Luciana



Estava desesperada. Pegou o carro e saiu dirigindo pela Avenida Atlântica. Devia ser uma hora da manhã. Era sábado. Todos os bares e boates estavam abertos. A noite rolava solta pela cidade. Música barulhenta, luzes ofuscantes, homens bêbados, pessoas em busca de diversão e sexo. Um ou outro bar aparentava boa música e ambiente tranqüilo. Pelas calçadas prostitutas ofereciam seus corpos exuberantes. E via-se todo os tipos de pessoas requisitarem seus serviços.

Luciana não sabia aonde ir. Detestava este bairro, esta vida, esta oferenda de prazer.

Estacionou numa esquina para pensar na sua situação e tentar se acalmar. E chorou, chorou incessantemente por um longo tempo. Uma moça, que a observava de longe, aproximou-se na intenção de ajudá-la:

-O que houve com a senhora? Tem algum problema?

Luciana assustou-se. Olhou pelo vidro e viu uma garota de no máximo dezoito anos a examiná-la.

-Quem é você? – Perguntou – Não é perigoso ficar por essas ruas sozinha, a esta hora da madrugada?

-Não se incomode comigo, dona, eu trabalho aqui. Perigoso é a senhora com esse carrão, algum cara poderia te assaltar.

Luciana ficara estarrecida. Aquela mocinha com cara de criança era uma garota de programa! Sentiu pena, desejo de acolhê-la e até de levá-la pra casa. Por isso, num rompante, teve a idéia de fazê-la entrar no seu carro.

-Entre aqui, menina! Vamos passear!

A garota entrou desconfiada. Tanto que assim que Luciana ligou o motor mencionou o quanto cobrava e comentou desinteressadamente:

-É cada vez mais engraçada a variedade de pessoas que nos contratam. Hoje em dia eu não mais me surpreendo... Antes eu jamais poderia imaginar que a senhora, com esta cara de santa, de certinha, iria querer os serviços de uma puta!

Luciana admirou-se:

-Não, é... Não me lembro de você ter se apresentado...

-Meu nome é Maria.

-Luciana, mas me chama de Lú, eu prefiro.

-Tá certo, a senhora é quem manda!

-Nada de senhora ou dona, somente Lú, tá bom?

-Tá.

-Agora vou esclarecer o equívoco. Eu não quero dormir com você, eu só preciso de companhia pra conversar. Uma amiga por uma noite e eu pago o quanto você quiser.

-Legal!

-Que tal nós irmos para a praia. A gente senta, fica olhando o mar, as estrelas...

-Tudo bem, Lú.

Luciana sorriu, agora parecia feliz.

Saiu de Copacabana e procurava um lugar deserto, sem barulho longe das boates. Encontrou em uma praia próxima um local assim, perfeito para ficarem.

Saíram do carro, caminharam até a beira do mar e sentaram-se.

-Sinta o ar fresco! Que beleza! – Exclamou Luciana.

-É, realmente está bom. – Ponderou Maria. Depois acrescentou:

-Você deve se sentir muito sozinha para pagar por uma companhia...

-É verdade... Tenho um casamento infeliz, a minha vida está desmoronando.

-Você é tão bonita, rica... Pensei que esses atributos facilitassem a felicidade.

-Eu não acredito mais na vida, muito menos na felicidade. Tenho vontade de morrer, é só o que penso.

Maria a abraçou fortemente como se dessa forma pudesse enxugar suas lágrimas. Depois tentou consolá-la contando sua vida, que sempre fora difícil.

- Meus pais morreram, faz um tempo. Por isso que trabalho por ai, nas ruas... Foi num acidente...O sonho do meu pai era me ver estudando numa universidade, mas nem deu tempo. Ele economizava todo mês para pagar um bom curso de vestibular... Agora eu que pago.

Luciana emocionou-se com a história da menina e desejou mais uma vez tomá-la nos braços. De repente seu mundinho abrira-se, fazendo-a perceber o quanto da vida ela desconhecia.

Maria tinha consciência do seu emprego e, ainda assim, não queria morrer. Pelo contrário, seus olhos lampejavam vida, beleza e amor.

Por um instante Luciana sentiu vergonha. Conheceria ela o que era sofrer? Já não sabia o que significava trabalho, pois sempre fora rica, educada nos melhores colégios, aluna e filha exemplar, programada para casar e ser feliz.

- Eu sou casada... Com um sobrenome. Só nisso se resume minha vida.

Por tradição unira-se com um sobrenome milionário. E o que lhe restou de todos esses anos? Nada. Absolutamente, nada. Só amargura e dor. Não o amava. Não suportava a sua presença que enegrecia o ar e pesava qualquer ambiente. Sofria calada, mas hoje quis libertar-se: fugiu no meio de uma discussão e não pretendia voltar mais.

Passou a noite inteira ali, na beira da praia, conversando com uma jovem meretriz. Aprendera mais coisas do que em trinta e cinco anos de vida. Sentia-se pela primeira vez feliz, serena e renovada como a brisa que beijava-lhe a face.

Adormeceram nas areias do Leblon até que o sol viesse despertá-las com suas mãos cálidas.

Uma amiga por uma noite foi o necessário para Luciana amadurecer e livrar-se da morte.


Autor: Lícia Mattos


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