado encima da cama e foi embora. Estava decidida, abandonaria tudo. Mas e o filho? Teria que desistir também. Não tinha mais condições de criar uma criança. Todos os planos, os sentidos que tinha encontrado na vida com Abelardo haviam sumido. Como a família de Abelardo era da Espanha, nem ficaram sabendo da morte e ela nem quis comunicar-lhes. Viriam como abutres atrás da maldita herança. Geralmente é assim... Notas sujas de sangue valem mais do que a vida. Colocou o apartamento para vender em uma imobiliária por um preço baratíssimo e conseguiu vender o imóvel em uma semana para um casal recém casado. Eram felizes, tão felizes que lembravam ela e Abelardo. "Ah, a vida prega peças. Pregará em vocês também, mas aproveitem! Esquiem, nadem, façam sexo selvagem e bebam muito". Com o dinheiro em mãos, ela dirigiu-se a primeira clínica de aborto que encontrou.

Sofreu demais, mas estava decidida. Nada na sua vida era fácil e não poderia ser agora, com mais esse peso sobre as costas. Tinha sobrado um pouco de dinheiro para alimentação, mas a alimentação física já não era necessária. Com os pouco mais de R$ 500 que sobrara, ela comprou algumas garrafas de bom uísque, vinho e haxixe. Seriam seus amigos, até encontrar os pombos. Mesmo suja, algumas pessoas ainda chegavam perto, pois ela aparentava ter uma certa classe e as pessoas "dignas" não deixam pessoas de classe morrer de fome.

- Você quer comer alguma coisa?
- Qual seu nome?
- De onde você é?
- O que tem dentro dessa sacola?
- Tome um banho lá em casa, gatinha.
- Botina, é você?

Ela somente fugia das pessoas. Não respondia senão com um rosnado e um olhar que misturava raiva e asco. A humanidade tinha acabado nela e para ela. Certo dia ficou observando um menino que dava pão aos pombos na praça central. Eles vinham em grupo, parecia um ataque aéreo sobre a fome de viver. Tantos querendo viver... Mas o pensamento dela foi outro. Depois de ficar observando o menino por alguns minutos, o perguntou:

- Por que tu dá comida aos bichos?
- Sai daí sua mendiga suja! Minha mãe não deixa eu falar com estranhos e você é muito estranha. Saí daqui!

O menino era deveras corajoso, pois falou isso estando sozinho. Ele não podia enxergar o coração gelado e perigoso de Martina. Ela precipitou-se sobre o menino e sem dizer uma palavra lhe tomou o pacote. Estava decidida, se houvesse reação tomaria atitudes bruscas, como se toda humanidade estive concentrada naquele rapazinho mimado que a afrontava. Mas, por sorte, o menino saiu correndo atrás da mãe ou de algum porto seguro dos loucos do mundo. Os pombos continuavam ali, comendo os pães que o menino recém havia jogado. Martina abriu o pacote e, de repente, alguns pombos avançaram nele. Assustada, ela jogou o pacote no chão com raiva e espantou os bichanos. Foi aí que lhe passou uma ideia. Não queria mais ter contato com as pessoas e ninguém gostava de ter contatos com pombos. Pegou o pacote do chão, tirou algumas lascas do pão velho e colocou na cabeça. Pombos subiram na sua cabeça. Ela ria. Havia encontrado a fórmula, a fórmula mágica que poderia lhe livrar dos humanos. Simples assim. Logo, estava com pombos pelos braços. Cagar na sua cabeça era o único fato que incomodava.

- Ah, malditos ratos voadores! Mas ainda prefiro a merda de vocês a humana. Prefiro o ronronar de vocês que os discursos políticos e os falsos moralismos... é a sorte. Que sorte vocês têm, bichanos. Eu não mataria um de vocês, mas não pensaria um minuto em tirar a vida de um homem.

E assim passaram-se mais de dois anos. Martina somente tirava os pombos para mendigar alguma coisa, mas logo passou a roubar e praticar pequenos furtos nos transeuntes. Pedir para aquela corja maldita de executivos e senhoras de respeito e outras espécies de anencéfalos era demais para ela. Sabia-se forte e não lhe agradava conviver com a imbecilidade de fracassados, muito menos depender deles para viver. Usava os pombos para intimidar as pessoas. Mais uma vez, a menina que apanhou a vida inteira, era feliz a sua maneira.

Autor: Diego Rosinha


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