Trânsito



TRÂNSITO

De Romano Dazzi

 

Somos estranhos, nós, os seres humanos.

Criamos um  código, que é apenas uma classificação de crimes,  e logo distribuímos punições.

Assim milhares vão  ou deveriam ir - para nossas inomináveis cadeias (Só alguns espertos, sabemos, passam incólumes, ninguém sabe como, nem por quê).

Outros milhares ficam carregados de multas, que nunca pagarão.

É outro arcabouço desmoralizado da nossa sociedade..

 

Afinal, por que será que procuramos castigos, que não corrigem os efeitos, em lugar de olhar um pouco antes, tentando identificar as causas, as origens?

 

Pense um pouco; quantas e quais seriam as possíveis causas de um acidente?

 

Em primeiro lugar eu alinharia  a cultura do automóvel .

O carro deveria ser um cômodo meio de transporte, um tranqüilo refúgio após um dia estafante, a melhor maneira  para a família viajar.

Viajar não quer dizer sair de “A” para chegar a “B” o mais depressa possível, voando baixo.

Viajar é uma forma de viver, olhando em volta, vendo coisas novas, bonitas; e panoramas,  cidades , montanhas e lagos.

Faça com que ir do Rio a São Paulo, não seja um rally, mesmo que você esteja com pressa. 

A publicidade deveria apontar para isso: o conforto, a paz, o silêncio, o aconchego que o veículo proporciona,  para uma viagem segura, saborosa, compensadora.

Melhor que navio, melhor que trem, infinitamente melhor que avião.

Mas não: a publicidade lhe oferece uma arma, um foguete, mesmo que seja apenas um 1 ponto zero; a TV mostra-nos carros espetaculares, correndo loucamente em super estradas, deslizando impunemente em pistas molhadas,  embrenhando-se no mato, em lamaçais, nas areias do deserto, fazendo curvas apertadas e manobras malucas.

Faz parte da cultura do desafio, da violência, da afirmação do super-homem, do super-herói, do super-qualquer-coisa.

Tudo para ser diferentes dos outros, para ser melhor que os outros, para ser mais veloz, mais esperto, mais forte.

Então,  sentar ao volante é responder a um desafio, ao chamado para uma batalha a ser vencida, contra os “adversários”, os inimigos, que têm a desgraça de correrem pela mesma pista, no mesmo dia e na mesma hora.

Vergonha, de quem fica por último, mesmo que seja só uma luta de dois.

Todos somos reféns desse aspecto, o pior e o mais destrutivo, do transporte moderno.

Já vi honestos e sérios pais de família que, ao girarem a chave de contato,  transformam-se em galgos desvairados, correndo atrás de uma lebre de madeira.  Já vi senhoras com crianças no carro,  saindo em disparada, cantando pneus,  xingando e fazendo gestos feios contra outros motoristas, porque não dão passagem a uma Lady.

Que guerra é esta? Como não haveria vitimas, com tal estado de espírito?

Eu mesmo, que são normalmente pacato e controlado, gostaria de sair correndo atrás daquele motoqueiro maluco que já me arrancou quatro vezes o espelho retrovisor.  Só não vou, porque o transito me segura. Não a razão. Por sorte minha

 

Em segundo lugar colocaria  a nossa hipertensão:

Somos a pessoa mais importante, mais indispensável do mundo.

Salvamo-lo pelo menos uma vez por dia de algum desastre iminente.

Assumimos compromissos inadiáveis, urgentes, importantíssimos, tendo que ir de um lado a outro do mundo, sempre na maior pressa.

Estamos tão acostumados com esta aflição, que agimos desta maneira até quando estamos indo para casa, só para cair na poltrona e ligar na novela.

Então, para que a pressa? Calma, gente; se está tudo atapetado de carros e ninguém passa, é o caso de encostar em alguma vaga, descer e ir bater um  papinho no boteco mais próximo, até que o tsunami do rush tenha passado.

Amanhã você verificará que o mundo não caiu em ruínas, nada aconteceu, nada mudou.

E terá um pouco de pena de não ser tão indispensável quanto pensava     

 

Em terceiro lugar colocaria a “teoria da pequena infração”

Existe uma noção, amplamente difundida neste País, de que a lei existe, sim, mas uma pequena infração não faz mal a ninguém; se a placa diz 60 km/h, é porque foi estabelecida por alguém cuidadoso demais ou incompetente, ou desatualizado. Porque os recursos de segurança dos veículos modernos, são estarrecedores. E passar no vermelho nem sempre dá acidente.

Uma observação:

Porém, também dou razão em parte a esses motoristas do “quase legal” .

É quando vejo uma placa de 80 km/h,  mas entre  8 e 20 horas não consigo andar a mais que 10 km/h.

Agora, se eu passar quando está tudo livre, às 23:00, a 85 km/h, o radar  manda-me a foto do meu carro, com dedicatória. 

Horários escalonados seriam fáceis de aplicar e permitiriam um uso mais racional do nosso combustível.  

Não é por falta de leis, que acontecem acidentes. Leis, temos demais, e todo o mundo sabe disso.     

 

Até aqui, já vimos, os super-homens, os neuróticos, os apressados; junte agora em quarto lugar, os bêbados, e o mecânico de segunda categoria (aquele que não sabe apertar como se deve uma roda de ônibus; ou que não percebe que o óleo de freio está baixo); aquele carro antigo, que nunca sofre manutenção; e aquele carro moderno, no qual, se o motor para, todos os servo comandos bloqueiam e não há como reagir, salvo encomendando a alma; e também aquele comando por satélite, que bloqueia um carro roubado; e  é motivo para acidentes fatais.

 

Em quinto lugar (errei?)  as pistas!

Quase todas mal conservadas ou até, nunca olhadas.

Buracos obrigam a dar freadas bruscas. Sujeira acumulada desestabiliza a direção; com chuva ou neblina, engavetamentos são freqüentes; curvas em nível não respeitam normas ISO de inclinação e raio constante; em cruzamentos movimentados, não há iluminação especial.

Depois, como todos sabem, há mil outras desculpas, ou pretextos.

Animal na pista, semáforo desativado, desatenção de quem passa e de quem atravessa. No fim, a pressa.

 

Já passou o tempo em que nossos carros eram “carroças” como disse alguém famoso .

Agora, precisamos reconhecer nossa incompetência e começar a andar de bicicleta . O que será muito mais saudável para todos.    


Autor: Romano Dazzi


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