A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS, A ESCRITURAÇÃO CONTÁBIL E O PEDIDO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA



Alexandre Marcos Ferreira, advogado em São Paulo, especialista em Direito Tributário e Empresarial, pela PUC/SP, USP, FGV-LAW (Escola de Direito de São Paulo - Administração Legal), sócio do escritório de advogados especializados Ferreira & Hitelman – ADVOGADOS – [email protected]

A Responsabilidade dos Sócios

Nas empresas constituídas por quotas de responsabilidade limitada, quando os sócios assinam o contrato social para a constituição da sociedade, fazem a subscrição das suas cotas de capital social, ou seja, por este ato os sócios assumem o compromisso de concorrer com determinado número de cotas ou de contribuir com determinado montante de dinheiro ou bens móveis ou imóveis para formar ou aumentar o capital social da sociedade. Isso nada mais é que o cumprimento de uma obrigação formal onde os sócios se obrigam a integralizar totalmente a parte que lhes cabem.

Cumprida esta formalidade, cada sócio responde pelos atos praticados pela sociedade na proporção da totalidade de suas cotas sociais. Entretanto, responde solidariamente, isto é, possui responsabilidade solidária com os demais sócios pela integralização do capital social. Contudo, o sócio que completar a parte que falta ser integralizada por outro sócio que descumpriu seu compromisso na sociedade tem direito de regresso contra o sócio inadimplente. É pacífico o entendimento em nossos Tribunais que deve ser considerado inadimplente perante a sociedade o sócio que falta ou deixa de integralizar, total ou parcialmente, as cotas da sociedade nos moldes que restou compromissado nos atos constitutivos.

Já perante terceiros (credores), a representatividade de cada sócio em uma determinada empresa, na proporcionalidade de suas cotas sociais integralizadas ao capital social, pode ser pleiteada pelos credores a fim de receberem diretamente dos sócios eventuais valores devidos pela sociedade.

No entanto, há casos em que essas cotas individuais tornam-se insuficientes para suprirem e honrarem os compromissos da sociedade frente aos seus credores, o que os leva a pleitear os bens particulares dos sócios em detrimento da sociedade.

Essa prática tem o nome de Desconsideração da Personalidade Jurídica, isto é, na definição da professora Maria Helena Diniz, "o ato pelo qual o magistrado, num dado caso concreto, não considera os efeitos da personificação ou da autonomia jurídica da sociedade, para atingir e vincular a responsabilidade dos sócios, com o intuito de impedir a consumação de fraudes e abusos de direito cometidos por meio da personalidade jurídica que causem prejuízos ou danos a terceiros."  (Dicionário Jurídico, vol. 2, Ed. Saraiva, 1998).

A Escrituração Contábil e o Pedido da Desconsideração

A escrituração contábil regular e comprovada de uma empresa é fator primordial que irá influenciar no deferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, gerando os efeitos mencionados anteriormente.

Se o objetivo da desconsideração da personalidade jurídica da empresa para atingir os bens particulares dos sócios e honrar dívidas com credores é impedir a consumação de fraudes e abusos de direitos cometidos por meio da personalidade jurídica, a comprovação da regularidade na escrituração contábil da empresa afasta, quase que instantaneamente, aquilo que o ato da desconsideração da personalidade jurídica deseja evitar, isto é, a fraude e eventuais abusos.

Dessa forma, se a empresa, mesmo que devedora, possuir a escrituração contábil regular, desde a sua constituição, com os livros contábeis (Livro Diário, Livro Razão Analítico, Balanço Patrimonial) devidamente registrados no competente Órgão de Registro do Comércio ou, se for o caso, no Cartório de Registro das Pessoas Jurídicas, não poderá nenhum dos credores, com fundamento na confusão patrimonial existente entre os sócios e a sociedade, pedir judicialmente a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, com o fim de atingir o patrimônio pessoal dos sócios para receber seus haveres.

Portanto, a comprovação da escrituração contábil regular é relevantíssima para evitar a constrição de bens e o comprometimento do patrimônio pessoal de qualquer um dos sócios (um, alguns ou de todos os sócios), visto que a alegação de fraude ou abuso de direitos cometidos por meio da personalidade jurídica torna-se vazia se a empresa manteve ao longo de sua existência a escrituração contábil regular, com o preenchimento de todas as formalidades legais, pois, seria no mínimo incongruente afirmar que houve fraude se a escrituração contábil manteve-se em ordem. A escrituração contábil servirá, no entanto, para comprovar que sócios e sociedade possuem vida econômico-financeira distinta e independente.

Conclusão

A elaboração de contratos sociais ou atos constitutivos das sociedades deve ser feita de maneira correta, com o objetivo de proteger os interesses dos sócios individualmente, entre eles e entre terceiros, a fim de evitar a perda de seus bens e a imputação de responsabilidade de forma equivocada. Além disso, a regularidade da escrituração fiscal é fundamental para evitar o comprometimento dos bens particulares dos sócios perante os credores da empresa.


Autor: Alexandre Marcos Ferreira


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