SELIC: chegamos a 1 dígito



O Banco Central (BC) surpreendeu o mercado. Contrariando a maioria das previsões, a instituição manteve o ritmo de alívio na política monetária e cortou o juro básico da economia (Selic) em 1 ponto porcentual, para 9,25% ao ano. A maioria das previsões apontava redução de 0,75 ponto. Com o quarto corte seguido, o Brasil passa a ter Selic de um dígito pela primeira vez desde que a taxa foi criada, em 1986. As próximas decisões, porém, devem ser mais comedidas. Em nota, o BC disse que passará a agir de maneira "mais parcimoniosa".

Desde o final de 2003, no início do governo Lula, o BC não promovia uma sequência de cortes de juros dessa magnitude. E, pela primeira vez desde que a atual série é medida, os juros no Brasil ficam abaixo dos dois dígitos. Com isso, o juro real (taxa de juros nominal menos a inflação) fica entre 4% e 5% ao ano. É bom lembrar que em 2003, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a dizer que a taxa de um dígito era um "sonho da equipe econômica". Na época, estava em 26%.

A decisão não foi consensual. Dos oito votos, seis foram favoráveis a 1 ponto e dois optaram por 0,75 ponto. Apenas dois diretores do BC, Mário Mesquita (Política Econômica) e Mário Torós (Política Monetária), ambos oriundos do mercado, votaram pela baixa de apenas 0,75 ponto na Selic defendida pelo sistema financeiro. A manutenção do ritmo do corte praticado em abril foi, segundo o BC, tomada "tendo em vista as perspectivas para a inflação".

O gesto de ousadia do BC veio, porém, acompanhado de um aviso: não há mais garantia de reduções na Selic daqui por diante. “Levando em conta que mudanças da taxa básica de juros têm efeitos sobre a atividade econômica e sobre a dinâmica inflacionária que se acumulam ao longo do tempo, o Comitê concorda que qualquer flexibilização monetária adicional deverá ser implementada de maneira mais parcimoniosa. O Copom acompanhará atentamente a evolução do cenário prospectivo para a inflação até a sua próxima reunião (em 21 e 22 de julho), para então definir os próximos passos da estratégia de política monetária”, ressaltou a instituição em comunicado oficial.

Em outras palavras, o BC avalia que há espaço para um corte agressivo porque a inflação está dentro da meta de 2009 (4,5%) e também para 2010 (também de 4,5%), levando em conta as expectativas dos analistas ouvidos pelo banco na pesquisa Focus.

Em uma nota maior que a habitual, o BC lembrou que o corte "tem efeitos sobre a atividade econômica e a dinâmica inflacionária que se acumulam ao longo do tempo". Com isso, "o Comitê afirma que qualquer flexibilização monetária adicional deverá ser implementada de maneira mais parcimoniosa".

E na vida real?
O impacto da queda de 1,0 ponto percentual da taxa básica de juros para o consumidor deve ser pequeno. Simulação feita pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) mostra que a redução da Selic de 10,25% ao ano para 9,25% deve trazer a taxa média de juros cobrados à pessoa física dos atuais 133,7% ao ano para 131,62% ao ano.

De acordo com a Anefac, a modalidade de crédito mais cara ao consumidor é o empréstimo pessoal junto a financeiras, que deve cair de 259,03% cobrados ao ano atualmente para 255,94% após o corte da Selic. Em seguida, no ranking do crédito mais oneroso, aparece o cartão de crédito, que deve cobrar 235,01% ao ano pelo dinheiro emprestado, frente os atuais 237,93%.

De acordo com a Anefac, o maior benefício com a redução da Selic vem da queda da rentabilidade dos bancos em aplicações de tesouraria (títulos públicos). A taxa básica de juros serve de parâmetro para, entre outros, regular quanto o banco ganha aplicando o dinheiro que possui em títulos do governo. Com retorno menor neste tipo de aplicação, a Anefac crê que as instituições financeiras busquem ganhos maiores emprestando mais ao consumidor, provocando maior competição no mercado e taxas um pouco menores.

Simulação feita pela associação mostra que a redução da Selic trará os juros cobrados no cheque especial de 7,66% ao mês para 7,58%. Um consumidor que utilize esta modalidade por 20 dias para um empréstimo de R$ 1 mil pagará apenas R$ 0,54 a menos de juros com a nova Selic.

Já para o consumidor que pega emprestado R$ 25 mil para a compra de um veículo na modalidade CDC e paga este valor em 60 meses verá a prestação cair de R$ 880,23 por mês para R$ 864,97, segundo a simulação da Anefac.

Um pouco de história
O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) foi criado em 20 de junho de 1996. A ideia foi inspirada na experiência do banco central dos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed). Antes, o BC aumentava ou reduzia a taxa básica de juros sem comunicar diretamente ao mercado.

Com a mudança, segundo a autoridade monetária, o processo se tornou mais transparente, o que melhorou a comunicação com o mercado financeiro. Atualmente, vários países seguem o modelo.

As reuniões do Copom dividem-se em dois dias, em geral com a primeira sessão numa terça-feira e a segunda no dia seguinte. A partir de 2000, as reuniões passaram a ser mensais, e diminuíram para oito por ano em 2006.

A decisão do BC sobre os juros é soberana e não precisa de aprovação do presidente da República nem do ministro da Fazenda. A meta de inflação, por sua vez, é fixada pelo governo.

Quando assumiu o governo, em janeiro de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontrou a Selic fixada em 25,5% ao ano, com previsão de inflação maior que a atual. O Brasil manteve-se como o páis com os maiores juros do mundo até março deste ano, quando a taxa caiu 1,5 ponto percentual, de 12,75% para 11,25% ao ano.

Antes da existência do Copom, o juro básico variava diariamente, dependendo da atuação do BC no mercado de títulos públicos. Entre o final dos anos 80 e o início dos 90, essa flexibilidade era especialmente útil para conter a hiperinflação: em dezembro de 1989, por exemplo, a inflação medida pelo IPCA ficou em 51,5%, o que equivalia a uma alta anual de 14.500%. No mesmo mês, a taxa Selic foi de 51.600% ao ano.

Desde a criação da Selic, em 1986, o Brasil nunca conviveu com taxas de um dígito. Principal referência para os títulos da dívida pública, o juro sempre foi encarado um dos vilões da economia brasileira. Há seis anos, em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a dizer que a taxa de um dígito era um "sonho da equipe econômica". Na época, estava em 26%.

O juro de um dígito vai, a partir de agora, impor cautela ainda maior à autoridade monetária. Primeiro, porque o Brasil passa a operar com juros em um nível desconhecido para a realidade do País. Não se sabe, por exemplo, o efeito sobre os contratos que têm variação indexada. Segundo, porque os novos cortes, por menores que sejam, passam a ser cada vez mais relevantes proporcionalmente.

Durante uma década, o BC não adotou oficialmente uma taxa de juro. O nível era determinado conforme os negócios com títulos públicos. Nesse período, o juro anualizado atingiu a incrível marca de 438.769%, em fevereiro de 1990. Naquele mês, a inflação foi de 82,4%. Anualizada, a alta dos preços foi de 135.422%.

Até meados de 1994, poucos meses tiveram taxa de dois dígitos. Boa parte do período contou com juros na casa das centenas ou milhares. Foi apenas após o controle da inflação, com o Plano Real, que o juro caiu para o nível de dois dígitos, que prevaleceu até ontem. Desde 1996, quando o Copom começou a decidir oficialmente a taxa, o pico foi em fevereiro de 1999, após a maxidesvalorização do real, quando atingiu 45%.

O papel de Meirelles
O cartaz do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, subiu muito junto ao presidente Lula, que foi só elogios à decisão do Copom de contrariar o mercado financeiro e reduzir a taxa básica de juros (Selic) em um ponto percentual, para 9,25% ao ano. Meirelles trabalhou arduamente nos últimos dois dias para convencer o maior número de diretores do BC a comprarem a ideia de que o país, mergulhado em uma recessão técnica (dois trimestres consecutivos de queda), precisa rapidamente de juros mais baixos para sair do atoleiro.

Ao fazer valer sua visão — foram seis votos pela baixa de um ponto contra dois por uma redução de 0,75 ponto —, Meirelles aderiu ao figurino do desenvolvimentista, que tem o crescimento econômico como foco principal. Não se pode esquecer que Meirelles tem pretensões políticas. Pode sair candidato a senador ou ao governo de Goiás em 2010. Certamente, com a economia voltando a crescer a um ritmo de 4% já no fim deste ano, terá muito o que vender aos eleitores. À frente do BC, botou a inflação dentro das metas, de 4,5% ao ano; transformou o Brasil em credor internacional; e, claro, derrubou os juros para um dígito — um feito se levarmos em conta que, em fevereiro de 1990, um mês antes de Fernando Collor de Mello assumir o governo, os juros chegaram a inacreditáveis 438.769%.  

Uma medalha de bronze que ninguém quer
A redução de 1 ponto porcentual da taxa Selic, anunciada ontem pelo Comitê de Política Monetária (Copom), derrubou o juro real para o menor nível da história do País. Segundo levantamento da consultoria econômica UPTrend, a taxa de juros, descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses, recuou de 5,8% para 4,9% ao ano.

Apesar do resultado positivo, o País permanece no terceiro lugar do ranking dos maiores pagadores de juros do mundo, atrás apenas de China (6,9%) e Hungria (5,9%). Isso significa que o Brasil deve continuar atraindo capital estrangeiro, a exemplo do que tem ocorrido nos últimos dois meses. Em maio, segundo dados do Banco Central (BC), a entrada de capital financeiro teve um saldo positivo de US$ 1,54 bilhão.

Segundo o levantamento da UPTrend, 15 países do ranking estão com taxas de juros reais negativas. Entre eles estão Inglaterra (-1,8%), Chile (-1,7%) e Índia (-5%). Na faixa entre 1% e 0, a lista mostra Estados Unidos (0,9%), Japão (0,2%) e Itália (0,1%), entre outros.

O futuro
O juro de um dígito vai, a partir de agora, impor cautela ainda maior à autoridade monetária. Primeiro porque o Brasil passa a operar com juros em um patamar desconhecido para a realidade do País. Não se sabe, por exemplo, o efeito que isso terá sobre os contratos que têm variação indexada. Segundo porque os novos cortes, por menores que sejam, passam a ser cada vez mais relevantes proporcionalmente. Um juro real próximo de 5% se torna um problema porque temos parte da economia muito indexada. Ainda há uma série de operações com remuneração predeterminada, como a poupança, empréstimos habitacionais e a remuneração do fundo de garantia. O que é um obstáculo para a continuidade da queda do juro.

Por uma década, o BC não adotou oficialmente uma taxa de juro. O patamar era determinado conforme os negócios com títulos públicos. Nesse período, o juro anualizado atingiu a incrível marca de 438.769%, em fevereiro de 1990.

E as aplicações?
Quem for ao banco a partir de hoje em busca de um investimento para proteger o suado dinheiro terá que ser muito mais criterioso. Com a decisão do Banco Central de cortar a taxa básica de juros (Selic) em um ponto percentual, para 9,25% ao ano, os rendimentos dos fundos de renda fixa vão ficar menores e, na maioria dos casos, perderão para a caderneta de poupança. Pelas contas dos especialistas, somente os fundos de renda fixa (nos quais as carteiras são compostas por títulos públicos) com taxa de administração menor do que 1% ao ano pagarão mais do que a caderneta. O problema é que, para entrar nesse seleto grupo, é preciso ter uma economia de mais de R$ 100 mil, um privilégio de poucos.

Segundo os analistas, com a Selic a 9,25% ao ano, os fundos de renda fixa com taxa de administração maior do que 1% renderão, no máximo, 0,52% ao mês. Esse teto foi calculado levando em consideração a alíquota do Imposto de Renda de 15% incidente sobre os ganhos das aplicações com mais de dois anos. Caso os saques ocorram antes de seis meses, a remuneração será bem menor, pois o IR chega a 22,5%. Já a caderneta tende a pagar, na média, 0,54% ao mês. É bom lembrar, no entanto, que há um projeto do governo para que os rendimentos dos depósitos em poupança superiores a R$ 50 mil paguem Imposto de Renda a partir de 2010. Mas tudo ainda está na promessa.

A dica dos especialistas é para que os investidores em fundos de renda fixa passem, a partir de agora, a exigir que seus bancos reduzam as taxas de administração. E, para os que não são tão conservadores, há a possibilidade de se incrementar os ganhos escolhendo fundos de investimentos com carteiras mais diversificadas, com uma parte do patrimônio aplicada em ações. Mas lembre-se: ações são investimentos de risco. Seus preços sobem e descem, e, em alguns momentos, podem fazer com que se tenha menos dinheiro do que quando a aplicação foi feita. Ou seja, a possibilidade de ter um ganho maior exige muito sangue-frio.

Crédito e emprego
Para quem pretende comprar a prazo ou fazer um empréstimo, o melhor é esperar mais um pouquinho. A despeito de os maiores bancos do país terem anunciado redução nas taxas de juros logo depois de o BC ter baixado a Selic, ainda está muito caro se endividar no país. Os juros médios para as pessoas físicas estão em quase 50% ao ano contra apenas 9,25% da taxa básica. Há a expectativa de que o BC, comandado por Henrique Meirelles, ainda promova mais um ou dois cortes na Selic, com a taxa podendo cair até 8,75%. Isso certamente terá reflexo no custo dos financiamentos.

Outra consequência da queda dos juros — essa é a grande expectativa do BC — deve ser a volta dos investimentos produtivos. O governo espera que as empresas retirem da gaveta os projetos de expansão das fábricas que foram suspensos nos últimos meses por causa da crise mundial. Investimentos resultam em mais emprego e renda, melhorando as condições de vida dos trabalhadores.

Bibliografia
Jornal O Estado de S. Paulo de 11 de junho de 2009
Jornal Correio Braziliense de 11 de junho de 2009
Jornal de Brasília de 11 de junho de 2009
Jornal Folha de S. Paulo de 11 de junho de 2009
Jornal O Globo de 11 de junho de 2009
Jornal do Brasil de 11 de junho de 2009
Jornal do Brasil de 14 de junho de 2009

Autor: Alexsandro Rebello Bonatto


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