Desvirtuação do Contrato de Estágio



Cora Gabriela Magalhães Ribeiro dos Santos[1]

RESUMO: Atualmente, são freqüentes as situações de fraude nos contratos de estágio, as quais se utilizam de um estagiário para exercer atividades que deveriam ser praticadas por um empregado, com o intuito de diminuir os encargos sofridos pelos empregadores. Diante de tal fato, uma das formas apontadas para buscar impedir tal situação é a publicidade em relação às leis que regem as relações de estágio, assim como, uma fiscalização de toda a sociedade.

PALAVRAS-CHAVE: Desvirtuação; Estagiários; Unidades Concedentes; Instituições de Ensino; Empregado.

SÚMARIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. BREVE HISTÓRICO LEGISLATIVO DO CONTRATO DE ESTÁGIO; 3. PERSPECTIVAS DA NOVA LEI DE ESTÁGIO, 3.1 DO NÃO CABIMENTO DA CLT, 3.2 CARGA HORÁRIA, 3.3 OS TOMADORES DE SERVIÇO, 3.4 OS TIPOS DE ESTÁGIO, 3.5 FÉRIAS, 3.6 RESTRIÇÃO À CONTRATAÇÃO DE ESTAGIÁRIOS, 3.7 RESPONSABILIDADE DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO; 4. GLOBALIZAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS; 5. FRAUDE NO CONTRATO DE ESTÁGIO; 6. ÉTICA E RESPONSABILIDADE SOCIAL; 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS; 8. REFERÊNCIAS.

1. INTRODUÇÃO.

O tema proposto nesse trabalho é a desvirtuação do contrato de estágio.

Busca-se com o estágio uma complementação acadêmica. Este tipo de contrato, por se assemelhar muito ao contrato de emprego, tem sido muito utilizado como modo de fraudar as obrigações trabalhistas.

Ainda por possuírem algumas características parecidas, é bastante comum a desvirtuação das finalidades legais do estágio, que muitas vezes não passam de relações de empregos disfarçadas sob esse rótulo, tendo como finalidade reduzir os encargos sofridos pelos empregadores, com prejuízos dos trabalhadores e de toda a sociedade.

A desvirtuação do contrato de estágio ocorre, portanto, quando se utilizando de um estagiário, se pratica atos que deveriam ser exercidos por um empregado. Desta forma, sendo utilizado com este fim, o estágio deixa de ser uma formação meramente educativa para se tornar um instrumento de fraude.

Estagiários trazem menos obrigações a uma empresa, tornando mais vantajosa a sua contratação. Financeiramente, custam mais barato, sobretudo, por trazerem menos encargos e obrigações trabalhistas ao empregador. A utilização do estagiário para o desempenho de determinada atividade provoca um desencontro com a lei, na medida em que, os empregadores se valem de seus serviços em troca de uma bolsa para atender despesas de transporte e alimentação, sem a devida proteção previdenciária e trabalhista do empregado.

Outrossim, quando vislumbrada a prática real da utilização menos onerosa da força de trabalho, sem qualquer ganho educacional para o estudante, haverá a transformação do estágio para o emprego, evidenciando, nesta hipótese, o vínculo empregatício.

Ante o exposto, conclui-se que o modelo atual de contrato de estágio existe, todavia, sozinho não é suficiente para garantir os direitos fundamentais dos estagiários, deixando margens para esta desvirtuação.

Fica notório, ao dar margens à tantas falhas, a real necessidade de se estabelecer novos critérios reguladores de fiscalização por parte de todos, inclusive, da sociedade para que se atenda os interesses de ambos os contratos – o de estágio e o de emprego –, condizentes, é claro, ao verdadeiro objetivo da legislação responsável pela defesa destes direitos.

Considera-se como escopo geral da discussão deste temademonstrar a facilidade e a freqüência da fraude do contrato de estágio, oferecendo como forma de solução a necessidade de uma intensa fiscalização para que sejam seguidos os critérios reguladores do contrato, sobretudo, sendo compatível com a verdadeira função do estagiário.

Destarte, podem-se traçar alguns objetivos específicos do presente artigo, tais como: definir a função do contrato de estágio, relacionando as diferenças entre este e o contrato de emprego; conceituar os direitos do estagiário, identificando a desvirtuação do seu contrato; demonstrar a fraude do contrato de estágio, evidenciando o descaso de muitos, que mesmo tendo ciência dos fatos e dos direitos a serem exigidos, ainda assim, se omitem; e por fim, verificar qual a ação necessária para se evitar o problema.

Ante ao exposto, fica notório o quão importante serem cumpridos estes objetivos, à medida que, quanto mais esclarecedor for o assunto, mais difícil será a desvirtuação do contrato de estágio. Vale destacar que a maioria dos estudantes vivencia esta realidade ou possui esta realidade muito próxima. Assim, estar em um dos lados do contrato de estágio, ser contratante ou ser contratado, faz parte da realidade de todos, sendo bastante freqüente estas conseqüências desastrosas.

Além de tantos outros benefícios que podem decorrer da discussão proposta por este artigo, é muito interessante analisar a desvirtuação do contrato de estágio, na medida em que este contrato é objeto de estudo na vida acadêmica, de uns, e de extrema intimidade em razão da vivência prática, para outros. Assim, torna-se mais absurdo e incompreensível a constatação do pouco conhecimento que os jovens, em geral, possuem sobre o tema.

Cumpre destacar que os participantes do contrato de estágio lidam de formas diversas com as normas inerentes ao referido contrato. Em relação às Unidades Concedentes, as normas são ignoradas, pois apesar de terem a obrigação de saber e seguir, ainda alegam que as desconhecem.

Em contrapartida, há normas desconhecidas pelos próprios estagiários e que, por tal motivo, se rendem as inúmeras pressões de fraudes existentes nos seus contratos, por medo de não mais terem o seu sonhado estágio.

Ante o exposto, após explanação de todos os aspectos, pontos que até então nunca foram tratados em trabalhos sobre o tema aqui enfocado, passarão a ser esclarecidos de maneira objetiva, visando construir um paralelo entre o contrato de estágio e o contrato de emprego, traçando os principais direitos de ambas as categorias.

Este trabalho busca, diante de tudo já mencionado, que se torne mais evidente os direitos decorrentes do contrato de estágio, principalmente, para que haja, por parte de todos, uma maior fiscalização destes contratos, evitando, assim, qualquer tipo de desvirtuação.

2. BREVE HITÓRICO LEGISLATIVO DO CONTRATO DE ESTÁGIO.

O contrato de estágio foi instituído pela Lei nº. 6.494, de 1977, e regulamentado pelo Decreto nº. 87.497, de 1982, os quais, mais tarde, sofreram algumas mudanças. Trata-se basicamente das principais características que possui um contrato de estágio e suas funções.

A primeira norma jurídica que fez menção aos estagiários foi o Decreto nº 20.294, de 12.08.1931, que disciplinava um acordo com o Ministério da Agricultura, que admitiria, nas escolas, alunos estagiários recebendo uma dotação anual por aluno matriculado.

Na década de 40, houve uma inovação nos pensamentos e ideais, o que resultou em um repensar na educação brasileira, significando uma proximidade entre os cursos universitários e secundários. É notório ressaltar que na época os cursos secundários e superiores eram destinados à formação das elites do país, ao passo que os cursos profissionalizantes eram para os filhos dos operários e os que necessitavam ingressar precocemente no mercado de trabalho.

Tudo isso porque, abrir mão de mais uma força de trabalho e arrecadador de renda para as despesas da casa, era somente para as pessoas de classes privilegiadas, principalmente, para aquelas que os pais investiam na preparação intelectual, que herdariam os negócios da família. Aos filhos dos operários que nada tinham para herdar, senão as dívidas e a vida regrada dos seus pais.

Com o advento da Portaria Ministerial nº 1.002/67, foi instituído os estágios nas empresas. Posteriormente, houve a previsão do estágio supervisionado, previsto na Resolução CFE nº 9, de 10 de outubro de 1969, a qual fixava a formação pedagógica das licenciaturas. O Decreto nº 66.546, de 11 de maio de 1970, instituiu também o estágio para estudantes de áreas de engenharia, tecnologia, economia e administração.

A Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, criou regras relativas às diretrizes e bases para os ensinos de 1º e 2º grau, prevendo o estágio como forma de cooperação entre empresas e escolas, estabelecendo, a exemplo da Portaria nº 1.002/67, a inexistência de vínculo empregatício.

O Projeto de Lei nº 776, de junho de 1972, visou instituir o estágio universitário junto aos órgãos da administração federal, com todos os direitos previstos na CLT.

O Decreto nº 75.778, de 26 de maio de 1975, regulou o estágio de estudantes de ensino superior e de ensino profissionalizante de 2º grau, no Serviço Público Federal. Posteriormente, houve a Conferência Internacional do Trabalho, em 22 de junho de 1975, que adotou a Recomendação nº 150 sobre a Orientação e Formação Profissional no Desenvolvimento dos Recursos Humanos, destacando-se os art. 18 e 19, pois tratam do tema.

Por fim, em dezembro de 1977, é publicada a Lei nº 6.494/77, regulamentada pelos Decretos nº 87.497/82, nº 89.467/84 e nº. 2.080/96. As Leis de nº 8.859/94 e nº 9.394/96 vieram alterar alguns aplicativos da Lei Geral de Estágios, acrescentando alguns pontos.

Torna-se relevante ressaltar, que o estudante de medicina integrante do ensino de graduação, no caso de estágio acadêmico, terá como base legal a Lei Geral de Estagiários. O aluno do curso de Direito está sujeito à legislação especial (Lei nº 8.906/94), como também o médico estagiário, que se constitui em trabalho autônomo regulado pela Lei nº 3.999/61. O aluno de jornalismo está impedido de praticar estágio profissionalizante por não haver norma disciplinando o assunto.

Ante o exposto, para finalizar o breve histórico sobre o tema, é relevante mencionar a nova Lei de Estágio, nº. 11.788, de 25.09.2008, que foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e publicada no Diário Oficial do dia 26 de setembro de 2008, que vem trazendo grandes avanços à regulamentação do estágio profissional.

Esta lei entra em vigor limitando a carga horária dos estudantes, prevê bolsa-auxílio e vale-transporte também para o caso de estagiários não obrigatórios, bem como, férias remuneradas de 30 (trinta) dias.

Esta regulamentação vale apenas para aqueles contratos que foram assinados a partir de sexta-feira, dia 26 de setembro de 2008, ou então aqueles que a partir desta data serão renovados.

3. PERSPECTIVAS DA NOVA LEI DE ESTÁGIO.

O estágio foi regulamentado até o dia 25 de setembro deste ano pela Lei nº 6.494 de 1977, a qual traz como conceito de estágio as atividades de aprendizagem profissional, social e cultural, passadas aos estudantes, através de participações em situações reais de trabalho, concedidas por pessoas jurídicas de direito privado, órgãos da administração pública e instituições de ensino, tendo como finalidade proporcionar ao jovem uma boa experiência prática na sua área de ensino.

A antiga lei de estágio possuía muitas características importantes, que foram substituídas, modificadas ou aprimoradas pela nova legislação, que passou a regulamentar o contrato de estágio.

A mais recente novidade sobre o assunto em questão é esta nova lei que regulamenta o estágio, a qual foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, publicada no Diário Oficial do dia 26 de setembro de 2008.

A nova lei de estágio traz algumas mudanças fundamentais na regulamentação em questão, dentre elas, limita a carga horária do estudante, prevê bolsa-auxílio e vale-transporte também para as situações de estágio não-obrigatório, bem como, férias remuneradas de 30 (trinta) dias.

Trata-se, em verdade, de um imenso avanço na legislação brasileira, uma vez que a nova regulamenta de forma minuciosa a prática profissional dos estudantes de todo o Brasil, com o cuidado merecido, não se olvidando do problema da desvirtuação do contrato de estágio.

Resta mencionar, que esta renovada legislação trata do assunto da desvirtuação de forma bastante específica e real, quando menciona em um dos seus artigos que se houver a desconformidade da lei com a prática isso resultará em vínculo empregatício, com todos os seus encargos trabalhistas e previdenciários.

Assim sendo, prevê a Lei nº 11.788 de 2008, no seu artigo 15º:

Art. 15. A manutenção de estagiários em desconformidade com esta Lei caracteriza vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária.

§ 1o A instituição privada ou pública que reincidir na irregularidade de que trata este artigo ficará impedida de receber estagiários por 2 (dois) anos, contados da data da decisão definitiva do processo administrativo correspondente.

§ 2o A penalidade de que trata o § 1o deste artigo limita-se à filial ou agência em que for cometida a irregularidade.

Desta forma, percebe-se claramente que a lei utilizou e reforçou uma nova medida de prevenção que tenta evitar de todas as formas a sua fraude, vislumbrando uma considerável diminuição nas desvirtuações dos contratos de estágios.

Destarte, estas medidas vêm contribuindo para inibirem mais ainda este tipo de manutenção de estagiários em desconformidade com a lei.Assim sendo, a tendência, diante de tanta rigorosidade, é que cada vez menos aconteçam estes tipos de situações.

A Lei nº 6.494 de 1977 faz menção neste mesmo sentido, todavia, um pouco mais reduzido e menos punitivo.

Prevê o art. 9º: "Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação."

Ainda no mesmo sentido, a aplicação do art. 3º da CLT não basta à nulidade do contrato de estágio, mas também que o trabalhador preencha os requisitos para a caracterização do vínculo.

Posto isto, considerando-se as diferenças e semelhanças entre a nova e a antiga lei de estágio supra mencionadas, seguem algumas das características principais das mesmas, traçando um paralelo entre ambas.

3.1DO NÃO CABIMENTO DA CLT.

Em nenhuma das regulamentações sobre estágio cabe a aplicação da CLT. Ambas não geram vínculo empregatício, sendo absolutamente impossível a aplicação de qualquer encargo trabalhista, assim como, previdenciário.

Não obstante, traz a nova lei, artigo específico sobre o assunto:

Art. 3o O estágio, tanto na hipótese do § 1o do art. 2o desta Lei quanto na prevista no § 2o do mesmo dispositivo, não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, observados os seguintes requisitos:

I – matrícula e freqüência regular do educando em curso de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e nos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos e atestados pela instituição de ensino; 

II – celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino;  

III – compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso.  

§ 1o O estágio, como ato educativo escolar supervisionado, deverá ter acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente, comprovado por vistos nos relatórios referidos no inciso IV do caput do art. 7o desta Lei e por menção de aprovação final. 

§ 2o O descumprimento de qualquer dos incisos deste artigo ou de qualquer obrigação contida no termo de compromisso caracteriza vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária.

A duração do estágio, com a mesma parte concedente, não poderá exceder 2 (dois) anos, exceto quando se tratar de estagiário portador de deficiência. Desta forma, percebe-se que a nova legislação foi criteriosa neste sentido, ao passo que limitou a permanência do jovem no ambiente da mesma unidade concedente, protegendo-o de situações em que o aprendizado profissional já tenha se esgotado.

Neste mesmo sentido, a antiga lei de estágio traz no seu texto legislativo a observação de que o período médio de contratação é de 6 (seis) meses e pode ser rescindido a qualquer momento sem ônus para as partes.

Da mesma forma, afirma que o contrato de estágio pode ser continuamente renovado enquanto o estudante freqüentar aulas, devendo o estagiário, obrigatoriamente, estar coberto por um seguro de acidentes pessoais, previsão contida também na nova lei.

Por fim, a ausência do contrato de estágio e/ou do seguro de acidentes pessoais caracteriza vínculo empregatício, sujeitando a empresa às sanções previstas na CLT. Nota-se, que da mesma forma, existe uma preocupação da Lei nº. 6.494/1977 que este contrato não se prolongue por muito tempo.

3.2 CARGA HORÁRIA.

Vislumbrando a lei antiga, a mesma traz em seu texto, o livre arbitramento na carga horária, somente com a ressalva de não atrapalhar a freqüência das aulas do estudante. Assim, poderia o estudante trabalhar por qualquer tempo, mesmo que fosse de grande duração.

Em contrapartida, considerando-se a nova regulamentação, esta estabelece que o estágio poderá ter horário máximo de 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais, para aqueles estudantes de ensino superior, educação profissional e ensino médio.

Aos estudantes que possuem educação especial e àqueles dos anos finais do ensino médio, a carga horária máxima será de 4 (quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais.

O estágio relativo a cursos que alternam teoria e prática, nos períodos em que não estão programadas aulas presenciais, poderá ter jornada de até 40 (quarenta) horas semanais, desde que isso esteja previsto no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino.

Se a instituição de ensino adotar verificações de aprendizagem periódicas ou finais, nos períodos de avaliação, a carga horária do estágio será reduzida pelo menos à metade, segundo estipulado no termo de compromisso, para garantir o bom desempenho do estudante.

Quando se tratar de trabalho na mesma empresa, o estágio não pode ultrapassar 2 (dois) anos e o estagiário fica restrito as funções equivalentes a sua grade curricular.

Percebe-se que a nova regulamentação acaba delimitando a carga horária estabelecida no contrato de estágio, fazendo com que o estudante possa produzir mais, tanto na sala de aula, pois terá mais tempo para estudar e para descansar, quanto no seu estágio, pois terá mais disposição para usufruir de toda a oportunidade prática de analisar as informações que só tem contato na teoria.

Não obstante, todos saem ganhando com a nova duração estabelecida pela lei, sendo viabilizado maior aprendizado para as matérias curriculares, com inúmeras outras vantagens.

3.3 OS TOMADORES DE SERVIÇO.

Existe uma grande diferença entre os possíveis tomadores de serviços, considerando a antiga e a nova lei de estágio.

De acordo com a antiga legislação, os tomadores de serviços poderiam ser as pessoas jurídicas de direito privado, os Órgãos de Administração Pública e as instituições de ensino. Percebe-se, portanto, que houve um completo esquecimento aos profissionais liberais que ficaram sem total aparato legal para a possível contratação de um estagiário.

Com a regulamentação da Lei nº. 11.788 de 2008, os profissionais liberais passaram a ter aparato legislativo na contratação de estagiários. Observa-se pela leitura do artigo 9º da referida lei que podem oferecer estágio: as pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como, profissionais liberais de nível superior, devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização profissional.

Sendo assim, esta grande lacuna da Lei nº. 6.494 de 1977 passou a ser suprida pela nova legislação, a qual passou, então, a falar sobre tais profissionais.

Mais uma vez, percebe-se, o benefício que a regulamentação dos estudantes trouxe para o Direito Brasileiro. Se com estes profissionais já existe escassez no número de vagas de estágio, tendo como conseqüência inúmeros estudantes sem poder se beneficiar com o convício da sua prática profissional, quiçá se estes contratantes não entrassem no rol dos tomadores de serviços.

Destarte, é o total aprimoramento e desenvolvimento do Direito, passando a se preocupar, efetivamente, com os seus estudantes que de toda a relação é, com certeza, a parte mais frágil.

3.4 TIPOS DE ESTÁGIO.

De acordo com a nova lei, pode haver dois tipos de estágios, sendo eles, obrigatórios, quando são necessários e indispensáveis para a obtenção do diploma, e opcional, o qual não condiciona a formação do curso, dependendo do seu plano pedagógico.

É relevante ressaltar que, independente do tipo de estágio, a característica norteadora deste instituto continua sendo a completa ausência de vínculo empregatício.

3.5 FÉRIAS.

Uma das mudanças mais significativas desta nova lei foi o direito do estagiário de usufruir de férias de 30 (trinta) dias, sempre que o estágio tenha duração igual ou superior a um ano, coincidindo, preferencialmente, com as férias escolares. As férias devem ser remuneradas, caso o estagiário receba bolsa-auxílio.

Sendo assim, é uma das maiores inovações, ao passo que foi um direito completamente inovador em relação a outra regulamentação.

Percebe-se, contudo, que as férias concedidas aos estudantes, são fundamentais para que estes "descansem" um pouco da rotina diária, não deixando de ser uma forma indireta de incentivo a própria atividade exercida. Durante as férias, os estudantes podem priorizar outros aspectos de sua vida pessoal, ou até mesmo profissional.

Outrossim, vale frisar que as férias concedidas aos empregados visam, de certa forma, salvaguardar a sua integridade física e mental. Assim, as férias dos estagiários devem ser vistas sob este mesmo prisma.

3.6 RESTRIÇÃO À CONTRATAÇÃO DE ESTAGIÁRIOS.

A nova Lei estabeleceu número máximo de estagiários de acordo com a quantidade de funcionários de cada empresa. Se a empresa possui de um até cinco funcionários, o máximo permitido é de um estagiário; de seis à dez funcionários, até dois estagiários; de onze até vinte e cinco funcionários, até cinco estagiários; e acima de vinte e cinco empregados, até 20% de estagiários.

Como meio de qualificar o instituto de estágio exige a lei que deverá indicar um supervisor para cada grupo de dez estagiários.

Este tipo de controle permite que fraudes no quadro de funcionários das empresas se tornem cada vez menos ocorrentes, evitando situações em que possam vir a existir mais estagiários do que funcionários trabalhando em um determinado local.

3.7 RESPONSABILIDADE DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO.

O papel das instituições de ensino ganhou ainda mais importância com a vigência da legislação do dia 26 de setembro deste ano.

Tudo isso acontece, pois caso a instituição de ensino não contenha na previsão do seu projeto pedagógico a prática do estágio, o estudante fica absolutamente impedido de se beneficiar com esta experiência profissional que é, inquestionavelmente, um importante passo para a preparação do início da vida do jovem para o mercado de trabalho.

Assim sendo, é relevante mencionar que talvez este projeto pedagógico, seja uma das mais importantes modificações da nova Lei que regulamenta o contrato de estágio, ao passo que acaba por interligar efetivamente a instituição de ensino, à prática profissional do estudante.

Existem muitas espécies de falhas corriqueiras que são praticadas pelas instituições em questão, dentre elas, o alto grau de negligência com muitos assuntos que deveriam despender uma atenção especial. Outras falhas verificadas são: a preocupação excessiva do cumprimento de requisitos formais, em detrimento do objetivo social do contrato; e a pouca fiscalização existente, a fim de evitar a fraude; dentre outras.

Destarte, com tantos fatores, percebe-se que não é tão absurdo, em alguns casos, haver a comparação entre as instituições de ensino e as empresas intermediárias de mão-de-obra. Em inúmeras situações, as instituições de ensino se comportam como tal, esquecendo do seu principal objetivo que é educar e formar.

Não obstante, é evidente que existem muitas pessoas com posições que defendam uma responsabilidade solidária das instituições de ensino com as unidades concedentes de estágios, uma vez que a responsabilidade pelo bom funcionamento e seguimento das leis vigentes é de todos os envolvidos.

Desta forma, é patente que esta posição é a mais coerente diante da atual situação dos estagiários. Assim, uma vez que se afirma que as unidades concedentes possuem responsabilidade para com os estudantes, também é aceitável a idéia de que as instituições de ensino também possuam esta mesma responsabilidade, na medida em que é de sua obrigação a fiscalização do ambiente de trabalho do estudante; a indicação de professor orientador da aérea; a cobrança de relatório semestral; o zelo pelo cumprimento do termo; a elaboração de normas complementares e instrumentos de avaliação; a comunicação à parte concedente do estágio, no início do período letivo, das datas de realização de avaliações escolares ou acadêmicas.

Referindo-se a este assunto, Carmem Camino, juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região, tem sustentado, com fundamento no art. 942 do Código Civil, a possibilidade de haver uma responsabilidade solidária da instituição de ensino e da unidade concedente do estágio, quando demonstrado o conluio para a exploração pura e simples da força de trabalho do estudante:

A fraude às normas tutelares constitui ilícito trabalhista, agasalhado no art. 9º da CLT, daí a possibilidade de responsabilização solidária de ambos os agentes que, em concurso, ensejam o prejuízo do trabalhador, travestido de "estagiário". Tal responsabilidade pode se estender, inclusive, ao agente de integração, se provado que também ocorreu a ilicitude.[2]

Posto isto, resta tecer o comentário de que se observa não haver a mínima preocupação por parte das empresas em ver associado ao seu produto ou serviço a exploração de mão-de-obra estudantil. Muito pelo contrário, as mesmas não demonstram a menor preocupação em relação a este tipo de questão, sendo mais importante a obtenção do puro e exclusivo lucro, independente de qualquer aspecto.

Contudo,após exposição das principais regras sobre o contrato de estágio, abordando a Lei nº. 11.788, de 26 de setembro de 2008, é necessário, e de extrema relevância, mencionar as conseqüências para o não cumprimento das regras legais, sendo responsabilizado civilmente quem deu ensejo para o desvirtuamento do contrato de estágio.

Tal descumprimento ensejaria a fraude do referido contrato, o qual teria como conseqüência o reconhecimento da relação de emprego para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária.

Por fim, resta ressaltar a importância e o quão avanço significou a regulamentação da nova Lei de estágio no âmbito nacional, representando uma grande esperança de que as desvirtuações aconteçam cada vez menos, tornando o direito eficaz e justo.

Todas as partes saem beneficiadas com a Lei nº. 11.788 de 2008, se construindo um instrumento legal e justo para os milhões de acadêmicos de todo o país. Ganham os estudantes, por possuírem seus direitos e benefícios garantidos e aumentados; ganham as empresas, em face da maior segurança jurídica; e ganham as instituições de ensino de todo o Brasil, pois terão alunos com mais tempo para se dedicarem aos estudos.

Como forma de esclarecimento a toda população brasileira, as empresas, as instituições de ensino e, principalmente, aos estudantes, as unidades de intermediação colocaram a disposição centrais de atendimentos para esclarecer dúvidas sobre o tema.

4. GLOBALIZAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

A intensa globalização que assola o mundo atual, juntamente com as constantes crises vividas em tantas áreas, principalmente, na economia, revela uma sociedade que elimina muitas oportunidades de trabalho, concomitantemente, com um número gigantesco de mão-de-obra de extrema qualificação, que cresce cada dia mais, sem conseguir ser absorvido pelo mercado de trabalho.

Para não falir, como muitas, e sobreviver ao mundo competitivo, as empresas foram forçadas a uma reestruturação brutal. Desta forma, houve uma enorme diminuição do número de empregos e um aumento desenfreado de desempregados.

Eis um dos maiores problemas atuais, visto que, atualmente, para se inserir no mercado de trabalho e garantir sua independência econômica, não é suficiente um curso de graduação, nem mesmo, uma especialização na área. Não raro é indispensável para que o indivíduo consiga se colocar no mercado uma indicação de parentes, amigos, ou até mesmo, conhecidos.

Em contrapartida, para aqueles que não possuem nem sorte e nem influência no seu meio, a situação tornou-se ainda mais crítica, resultando numa parcela considerável de pessoas, que apesar altamente qualificadas, tiveram que mudar completamente de área para garantir um emprego.

Este novo mercado exige mais que trabalhadores com alto grau de instrução. Este contexto revela alterações nas relações de trabalho. Se antes existiam vínculos de empregos estritos, com o passar do tempo cresceram os trabalhos autônomos, eventuais, não registrados, temporários, as jornadas de meio período, trainees e estagiários.

Em outras palavras, tudo que cause menos gastos e que tenha um caráter de maior independência, com menor vínculo é mais valorizado atualmente. Os empregadores não possuem mais condições econômicas de contratarem diversas pessoas, sem que isto lhes cause um grande impacto nos seus orçamentos. Destarte, observa-se que nos dias de hoje busca-se minimizar os custos com a mão de obra, diminuindo os encargos e obrigações trabalhistas, a fim de possibilitar uma maior margem de lucro.

Fica notório assim, um aumento absurdo de empregos na clandestinidade, ou vínculos de contratação que não acarretem muitas obrigações. Tudo isto decorre da busca incessante do lucro, como também, da ausência de políticas de proteção ao empregado, assim como da pouca eficácia das já existentes.

Brizola, em artigo na Folha de São Paulo de 12.08.2002, "O dilema da empregabilidade", constata uma triste realidade:

Nas grandes companhias, a concorrência por um lugar de estágio se mostra muito mais acirrada que no vestibular de medicina. Existem até mil candidatos por vaga nas grandes empresas. Alguns exames de seleção tem até cinco fases (...) Some-se às novas exigências das empresas o baixo crescimento da economia brasileira nos últimos vinte anos e se obtém uma química explosiva. Metade dos jovens que chegaram ao mercado de trabalho na década de 90 não encontrou vaga...[3]

Assim sendo, percebe-se que esta cruel realidade da escassez de mercado de trabalho, atinge também aos jovens que ainda não possuem o seu diploma, ou seja, também aos estagiários, que sofrem com a falta de vagas de estágio nas empresas. Como conseqüência desta limitação, tem-se a extrema precariedade das práticas deste vínculo de contrato.

O fato de existirem poucas vagas, apesar de cada vez mais estarem crescendo o seu número de contratação por decorrência das facilidades que proporciona um vínculo de estágio, faz com que os jovens fiquem à disposição dos contratantes, que muitas vezes, usam deste vínculo como forma de esconder uma contratação de emprego de fato.

Não obstante seja positivo o fato de estar havendo aumento do número de estagiários no Brasil, o que seria verdadeiramente bom, caso fosse somente com o intuito dos jovens estarem tendo a oportunidade de conhecer na prática o que estudam nas salas de aula, infelizmente não é o que acontece, uma vez que este aumento decorre da utilização de estagiários para fazerem praticas que fazem um empregado comum.

O que acaba se observando é que, a grande maioria das unidades que concedem o estágio, assustadas e pressionadas por esta nova realidade social e econômica, estabelecem que estagiário é como se fosse um empregado ou um servidor público, fugindo, completamente, aos objetivos que é de ensino e aprendizagem na linha de formação do estudante, usando como máscara de emprego, pois é economicamente mais viável, mesmo correndo o risco de manchar o nome da instituição quando de eventuais reclamações trabalhistas.

Brilhantemente, o autor, conhecedor do Direito, Juscelindo Vieira dos Santos, fala sobre o tema:

A figura do estagiário brasileiro é a antítese entre a salvação e o pecado. Para o sistema capitalista globalizado, os direitos trabalhistas assegurados e elevados a status constitucional, no entendimento da maioria do empresariado e grande parte da classe política brasileira, elevaram o chamado "custo Brasil", inviabilizando economicamente a competição, no mercado internacional, de produtos e serviços produzidos no país. A contratação de estagiários é uma das tábuas de salvação em face do baixo custo, pois não há a presença de encargos, e a lei não impede a jornada de trabalho-estágio, por 8 ( oito) horas diárias para estudantes universitários, estágio m dias não úteis e feriados, não havendo outros custos trabalhistas que onerem a produção como pagamento de horas extras, adicional de horário noturno, licença-maternidade, aviso prévio, férias...[4]

Cumpre esclarecer somente, que após a nova regulamentação do Contrato de Estágio, a lei, estabelece horário máximo na jornada de trabalho do estudante de 4 (quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais, no caso de estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos e 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais, no caso de estudantes do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular.

O respeitável professor, em sua citação, afirma ser de 8 (oito) horas a jornada de estágio, visto que foi anterior a esta regulamentação que foi publicada dia 26 de setembro de 2008, o que de fato era possível, uma vez que era livre a jornada de trabalho. O assunto em questão, será aprofundado mais adiante.

5. FRAUDE NO CONTRATO DE ESTÁGIO

Através do estágio busca-se uma complementação acadêmica. Este tipo de contrato, por se assemelhar muito ao contrato de emprego, tem sido muito utilizado como modo de fraudar as obrigações trabalhistas.

Ao tratar sobre o contrato de estágio, o respeitável professor Maurício Godinho Delgado, assim o definiu:

Esse vínculo sociojurídico foi pensado e regulado para favorecer o aperfeiçoamento e complementação da formação acadêmico-profissional do estudante. São seus relevantes objetivos sociais e educacionais, em prol do estudante, que justificaram o favorecimento econômico embutido na Lei do Estágio, isentando o tomador de serviços, partícipe da realização de tais objetivos, dos custos de uma relação formal de emprego. Em face, pois, da nobre causa de existência do estágio e de sua nobre destinação — e como meio de incentivar esse mecanismo de trabalho tido como educativo —, a ordem jurídica suprimiu a configuração e efeitos justrabalhistas a essa relação de trabalho lato sensu. [5]

O ilustre doutrinador explana de forma brilhante e concisa os objetivos e funções de um autêntico contrato de estágio. Este se caracteriza por ser um contrato, que se utilizando de um estagiário, são praticados atos que configurem uma complementação educativa podendo ser ou não remunerado através de uma bolsa-auxílio, tendo como resultado a continuidade da prática acadêmica, com pessoalidade e não-eventualidade.

O instituto do estágio é tido como fundamental à boa formação universitária e acadêmica, indispensável no contexto educacional atual. Sua realização está em harmonia com a idéia de assegurar adequada qualificação para o trabalho, propósito que se deduz do artigo 205 do texto Constitucional Federal.[6]

Neste sentido, o objetivo essencial do estágio é propiciar a complementação do ensino e da aprendizagem a fim de se constituir um instrumento de integração social, na medida em que proporciona treinamento prático, aperfeiçoamento técnico-cultural e científico e relacionamento humano.

O estágio se verifica em unidades que tenham condições reais de proporcionar experiência prática de formação profissional ao estudante e conceda ao estudante-estagiário efetiva complementação do ensino e aprendizagem, em consonância com os currículos, programas e calendários escolares.

Notoriamente, percebe-se que existe uma grande semelhança entre o contrato de estágio e o contrato de emprego. Todavia, ao comparar, fazendo um paralelo das características de ambos, notam-se muitas proximidades, porém as diferenças são ainda mais evidentes.

São inúmeras as conceituações de contrato de trabalho. O jurista De Ferrarri, citado na obra dos professores Otávio Augusto Reis de Souza e Ricardo José das Mercês Carneiro, definiu o contrato de trabalho como:

[...] acordo de vontades e relação de emprego como a ocupação de trabalho do empregado pelo empregador, onde o contrato de trabalho gera relação de emprego e, ambos, fazem incidir a legislação do trabalho.[7]

Desta forma, o contrato de emprego possui como características principais o trabalho por pessoa física, com pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação ao tomador de serviço, conforme definição consubstanciada no art. 3º da CLT[8].

Nota-se a forte semelhança que possui com o contrato de estágio, sobretudo se este for remunerado. A similitude mostra-se clara na medida em que o estagiário é também subordinado ao seu contratante, realizando uma atividade não eventual e altamente pessoal.

Dentre as diferenças, a que mais se destacaria seria exatamente o caráter complementar educativo/acadêmico.

Como já foi exposto anteriormente, conclui-se que será contratado como estagiário o estudante que utiliza o seu estágio como uma complementação do seu estudo teórico. O estágio proporciona, acima de tudo, a vivência prática, daquilo que somente se vê na teoria.

Diante de tantas semelhanças, tornou-se bastante comum a prática da desvirtuação das finalidades legais do estágio, que em muitas situações não passa de uma relação de emprego sob outra denominação, tendo como objetivo principal a redução dos encargos com mão de obra inerente à atividade empresarial, acarretando prejuízos ao trabalhador e a toda a sociedade.

Em suma, a desvirtuação do contrato de estágio ocorre, portanto, quando se utilizando de um estagiário, se pratica atos que deveriam ser exercidos por um empregado.

José Affonso Dallegrave Neto cita numa de suas obras um acórdão que ilustra de forma brilhante e clara esta situação:

O estágio a que se refere a Lei n. 6.494/77 não exige correlação entre o currículo escolar e a atividade empresarial. Devendo a lei ser interpretada de acordo com o fim a que se destina, estando a finalística da Lei n. 6.494/77 estampada no § 2° do art. 1° (''... a fim de se constituírem em instrumentos de integração, em termos de treinamento prático de aperfeiçoamento técnico-cultural, científico e de relacionamento humano''), à percepção da preocupação do legislador de ensejar meios para o aumento de conhecimento sócio-cultural do estudante, sua participação em atividade laborativa com outras pessoas dando-lhe vivência, experiência e propiciando relacionamento humano fora dos ambientes residência-escola, constata-se que o estágio obediente àquela norma legal não mascara e/ou caracteriza relação de emprego; reafirmação de que na escola da vida o aprendizado é eficaz. (TRT 3a Região, Ac. 1a T., Rei. Renato Moreira Figueiredo, DJMG II, 10.09.92, p. 74) [9]

Como se sabe, os estagiários trazem menos obrigações a uma empresa, o que torna mais vantajosa a sua contratação. Destarte, financeiramente, custam mais barato, estimulando a tentativa de fraude pela unidade concedente.

É evidente que a um empregado, se vincula um emaranhado de obrigações trabalhistas, como o pagamento de verbas rescisórias, FGTS, 13º salário, férias, e, ainda, direitos previdenciários, dentre outras obrigações legais e sociais.

No contrato de estágio, por ser um instituto completamente diferenciado, como já esclarecido neste trabalho, e por não possuir qualquer vínculo empregatício, inexistem quaisquer destes encargos.

Todavia, a desvirtuação do contrato de estágio, decorrente da tentativa de fraude da lei, por parte dos empregadores, tem como conseqüência direta a utilização do estagiário numa atividade normal, sem que haja a proteção previdenciária e trabalhista devida ao empregado.

Assim sendo, quando a prática real de simples utilização menos onerosa da força de trabalho, substituir o autêntico objetivo do contrato destinado para os estudantes, sem qualquer acréscimo educativo para o mesmo, haverá a desvirtuação do contrato de estágio.

Contudo, o que se observa na prática é que a realidade dos estagiários está muito distante do que a lei determina como características do contrato. Outrossim, verifica-se que a aplicação da lei de estágio mostra-se completamente ineficaz, uma vez que é raro encontrar a plena aplicação dos regramentos atinentes ao contrato de estágio por parte das unidades concedentes.

Ademais, após a edição da nova lei de estágio, a relidade deste contrato mostra-se cada vez mais distante da norma legal. Assim, é evidente que a vigilância sobre o referido contrato deve se tornar mais rígida, em face da ampliação do leque de obrigações das partes envolvidas, bem como, do alargamento dos direitos concedidos aos estagiários.

Diante do exposto, é inegável a necessidade de se estabelecer novos critérios reguladores de fiscalização por parte de todos, inclusive da sociedade, para que se atenda os interesses reais e, principalmente, sociais, do contrato de estágio. Mais do que isso, a publicidade das leis que regulamentam o estágio, agora mais aprimoradas, é de extrema importância, uma vez que possibilita que todos fiscalizem a sua aplicação, além de permitir que as partes contratantes – neste caso: estudante, unidade concedente e instituição de ensino –, possam reconhecer e exijir os seus direitos.

Apesar de possuirmos uma lei de contrato de estágio bastante avançada, a realidade mostra-se desconexa em relação as regras legais. Por este motivo, é necessário que cada situação seja tratada de forma singular, possibilitando identificar quando ocorrer a contratação de um empregado disfarçada de estágio.

Conforme disciplina Américo Plá Rodriguez, "o princípio da primazia da realidade significa que, em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se de preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos"[10]

Normalmente o que se observa na prática é que o estudante ao procurar um estágio que possibilite uma complementação acadêmica do seu curso respectivo, acaba, na verdade, exercendo atividades inerentes a um empregado, inexistindo, por conseguinte, um autêntico vínculo de estágio, mas sim uma autêntica relação empregatícia.

Dessa maneira, não lhe é dispensado nenhuma atenção na perspectiva de prática profissional relacionada ao seu curso acadêmico. Por outro lado, o que existe é subordinação às empresas, controlerígido de horários e execução de tarefas completamente alheias à formação profissional esperada num legítimo estágio.

São indispensáveis alguns elementos a fim de se caracterizar o contrato de estágio, sem os quais este se desnatura. A nova legislação sobre o assunto traz no seu artigo 1º as características do que deve ser um autêntico estágio, a fim de que este possa atingir os seus objetivos com plenitude. O artigo supra citado possui a seguinte redação:

Art. 1º  Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos. 

Diante do quanto consubstanciado no regramento acima transcrito, as situações nas quais se visualize o distanciamento do contrato de estágio com os ditames legais, ou seja, quando, apesar de acobertado pela nomenclatura de "contrato de estágio", exista, de fato, uma relação de emprego, o Estado deve interferir, com o fim maior de proteger o estudante, uma vez que este se encontra em posição desfavorecida.

Desta forma, deve-se sempre privilegiar a situação de fato em relação a situação dissimulada, assim como defendido pelo já citado jurista Américo Plá Rodriguez.

Registre-se que a Justiça do Trabalho tem decidido de forma reiterada que a desvirtuação do contrato de estágio leva ao reconhecimento do vínculo de emprego com o estudante, revelando a aplicação prática da supremacia da realidade em face da situação dissimulada. Neste sentido os julgados abaixo transcritos:

Vinculo de emprego. Estagiário. Demonstrando os autos, que o estagiário não desenvolvia atividades compatíveis com o curso que frequentava, a relação havida no período foi de emprego. ac. TRT 9ª região. 3º t (RO 06434/94), rel. juiz Arnaldo Ferreira, dj/pr 21/07/95, p. 26" (grifamos)

O não desenvolvimento de atividades que proporcionem experiências práticas na área de formação do autor descaracteriza o contrato de estágio,motivo pelo qual o art. 4º da l. 6.494/77 é inaplicável ao caso em exame. Reconhecido o contrato de trabalho com base na legislação trabalhista, não se configura ofensa aos incisos ii e xxxvi do art. 5º da cf (tst, ai 136.315/94.0, Euclides Alcides Rocha, ac. 1ª t. 5748/95)" (grifamos)

Com efeito, o reconhecimento da tentativa de fraude à lei de estágio, culmina com a aplicação do art. 9º da CLT, que tem a seguinte redação: "Art. 9º. Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação."

Além da declaração de nulidade do contrato, outra conseqüência é a obrigação da unidade concedente de um contrato de estágio em regularizar a situação doestudante perante a Previdência Social, já que este é, na realidade, um empregado.

Ademais, uma vez reconhecido o vínculo, o estudante terá todos os benefícios decorrentes da relação de emprego, devendo o empregador arcar com todas estas obrigações legais.

6. ÉTICA E RESPONSABILIDADE SOCIAL

Não obstante ter sido mencionado diversos fatores de extrema relevância a respeito das relações de estágio e o seu desvirtuamento, importante tratar sobre uma questão que não pode deixar de ser abordada ao se referir a Direito e Sociedade.

A Ética e a Responsabilidade Social são fatores que precisam estar presentes em todas as relações sociais, notadamente nas relações de trabalho, incluindo-se aqui as relações de emprego, os estágios e a prestação de serviços. Tais valores são o norte de todos os princípios e leis existentes.

Toda a discussão é regida sobre as relações existentes entre Direito e Ética, sendo evidente as suas interseções. Falar em corrupção, meios ilícitos, exploração da mão-de-obra estudantil, torna-se contraditório diante de todos os princípios éticos que são estabelecidos na Constituição Federal.

Destarte, os comportamentos de profissionais, sendo eles éticos ou não, vêm desde a sua formação estudantil. Uma vez tendo o estudante vivenciado uma prática profissional correta, respeitando todos os valores sociais e éticos, bem como, a lei e seus princípios, inevitavelmente estar-se-á formando um profissional honesto e com um senso de responsabilidade social.

Por outro lado, se um jovem se desenvolve tendo os primeiros contatos da sua vida profissional, em um ambiente decadente, objetivando o lucro acima de qualquer valor ético e social, muito provavelmente, será um profissional com falha de conduta. Desenvolver-se-á um jovem profissional tendente a desrespeitar regras, considerando valores imorais.

Muitas vezes, o que acontece é que as empresas consideram atitudes mínimas as grandes manifestações de responsabilidades sociais, como por exemplo, a maioria dos empresários julga que a simples contratação de estudantes, revela-se uma ação socialmente justa, que venha a melhorar a imagem da organização, acreditando que esta sua ação "solidária" pode oferecer novas oportunidades de negócio, sendo que a real formação acadêmica do estudante está renegada a objetivo secundário.

Fica evidente que os empresários não priorizam o cumprimento das normas atinentes ao contrato de estágio, colocando sempre como objetivo principal o lucro, sempre com a busca constante de diminuição de encargos, mesmo que isto signifique o prejuízo acadêmico do estudante.

Em resumo, o que é o mais importante, é que a unidade concedente, possa receber os seus jovens estagiários, de maneira devidamente correta, possuindo a responsabilidade de conceder à tarefa de dar verdadeira experiência prática na sua linha de formação e dos desdobramentos decorrentes de um estágio, pois está em jogo o nome e a reputação da empresa, assim como os valores éticos dos futuros profissionais. O que deve ficar claro para todos é que o estagiário é diferente de um empregado, embora trabalhem no mesmo ambiente, atuando lado a lado.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo não sendo juridicamente um empregado ou servidor público, o estagiário faz parte da força ativa de produção da organização, se localizando na base da pirâmide hierárquica e indiretamente fazendo parte do quadro pessoal de uma empresa, a unidade concedente. Em face disto, acaba sofrendo todas as conseqüências deste modelo que considera o lucro o maior de todos os valores e princípios existentes.

Concluímos que este quadro crítico, narrado durante todo o trabalho, de uso em muitos casos, exploratório, sem qualquer direito social ao estagiário, vai em desencontro ao nosso contrato social, que tem por fundamento a livre iniciativa e a valorização do trabalho; objetivando garantir a todos uma vida digna; assegurando os direitos sociais; promovendo o bem de todos; sem qualquer forma de discriminação; reduzindo as desigualdades sociais e construindo uma sociedade democrática, livre, justa e solidária.

Desta forma, após explanação de tantos direitos dos estagiários, assim como a facilidade ao qual pode ocorrer a desvirtuação do seu contrato, percebe-se que as espécies de irregularidades são mais freqüentes do que se imaginam.

Tornar um contrato fraudulento, utilizando-se da sua prática desonesta, tendo como conseqüência, o total desrespeito aos nossos princípios, bases norteadores do mais puro e belo Direito, para obter vantagem econômica, é uma prática assustadora, todavia, corriqueira em todo o país.

Mais urgente do que qualquer outra medida, é necessária uma extrema fiscalização das normas já existentes, e agora mais aprimoradas, assim como, uma intensa divulgação das leis existentes que asseguram os direitos de todos os estagiários.

Notoriamente, é de extrema relevância o tema aqui tratado, podendo-se até considerar que o mais importante problema brasileiro da atualidade é, indubitavelmente, a formação profissional dos estudantes do país, tendo em vista que se confia aos jovens o futuro da nação.

O progresso de todo o país, com suas mazelas e seus pontos fortes, dependerá de indivíduos que são desenvolvidos e moldados, por um reflexo direto da sua formação enquanto estudante, sendo de extrema relevância a qualidade da mesma.

Por isso, para conseguirmos formar jovens embasados em valores éticos, aprendendo a discernir o que é certo do que é errado, cientes de todas as responsabilidades sociais existentes, é indispensável que seja respeitado no seu ambiente de trabalho, bem como, sejam observados todos os direitos que possui, afastando o risco de fraudes e desvirtuações de seus contratos de estágio.

Desta forma, formaremos jovens mais humanos e melhores qualificados para assumirem o papel de profissionais honestos e atuantes em conformidade com a lei.

Por fim, registre-se que é imprescindível que lutemos por um futuro ainda mais justo, defendendo a aplicação rígida das leis, buscando minimizar as conseqüências nefastas daquelas situações nas quais se verifica o completo descumprimento do Direito. Vivemos em um país democrático, portanto, valorizando e cumprindo as nossas próprias leis, estaremos, consequentemente, valorizando o interesse de toda a população.

8. REFERÊNCIAS

BARROS Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho.São Paulo: LTr, 2008, 4ª ed.

CAMINO, Carmem. Estagiários: algumas reflexões necessárias. São Paulo: Revista LTr nº. 60, 1996.

DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Inovações na legislação trabalhista: reforma trabalhista ponto a ponto. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2002.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002.

NETO, Francisco Ferreira Jorge, Jouberto de Quadros Pessoa. Manual de direito do trabalho. São Paulo: Lumen Júris. 2 vol.

PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de direito individual do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, 5ª ed.

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios do Direito do Trabalho.São Paulo: LTr, 2001.

SANTOS, Juscelindo Vieira dos. Contrato de estágio: subemprego aberto e disfarçado. São Paulo: LTr, 2006

SOUZA, Otávio Augusto Reis de, Ricardo José das Mercês Carneiro. Direito e processo do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

VIDOTTI, Tárcio José. Mercado de Trabalho: legislação sobre estágio profissional deve ser alterada. São Paulo: 2002. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/9770,1> Acesso em: 21 out. 2002.




Autor: Cora Gabriela Magalhães Ribeiro dos Santos


Artigos Relacionados


Comentário A Nova Lei Do Estágio

A Perspectiva Construtivista De Ensino

Amor NÃo DÁ Em Árvore

O Chão

A Função Da Escola E Da Educação

O Discurso / Mídia / Governo

A Inadimplência E A Suspensão Do Fornecimento De Energia Elétrica