Caro Riccardo
20/12/2008
Caro Riccardo
O tempo foge.
Você está a ponto de chegar e eu a ponto de partir.
Talvez possamos transcorrer alguns poucos minutos juntos, mas certamente não conseguiremos estabelecer qualquer contato, daqueles que definem os homens modernos.
Não vou poder pegar no telefone e perguntar se as provas do segundo bimestre foram difíceis; e você não vai encontrar o meu e-mail, para me contar a respeito da sua nova namorada.
Temos exatos oitenta anos de diferença.
Um abismo que por agora nos é impossível transpor.
Mas já andam dizendo que o tempo não existe, é apenas um ilusão, uma curva do espaço..
Se assim for, poderemos, em poucos anos (ou serão poucos metros?), nos conhecer e saborear esse conhecimento; será um clima normal para você, mas absolutamente fantástico para mim.
E será apenas alguns quarteirões à frente do momento presente.
Seja como for, alguém vai contar-lhe algumas poucas coisas de mim.
Espero que não lhe contem muitas bobagens.
Sabe, quando somos jovens, o mundo nos pertence.
Ele é totalmente nosso, podemos apropriar-nos da parte que quisermos. Somos livres e abertos.
Mas conforme os anos passam, ele se transforma e nós também; passamos a pertencer-lhe e a ser apenas uma pequena parte dele, uma engrenagem inútil e insignificante.
Na grande comédia que nos envolve, recitamos um papelzinho à-toa e não sabemos o que representamos; não tivemos tempo nem de ler a nossa parte; por isso, inventamos qualquer coisa, quando chega a nossa vez e logo saímos da cena.
Sorte, se tivemos tempo de dizer uma fala; sorte maior, se alguém se lembrar do que dissemos.
Deve haver algum desígnio nisto tudo, nesta maravilha confusa, caótica, explosiva e temperamental que chamamos de Natureza.
Eu, sinceramente, procurei-o, mas não o encontrei.
Apenas minha alma, contrariamente a toda a lógica, continua me dizendo que deve existir, que não posso parar de procurá-lo.
Espero que você tenha mais sorte que eu.
Não conheci nenhum dos meus bisavôs; eles não me deixaram uma única pista, uma pequena lembrança, nada.
Nem mesmo o nome deles, eu sei; e mesmo assim, sinto uma espécie de saudade (como se pode ter saudade do que não tivemos?) uma vontade de tê-los conhecido, de ter convivido com eles, de saber como eles eram, de compará-los comigo; para juntar esses vidrinhos coloridos de que é feita a minha alma; e para poder dizer: esta conta verde é do bisavô n. 1; aquela lasca azul, é o bisavô n. 3; este cristalzinho miúdo e sem cor é da bisavô n. 4.
Mas os bisavós são tantos!
Quatro homens e quatro mulheres, cada um com seu caráter diferente, com sua capacidade e suas virtudes, seu defeitos e vícios.
No máximo, cada um pode ter-me deixado um oitavo do que era; e este oitavo pode ser apenas a cor dos olhos, ou um gesto, um modo de mexer a boca, ou as mãos, que só quem conviveu com eles poderia reconhecer.
Gostaria que o oitavo que lhe estou transmitindo agora, fosse o melhor de mim. Porque mesmo que sejamos péssimas pessoas, deve haver pelo menos um oitavo de matéria prima boa, capaz de dar bons resultados.
Este é o meu voto, Riccardo.
Que movida por um desejo infinito de nossa parte, comovida por nossa vontade de tornar o mundo melhor, através de pessoas melhores, a natureza, (ou quem sabe o Destino, ou Deus, qualquer Deus bom e paciente ) tenha transferido para você a melhor parte de cada um de nós; pensando bem, foram 14 pessoas que contribuíram para que você fosse o melhor!....Que responsabilidade, a sua!
Espero que você seja paciente – sem ser submisso
Que seja inteligente, capaz, sábio – sem ser um gênio extravagante
Que esteja pronto a ajudar os outros – e a receber ajuda deles também.
Que tenha compaixão e piedade - sem se deixar enganar pelos expertinhos
Que dose seu amor e carinho, com segurança e mão firme.
Que erre – sem ter medo de errar.
Que ao tropeçar, levante e siga em frente
Que seja teimoso o bastante para vencer suas dificuldades
Que saiba o momento de mudar de rumo – antes que a sua coerência se torne uma burrice.
Que seja alegre e seguro de si, porque é a melhor forma de viver esta única vida que lhe foi dada.
E por fim, que daqui a oitenta anos, possa assistir ao nascimento de seu bisneto e que Você lhe escreva uma carta – um pouco mais inteligente que esta, que você está recebendo agora, mas com o mesmo carinho que esta lhe leva.....
Seu bisavô – um dos oito...
Autor: Romano Dazzi
Artigos Relacionados
Esmola De Natal
Mensagem De Natal
About Me
A Vida é Uma Viagem, Não Um Destino
A Dois
Amanhã Pode Ser Tarde
Meus Caros Leitores