Resolução do Senado Federal e Supremo Tribunal Federal. Uma visão atual.



Conforme doutrina Hugo de Brito Machado (2002, p. 415), o controle jurisdicional da constitucionalidade das leis e atos normativos pode se dar pela via de ação (que também é chamado de controle concentrado, reservado, direto ou principal), e pela via de defesa (também chamado de controle difuso, aberto, incidental e de via de exceção).

Tendo em vista a especificidade do assunto, passamos a abordar, de forma sucinta, tão-somente o controle difuso de constitucionalidade e a necessidade de Resolução por parte do Senado Federal.

O seu nascedouro tem origem do caso Willian Marbury v. James Madison, julgado na Suprema Corte dos Estados Unidos da América por John Marshall, no ano de 1803. Esse é o modelo Americano. Foi por meio deste julgamento que ficou estabelecido o paralelo de atos jurídicos com a Constituição, devendo predominar a Carta Magna, em razão da supremacia constitucional que exerce sobre as demais normas consideradas infraconstitucionais.

No caso do Brasil, assevera Lenio Luiz Streck (2003, p. 425),

 

"embora a idéia de controle de constitucionalidade já estivesse estampada na exposição de motivos do Decreto nº 848, sob nítida inspiração no judicial review norte-americano, somente com a Constituição de 1891 a tese republicana ganha forma e estrutura, a partir da designação de um órgão de cúpula do Poder Judiciário, que seria encarregado de realizar esse controle. Por isso, é possível afirmar que a teoria constitucional brasileira nasce com a Constituição e a República de 1891.

O controle pela via difusa pode ser realizado por qualquer Juiz ou Tribunal que estiver estudando o caso concreto. Logo, qualquer órgão judicante deve se manifestar a respeito da constitucionalidade das leis e atos normativos, de ofício ou não.

A discussão acerca da constitucionalidade surge de forma incidental em uma demanda que não tem como objeto a declaração de inconstitucionalidade de uma norma. Por isso é de se afirmar que o procedimento é considerado incidenter tantum.

Em se tratando de controle pela via difusa, ou seja, quando o Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo de forma incidental, oficiará ao Senado Federal para que esse órgão, através de Resolução, suspenda a execução, no todo ou em parte, da lei ou ato normativo.

Logo, o efeito vinculante no controle difuso está sujeito à suspensão a ser realizada pelo Senado (CF/88, art. 52, X).

Tal dispositivo tem sua origem na teoria dos freios e contrapesos (checks and balances), ou seja, as funções típicas de Estado devem ser harmônicas e independentes, de modo que cada poder tenha a sua atuação resguardada e fiscalizada pelo outro poder. 

Sobre o assunto, ensina José Afonso da Silva (2006, p. 53), “A declaração de inconstitucionalidade, na via direta, não anula a lei nem a revoga; teoricamente, a lei continua em vigor, eficaz e aplicável, até que o Senado Federal suspenda sua executoriedade nos termos do art. 52, X”.

Por outro lado, resta perguntar: Como pode a Corte máxima de um País ter as suas decisões submetidas à convalidação do Senado Federal?

A nosso ver, a competência do Senado é residual, logo, não cabe a ele questionar acerca do mérito da decisão do Supremo.

Em outras palavras, incumbe ao Senado Federal tão-somente se manifestar a respeito dos aspectos formais da decisão, como por exemplo, se foi ou não obedecido o quorum de votação.

Logo, é aceitável o entendimento de que a decisão proferida pela Corte Suprema gera efeito ergam omnes, e não meramente inter partes, como entende parte da doutrina e jurisprudência.

A propósito, outra indagação merece ser feita, conforme exposto pelo Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Ferreira Mendes (2006, p. 19),

 

“Se o Supremo Tribunal Federal pode, em ação direta de inconstitucionalidade, suspender, liminarmente, a eficácia de uma lei, até mesmo de uma Ementa Constitucional, porque haveria a declaração de inconstitucionalidade, proferida no controle incidental, valer tão-somente para as partes?”

Como bem mencionou o nobre Ministro, a única resposta possível para tal indagação restringe-se à razão de índole histórica, já que a necessidade da Resolução do Senado Federal foi introduzida em nosso meio com a Constituição de 1934 e preservada até a Constituição de 1988. Naquele tempo prevalecia uma determinada concepção da divisão de poderes que não existente mais nos dias atuais.

Ainda sobre o assunto, ressalta Mendes (2006, p. 25),

 

“Ainda que se aceite, em princípio, que a suspensão da execução da lei pelo Senado retira a lei do ordenamento jurídico com eficácia ex tunc, esse instituto, tal como foi interpretado e praticado, entre nós, configura antes a negação do que a afirmação da teoria da nulidade da lei inconstitucional. A não-aplicação geral da lei depende exclusivamente da vontade de um órgão eminentemente político e não dos órgãos judiciais incumbidos da aplicação cotidiana do direito. Tal fato reforça a idéia de que, embora tecêssemos loas à teoria da nulidade da lei inconstitucional, consolidávamos institutos que iam de encontro à sua implementação”.

Observe-se, também, que o STF já definiu a presença do efeito vinculante nas decisões proferidas em medidas cautelares. A respeito, cita-se a Reclamação 1.770, relatada pelo Ministro Celso de Mello, DJ 07/02/03, onde se decidiu que,

 

"As decisões plenárias do Supremo Tribunal Federal — que deferem medida cautelar em sede de ação declaratória de constitucionalidade — revestem-se de eficácia vinculante. Os provimentos de natureza cautelar acham-se instrumentalmente destinados a conferir efetividade ao julgamento final resultante do processo principal, assegurando, desse modo, ex ante, plena eficácia à tutela jurisdicional do Estado, inclusive no que concerne às decisões, que, fundadas no poder cautelar geral — inerente a qualquer órgão do Poder Judiciário — emergem do processo de controle normativo abstrato, instaurado mediante ajuizamento da pertinente ação declaratória de constitucionalidade."

Convêm salientar a presença de efeito vinculante nas decisões proferidas em medidas cautelares pelo Supremo Tribunal Federal, fato esse que justifica ainda mais a aplicação do efeito vinculante no caso de controle difuso, tendo em vista a forma detalhada com que é discutida a matéria considerada inconstitucional.

Em verdade, não é difícil perceber que uma lei declarada inconstitucional já sobreveio no ordenamento com tal vício. A norma não se tornou inconstitucional, razão pela qual os seus atos, desde que a malfadada lei entrou em vigor, devem ser considerados nulos; não se pode suspender a execução de atos inexistentes ou ineficazes, tal como amplamente ressaltado.

A consequente declaração de inconstitucionalidade de uma norma, seja pelo meio difuso ou não, além de ser considerada declaratória, deve ser aplicada de forma extensiva a todos aqueles que a lei atinge, tendo em vista que a ofensa ao texto constitucional é considerada preexistente à declaração proferida pela Corte Máxima.

Por isso, não parece legítimo adotar o entendimento de que é necessário o pronunciamento do Senado a respeito da norma declarada inconstitucional pelo Supremo, para que só assim venha a gerar efeitos erga omnes. A adoção dessa corrente é o mesmo de se perfilhar o entendimento de que o Senado Federal possui um domínio de fiscalização sobre as ações da Suprema Corte, inclusive podendo rejeitá-los, o que não se pode admitir.

Daí afirmar que o art. 52, X, da Constituição Federal, deve ser lido de acordo com uma visão moderna. Esse dispositivo não expressa uma possibilidade de suspensão, mas sim de mera publicidade dos atos do Supremo.

Explica-se, assim, o entendimento de que a decisão proferida pela Corte Suprema gera efeito ergam omnes e não meramente inter partes.

Além disso, não se deve esquecer que o Supremo é estimado como o órgão máximo do país, motivo pelo qual não pode ter as suas decisões submetidas ao controle político do Poder Legislativo; admitir um controle quanto ao mérito da decisão proferida pela Suprema Corte é exceder de forma desmedida a competência que lhe fora atribuída pela Carta Magna.

 

 

 

 

Referências bibliográficas:

 

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 21a ed. São Paulo: Malheiros, 2002;

MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional. UNISUL–IDP–REDE LFG, 2006;

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Revista e Atualizada. 26ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006;

STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma Nova Crítica do Direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.


Autor: Gustavo Sirena


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