A Educação na UTI: Resenha do Filme "Pro Dia Nascer Feliz"



Zidelmar Alves Santos[ii]

Brasileiro nascido no Rio de Janeiro, João Jardim esbanja coragem e competência ao expor no longa-metragem "Pro dia nascer feliz", um retrato da educação brasileira. Desde que iniciou sua carreira em 1982, Jardim trabalhou tanto na área de publicidade e televisão, quanto no cinema, assumindo várias funções: desde técnico de edição e assistente de direção, a editor e diretor. Estreou como diretor de longa-metragem para cinema em 2002, com o filme Janela da Alma, filme que permaneceu por mais de quarenta semanas em cartaz nos cinemas do Brasil, um recorde se tratando de documentários. Este sucesso é, de fato, fruto: da experiência adquirida em sua formação como jornalista, do aprendizado obtido no curso de cinema intensivo da Universidade de Nova York, e das mais de duas décadas de trabalho e dedicação a profissão.

Em "Pro dia nascer feliz", Jardim faz abordagens acerca da fragilidade do sistema educacional brasileiro. Deixa transparecer a personalidade dos jovens da atualidade, retratando sonhos e expectativas de educandos de 13 a 17 anos, em relação ao futuro. Estudantes ricos e pobres, elucidando um painel sócio-cultural da educação no Brasil. Dando força a essa abordagem, estão os depoimentos de pais, alunos e professores. Apresenta-nos um quadro comparativo expondo a realidade de instituições de ensino distintas, espalhadas por três estados: Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Desta maneira, expõe o contraste entre as diferentes realidades: de um lado, escolas com estruturas precárias, a exemplo da Escola Estadual Cel. Souza Neto (em Manari, Pernambuco) e escolas com estruturas modernas, como no caso do Colégio Santa Cruz (em São Paulo). Deste modo, salienta a desigualdade social, ao expor estudantes marcados por uma realidade de pobreza e violência aliadas a má administração dos recursos destinados à escola pública.

O resultado: a educação na UTI. Surge então uma pergunta: de quem é a culpa? Quem assiste o documentário logo percebe o embate entre o discurso do aluno e o discurso do professor: de um lado, alunos que culpam os professores, visto que estes faltam muito, do outro, professores que jogam a culpa para os alunos, alegando que estes vão a escola sem o propósito de assistir as aulas, como se o colégio fosse apenas uma válvula de escape à realidade vivida.

O inciso I, do artigo 3º da Lei 9394/96 (LDB) expõe a "igualdade de condições para o acesso e permanência na escola"[iii] como um dos princípios do ensino. No entanto, a chocante realidade exposta no filme demonstra contradição. Jardim evidência a dificuldade dos estudantes de Manari, em chegar à escola, visto que na cidade, durante o período de gravação do documentário, não havia ensino médio. A prefeitura da cidade disponibilizava um ônibus sucateado aos estudantes, para que estes pudessem ter "acesso" à educação em outra cidade. A discente Valeria, por exemplo, freqüentou a escola apenas três vezes num período de duas semanas devido à quebra do ônibus.

O diretor demonstra maturidade ao "construir" e nos apresentar o filme sob três óticas: a dos alunos menos abastados, que enfrentam dificuldades e que lutam para chegar à escola; a dos que estão a margem da sociedade, em contato com uma situação de violência e criminalidade e aqueles ligados a elite, que enfrentam "problemas" para harmonizar a vida social as exigências escolares.

O documentário lançado em 2006 vai muito além do entretenimento. Ele é inovador, visto que nos apresenta "realidades" pouco difundidas nos meios de comunicação de massa, como a televisão. Desta maneira, levando em consideração que o Brasil é um país de proporções continentais, é pertinente perguntar-nos: em que "Brasil" nós vivemos? É possível ascender socialmente através da educação se os reais indicadores educacionais são camuflados?

Se partirmos da conjetura de que os indicadores são encobertos, chegamos à conclusão de que há uma falsa impressão acerca da melhora dos índices da educação. Por fim "Pro dia nascer feliz" se destina a todos que acreditam que a educação é o verdadeiro instrumento de transformação social e que o esforço coletivo de pais, alunos, professores, enfim, de toda a comunidade, pode transpor as barreiras da desigualdade.




Autor: Zidelmar Alves Santos


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