OLHOS DE RAPAZ



Luana era mulher vivida e experiente. Quarenta anos e um corpo fenomenal. Sem casamento ou filhos. Sozinha, porque não era de qualquer um.

Carlos desceu as escadas do metrô, apenas quinze anos; inocente, bonito rapaz. Quando deparou com Luana, não quis saber de outra coisa a não ser olhá-la. Estava parada, em meio à multidão, esperando. Ele não sabia mais que rumo tomar, iria para onde ela o levasse.

Aproximou-se, chegou a três passos dela, ao lado plantou-se. Não mais a encarava. Os olhos perdidos no chão, nos pés de saltos, aguardando qualquer mísero movimento; não a perderia.

Parou o trem do metrô. Seguiu-a. Fez questão de sentar defronte. Queria olhar. Só isso no momento lhe bastava, vigiar lentamente com os olhos.

Carlos não sabia para onde iria: Flamengo, Botafogo...não lhe importava. A dama de pernas longas, de seios fartos e cintura fina o conduziria.

De repente, lá pelo meio da viagem, o desejo. Queria possuí-la ali mesmo, com todos olhando. Ah, faria um estrago danado! Queria vê-la contorcida de prazer, seus cílios tremerem, os lábios gritarem. Sentir... Que gosto teriam os seus beijos?

Contudo, ela indiferente, compenetrada em pensamentos distantes, sequer sabia que a desejavam. Nem um minuto reparou no menino, nos olhos esbugalhados, nos hormônios salientes...

Em verdade, Carlos estava incontrolável. Nunca acontecera isso antes: ver uma mulher e perseguí-la mais com o corpo do que com a alma. Poderia ser ela médica, professora, advogada, psicanalista ou prostituta... Isso! Ela devia ser prostituta e iria ensinar-lhe tudo. Ah, como seria bom aprender!

Porém o que ansiava agora era ver através da saia. Num átimo Luana cruzou as pernas deixando entrever só um pouco mais das coxas. Que maldade!

Será casada? Terá namorado? Qual feliz ordinário a possuiria? Só ele é que saberia tê-la... Seria romântico... Era jovem e sonhador.

Luana levantou para saltar. A porta abriu e Carlos de imediato a perfilou. Discretamente andava atrás dos seus passos. Temia que fosse percebido e mal interpretado. "Eu me rendo! Eu me rendo!" - Pensava. Seria escravo, seria capacho, traria a dona para dentro de si, a sorveria como homem, conheceria seu corpo... Como seria seu corpo por baixo das vestes intactas? Alvo, puro, virginal, decerto não era. Haveria de esconder serpentes, poderes malignos. Ardia só de pensar na brasa incandescente dos seus segredos.

De repente a mulher cruzou a esquina e entrou no primeiro prédio.

Carlos estacou na calçada. Ao virar para fechar o portão, pela primeira vez ela o viu.

- Está procurando alguém? – Perguntou.

Diante da surpresa em vê-la assim tão perto, olhando nos seus olhos, apenas disse:

- Não.

Luana deu-lhe as costas enquanto caminhava para a portaria. Carlos, do lado de fora, gritou-lhe:

- Senhorita!

Ela voltou-se:

- Mas que amável! Há quanto tempo não ouço esta palavra, senhorita... – E sorriu.

"A voz era linda! Os lábios, os dentes! Ela toda perfeita..." – Pensava Carlos.

- O que você quer? – Indagou percebendo o rapaz distraído em admirá-la.

- O seu nome. – Disse de uma só vez, sem respirar, como se esperasse por esse momento a vida inteira.

- Samantha.

- É um nome muito bonito. – Declarou-lhe ruborizado.

E acrescentou:

- É tão bonito quanto a senhorita.

- Já não sou mais senhorita. – Disse a mulher suavemente.

- Mas para mim, é.

Luana sorriu e retomou o caminho. Carlos a esperou desaparecer na porta. Seu coração pulava, suas pernas bamboleavam, todo ele suava frio. Era o amor.

Ficou desolado no meio da rua, sozinho, olhando a imensidão dos andares. Só então percebeu que estava na Tijuca.

Ia dobrar a esquina quando resolveu dar uma última espiada. Na varanda do 2º andar, lá estava ela, o olhando ternamente, tal qual uma mãe a seu filho. Carlos acenou sorrindo. Luana lhe devolveu o gesto e sorriu também. Ele ainda a olhou por um bom tempo, prolongando a partida que, de certa forma, seria dolorosa.

Andou pelas ruas da Tijuca combalido, com ar tristonho, até a noite descer. Que pena não ter podido fazer nada! Nem o gosto daqueles lábios nos seus!

Tomou o ônibus para o Catete, onde morava. De repente a esperança! Sabia seu nome, conhecia sua rua. Ah, aquela mulher... Aquela dama de belas curvas, ainda a teria!...

Engoliu um ar fresco de felicidade. Afinal ela lhe sorrira, era o primeiro passo. Depois viriam os telefonemas, as saídas, os beijos. Pronto, casavam-se! Mas Carlos não tinha o seu telefone. Que burrice! Como iniciante no amor, esquecera de pedir.

O ônibus avançava pela cidade iluminada. O céu límpido, de estrelas inúmeras. E um sonho jovem, inocente ainda, ganhando a rua, o bairro, a cidade, tomando o céu, as estrelas, preenchendo tudo com suas proporções infinitas.

* História inspirada no poema "O mito" de Carlos Drummond de Andrade, no conto "O primeiro beijo" de Clarice Lispector e no personagem Carlos do livro "Amar, verbo intransitivo" de Mario de Andrade.


Autor: Lícia Mattos


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