Ética: Uma Reflexão da sua Aplicação na Educação



1 A ÉTICA NA EDUCAÇÃO

Infelizmente o conceito de Ética representa algo que tem inúmeras significações. È um vocábulo que permite ser interpretado de acordo com a cultura de região na qual é esta inserido o individuo. Quando as pessoas passaram a viver em comunidades, necessitaram de estabelecer a moralidade, como um conjunto de crenças, princípios, regras que norteariam o comportamento humano. O conteúdo dessas noções ganha amplitude no interior de cada contexto social específico e varia enormemente de sociedade para sociedade, de cultura para cultura, em cada situação concreta, intervêm interesses, estabelecem-se poderes, emergem conflitos. O que é importante assinalar é que a moralidade é componente de todas as culturas e a dimensão moral está presente no comportamento de cada pessoa em relação com as outras, das culturas e dos povos entre si.

A estrutura da moralidade conduz a uma designação valorativa. Escolhe-se o que se pode e o que se deve fazer. Escolher implica comparar e valorar. Cada um dos componentes da ação moral ganha sentido na articulação com os demais e na afirmação de seu caráter relacional. Em todas as sociedades humanas há razões para a obediência e razões para a rebeldia. A responsabilidade implica o conhecimento dessas razões e a consideração daqueles a quem se dirige ou com quem se partilha a resposta.

Assim como a cultura varia, as normas culturais também. Dessa forma sociedade se estrutura de forma diferente. Os valores diferem de sociedade para sociedade. Numa mesma sociedade, valores diferentes fundamentam interesses diversos. No cotidiano estão sempre presentes valores diferenciados, e a diversidade pode levar, sem dúvida, a situações de conflito. Longe de querer dissolver esses conflitos, impondo uma harmonia postiça, é importante que se instale a atitude problematizadora. O que é preciso considerar, sempre, é que não existem normas acabadas, regras definitivamente consagradas. A moral sofre transformações, principalmente quando submetida à reflexão realizada pela ética.

É nessa medida que se pode afirmar que a prática cotidiana transita continuamente no terreno da moral, tendo seu caminho iluminado pelo recurso à ética.

As pessoas são produtos da sociedade, transformam-se de acordo com os preceitos e valores impostos. Muitas são as instituições responsáveis pela educação moral dos indivíduos, a igreja, a família, a política, o Estado e a família. É preciso deixar claro que ela não deve ser considerada onipotente, única instituição social capaz de educar moralmente as novas gerações. Também não se pode pensar que a escola garanta total sucesso em seu trabalho de formação. Na verdade, seu poder é limitado. Todavia, tal diagnóstico não justifica uma deserção. Mesmo com limitações, a escola participa da formação moral de seus alunos. Valores e regras são transmitidos pelos professores, pelos livros didáticos, pela organização institucional, pela forma de avaliação, pelos comportamentos dos próprios alunos. Assim, em vez de deixá-las ocultas, é melhor que tais questões recebam tratamentos explícitos, que sejam assuntos de reflexão da escola como um todo, e não apenas de cada professor. Daí a proposta da presença da Ética na organização curricular.

Ao trabalhar a ética na educação, o professor se depara com a questão do choque de valores. Os diversos valores, normas, modelos de comportamento que o indivíduo compartilha nos diferentes meios sociais a que está integrado ou exposto, colocando em jogo as relações cotidianas. Para isso é requer uma elaboração, implicando reconhecer os limites para a coexistência de determinados valores e identificar os conflitos e a incompatibilidade entre outros.A forma de operar com a diversidade de valores por vezes conflitantes também é dada culturalmente, ainda que do ponto de vista do sujeito dependa também do desenvolvimento psicológico. Os preconceitos, discriminações, o nega-se a dialogar com sistemas de valores diferentes daqueles do seu meio social, o agir de forma violenta com aqueles que possuam valores diferentes, são aprendidos.

A escola, como uma instituição pela qual espera-se que passem todos os membros da sociedade, coloca-se na posição de ser mais um meio social na vida desses indivíduos. Também ela veicula valores que podem convergir ou conflitar com os que circulam nos outros meios sociais que os indivíduos freqüentam ou a que são expostos. Deve, portanto, assumir explicitamente o compromisso de educar os seus alunos dentro dos princípios democráticos . Se entendida como apenas mais um meio social que veicula valores na vida das pessoas que por ela passam, a escola encontra seu limite na legitimidade que cada um dos indivíduos e a própria sociedade conferir a ela. Se entendida como espaço de práticas sociais em que os alunos não apenas entram em contato com valores determinados, mas também aprendem a estabelecer hierarquia entre valores, ampliam sua capacidade de julgamento e a consciência de como realizam escolhas, ampliam-se as possibilidades de atuação da escola na formação moral, já que se ocupa de uma formação ética, para formação de uma consciência moral reflexiva cada vez mais autônoma, mais capaz de posicionar-se e atuar em situações de conflito.

A escola de hoje está deixando um pouco de lado a construção moral e a educação ética, atribuí-se prioridades a outros assuntos como o vestibular, a mensalidade escolar, mas esquece que a formação do indivíduo é a mais importante, e que permeará por toda a sua vida.

2 ENTRE A ÉTICA E A EDUCAÇÃO

Um dos problemas que se coloca na sociedade brasileira contemporânea é o do como educar para o respeito às diferenças e para o respeito a todos os seres humanos, sem violência. Essa questão é central para ética.

O artigo 2º da LDB considera que, inspirada nos princípios da liberdade e nos ideais de solidariedade humana, é finalidade da educação nacional o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. O artigo 1º diz que a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem em várias esferas (família, convivência, trabalho, escola, movimentos sociais etc).

A educação para a cidadania, e os programas educacionais voltados para esse fim, pressupõe a crença na tolerância, a marca do bom senso, da razão e da civilidade que faz com que os homens possam se relacionar entre si. Pressupõe, também, a crença na possibilidade de formar este homem, ensinando a tolerância e a civilidade dentro do espaço e do tempo da escola. A idéia clássica de formação nos auxilia a compreender esse tópico.

A proposta de educação do homem como membro de uma cultura foi apresentada primeiramente pelos gregos como paidéia (formação). Os gregos viram pela primeira vez que a educação tem de ser também um processo de construção consciente. A educação grega não é uma soma de técnicas e organizações privadas, orientadas para a formação de uma individualidade perfeita e independente. Era a coletividade que visava e nela que se constituía como uma formação integral do homem e não como um mero adestramento. Por isso, para os gregos, a Paidéia buscava imprimir nos membros da sociedade a areté (a palavra grega para virtude) de modo que pudessem se reconhecer como responsáveis e realizadores dos valores de sua sociedade.

Ao longo da filosofia clássica, sempre esteve presente a pergunta sobre como formar os jovens, o que lhes deveria ser ensinado para alcançarem a virtude. Portanto, paidéia e areté, educação e virtude, não poderiam ser pensadas separadamente. Toda a sociedade e a cultura estavam presentes na formação do homem e do cidadão. Era este ideal de excelência e perfeição que os gregos buscavam através da educação: a excelência do homem, das instituições, das cidades. Entretanto, não era apenas como fim que este ideal se fazia presente na educação grega, ele era meio, princípio, forma e ação. Ou seja, o homem grego devia ser educado para a virtude, de modo virtuoso, por pessoas virtuosas, praticando ações virtuosas e fazendo sua cidade virtuosa.

A questão da educação para a virtude e para a cidadania volta à baila quando, em nossos tempos, a LDB[1] institui que a escola é um espaço de formação de cidadãos e difusão de valores que expirem cidadania e ética, mas não considera que a idéia da educação como formação do homem e do cidadão pressupõe que a escola, local onde esta formação ocorrerá (ao menos parcialmente, como diz a Lei), também deva ser pensada como um espaço/instituição no qual estes valores estejam presentes. Para que a escola seja inspiradora de valores éticos, é preciso que ela também seja um espaço ético, operando por meios éticos. De acordo com os clássicos, isso não poderia ocorrer de outro modo. Contudo, o que se observa é que a sociedade brasileira é marcada pela violência e que esta violência também se faz presente nas escolas. Marilena Chaui no artigo "Ética e Violência" explica que podemos entender como violência os atos de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém, opressão, intimidação pelo medo e pelo terror. São as ações que retiram dos sujeitos sua autonomia, tratam as pessoas, os seres humanos, como se fossem coisas como desprovidos de razão e de vontade, por isso a violência é o exato oposto da ética. Diante disso, como podemos educar nossos alunos? Como educar eticamente em uma sociedade marcada pela violência?

Sabe-se que os sofistas, os primeiros professores da história da educação, se ocupavam com o ensino das técnicas ou da arte de ser cidadão.

Ensinavam tudo o que fosse necessário ao exercício da cidadania, mas eram céticos em relação à existência de valores, idéias e leis absolutas e universais.

Não se punham em busca da verdade, da justiça, da virtude como coisas que existissem em si mesmas e independentes das circunstâncias. Para eles, tudo dependia de convenções, tudo era fruto de controvérsia e só cabia ao professor ensinar a seus alunos como se sair bem na exposição de suas idéias e seu bom desempenho nas assembléias; ensinar o sucesso através do uso adequado da palavra e do poder da persuasão. Para os sofistas pouco importava sobre o que se falava e quais idéias ou virtudes eram defendidas num determinado momento

porque essas poderiam ser modificadas num outro momento em acordo com o que fosse mais conveniente, mais "lucrativo". Tudo poderia ser convencionado.

Ao contrário dos sofistas, os filósofos pensavam que as virtudes (que eram universais, eternas e imutáveis), não dependiam da persuasão para serem estabelecidas. Para eles, os sofistas somente ensinavam quem pudesse pagá-los para isso, não estavam preocupados quer com a verdade, quer com a justiça ou com a virtude como coisas independentes da utilidade e do ponto de vista de quem as professasse. Por isso os filósofos clássicos olhavam para os sofistas como demagogos e charlatães[2]. Também por isso, contra os sofistas e pelas

mãos (ou textos) de Platão, Sócrates pronunciava que não se pode separar virtude e ciência, virtude e saber, virtude e razão; a virtude é uma forma de conhecimento (a mais alta) e não um simples modo de agir em acordo com convenções. Isso era a paidéia, ou a formação. Platão considerava que esta paidéia só poderia ser implementada por aquele que tivesse passado por um longo processo de aprendizagem através do qual tivesse podido ascender às verdades essenciais e eternas desfazendo-se de preconceitos e da aparência vulgar das coisas e obtendo a ciência da urdidura de cidadãos e da cidade. Ou seja, para ensinar a virtude, era preciso um processo longo de aprendizagem, de formação, de conhecimento e, principalmente, de vivência prática das virtudes.

Isso nos convida a refletir sobre quem, nas escolas, seriam os educadores para a formação dos cidadãos. Infelizmente, a resposta convencional de que os educadores seriam os próprios p rofessores não é suficiente para esvaziar a pergunta e nos conduz a outras. Se a virtude (a areté, a cidadania) pode ser ensinada, os professores estariam preocupados, como os filósofos clássicos, em se tornarem eles mesmos virtuosos, sábios, despojados de seus preconceitos e de suas ilusões em busca do conhecimento do que é a virtude e do como ensiná-la ou seriam como os sofistas ensinando porque recebem para isso, mas, de fato, não oferecendo seu assentimento às idéias que pronunciam ou não crendo na perenidade do que é ensinado?

As atuais discussões sobre como adequar as instituições de ensino e 'capacitar' os professores de acordo com o que pede a Lei se aparenta com esta querela: como vamos transformar nossos professores em cidadãos aptos a ensinar cidadania e nossas escolas em espaços democráticos que auxiliem a resolver o problema da ausência de ética e da violência presentes na sociedade? Como fazer com que os educandos passem a desejar o bem e a virtude e a praticá-los para que nossa sociedade não se transforme no reino da barbárie?

4 CONCLUSÃO

Quando se descore o assunto da maneira como foi feita, há uma tendência em romantizar as coisas e achar que tudo parecer simples, mas não é. É possível melhorarmos nossa educação brasileira, mas é necessário o comprometimento dos todos. É preciso que os professores acreditem que é possível ensinar a virtude, que é possível ensinar cidadania.

Não se pode ignorar que o professor, a escola e os profissionais que ali atuam detenham o poder de formar cidadãos. E, mais ainda, que os professores, mesmo sendo pessoas, quando no exercício público da razão, podem e devem ter uma responsabilidade ética pelo que ensinam, transmitem, opinam. Desde a antigüidade clássica, a idéia de educação implica a busca de uma ação moderada, menos corrompida, menos influenciada pelas paixões. Entretanto, hoje a educação foi quase inteiramente identificada com escolarização. Desta forma, a questão do papel do professor ganha uma relevância ainda maior porque será a partir dele, de suas atitudes, da forma como lida com conteúdos, como elabora suas aulas, como se relaciona com seus alunos, da forma como lida com seus preconceitos e conceitos que outros valores, vícios e virtudes poderão ser definidos.

Quando se admite que a educação, em nossos tempos, é praticamente idêntica à escolarização e se transfere para a escola e para os profissionais ali presentes a tarefa de educar para a formação do cidadão (ou seja, a formação ética e política), em ecorrência, passa-se a colocar em evidência a postura ética daqueles que, como responsáveis pela educação, serão modelos de conduta, espelhos de caráter, difusores de valores. Por isso cabe perguntar o que significa transferir para os professores a exigência das virtudes, da justiça e da responsabilidade pela formação dos cidadãos e em que medida as virtudes dos educadores, expressas em seu trabalho, seriam responsáveis pelas mudanças no perfil de seus alunos.

Se a educação é projeto e utopia, uma resposta para uma educação ética e, portanto, contraria à violência, talvez resida na democratização das instituições de ensino e na efetivação de uma educação inclusiva.

A proposta de uma educação inclusiva parece assinalar para uma saída, não só porque contempla a utopia presente em todo projeto pedagógico, como também acena para a alteração do paradigma educacional das sociedades autoritárias porque pressupõe que a transformação social deva implicar na transformação e na democratização de todas as relações sociais. Transformar a escola em um espaço efetivamente plural seria uma das formas mais eficazes de uma educação ética ou para a ética, porque permitira a expressão das diferenças num espaço público de modo a incorporar todos os valores sem hierarquizá-los.

Se a escola não está separada do mundo e a ética se constrói através da livre expressão de idéias e projetos no espaço das cidades e da cidadania, uma educação ética também implicaria a formação de cidadãos através do livre exercício da atividade política ou a ampliação de espaços públicos de manifestação das diferenças.

Dito isso, pensar a correlação entre ética e educação na sociedade brasileira significa pensar a sociedade como um todo e todos os seus espaços públicos como agentes de educação que devem ser livremente acessados pelos diferentes componentes da espera pública da sociedade, de toda a sua diversidade. A educação para a ética ou uma educação ética pressupõe a construção de sociedades verdadeiramente democráticas.

Nesse sentido, podemos dizer que a tradição filosófica nos ensinou algo que talvez seja sábio recuperar: a ética se ensina permitindo o convívio entre os diferentes nos diferentes espaços públicos nos quais se possam expressar os valores e construir o bem comum.

ETHICS: A REFLECTION OF THEIR APPLICATION IN EDUCATION

Abstract

One problem that arises in contemporary Brazilian society is
as the education for the respect for differences and to respect for all beings
human, without violence. This question is central to ethics. Currently are common shares of disrespect and violence in all forms: assault, drugs, threats, discrimination, disrespect to teachers and students in general. This is the untenable in the context of education within the Brazilian society. The question is: how can the ethics help us build an education against violence? Applicable in this article.

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Rodrigues Carlos. O que é Educação. 1ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2006.

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 8ª ed. São Paulo, Ática, 1997.

CHAUI, Marilena. Ética e Violência. [Palestra apresentada no Colóquio,

Interlocuções com Marilena Chauí], São Paulo, Ática, 1998.

CHAUI, Marilena. Brasil. Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo:

Perseu Abramo,1998.

JAEGER, Werner. Paidéia. São Paulo, Martins Fontes, 1986.

PRADO JR., Bento. Alguns Ensaios. São Paulo, Max Limonad, 1985.

LEI n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Texto disponível na Internet: www3.dataprev.gov.br/SISLEX/paginas/42/1996/9394.htm, acessado em 20/06/07.


[1] Artigo 26o §4; artigo 27o §1; artigo 32o, III, IV; artigo 35o, II e IV.

[2] Embora se saiba pouco sobre os sofistas, conhece-se seu vínculo com a democracia ateniense (o sofista Protágoras foi professor de Péricles, o legislador democrata de Atenas). O interesse pela retórica, persuasão e pela dialética e a valorização das opiniões não era devido à demagogia ou ao charlatanismo dos sofistas, mas à crença de que esses eram os melhores instrumentos para a garantia da efetiva participação de todos os cidadãos, igualitariamente, nas disputas públicas.


Autor: Osmir A. Cruz


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