Lulismos e a desoneração fiscal



Em vez de desonerar a atividade produtiva - caso das isenções do IPI sobre automóveis e eletrodomésticos - o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem (dia 23 de junho) que prefere distribuir dinheiro aos pobres para aquecer a economia. Insatisfeito com o reflexo das isenções fiscais nos preços dos produtos, Lula defendeu as políticas de transferência de renda e disse que é preciso rever o discurso de redução de carga tributária, que ouve dos empresários.

No lançamento das obras de revitalização do Porto do Rio, o presidente disse ter dado o recado em reunião recente com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e um grupo de empresários. "Eu falei para eles: em vez de a gente ficar desonerando o tanto que está desonerando, é melhor pegar esse dinheiro e dar para os pobres. Se os pobres tiverem dinheiro e forem comprar, vocês têm de produzir. Agora, a gente desonera e vocês não repassam para o custo do produto. Nós já desoneramos nesse meu mandato R$ 100 bilhões. Imagina R$ 100 bilhões na mão do povo brasileiro!"

Na prática, Lula defendeu a substituição da política de desoneração de impostos de produtos industriais, praticada pelo próprio governo, pela transferência direta de dinheiro aos pobres, como mecanismo de estímulo à economia. Para ele, porém, o repasse do montante à população pobre seria uma medida mais eficiente. Tal mecanismo já é adotado pelo governo por meio do Bolsa Família, que destina de R$ 62 a R$ 182 mensais a famílias de menor renda e com crianças em idade escolar. Para 2009, o orçamento do programa é de R$ 12 bilhões.

As declarações de Lula arrancaram aplausos dos trabalhadores das obras do porto que assistiam à cerimônia. O discurso do presidente foi todo centrado nesse princípio e na defesa do Estado forte e com capacidade financeira para influenciar a economia. "Cada real que você dá a uma pessoa pobre volta automaticamente para o comércio, para o consumo. Voltando ao consumo, vai reativar a economia. Às vezes você dá R$ 1 milhão a uma pessoa e fica lá no banco. Ele não faz nada, só ele vai ganhar dinheiro. Na hora em que você dá R$ 1 a cada pobre, dando para mil pessoas são R$ 1 mil que voltam para o comércio meia hora depois. Nem que for para um boteco, para tomar uma canjebrina (cachaça). Ele não vai para derivativos. Vai para o comércio, e é isso que nós precisamos para fazer a economia deste País crescer."

Lula indicou que não está mais disposto a ceder aos apelos de empresários por novas desonerações tributárias. E voltou a se queixar da derrubada da CPMF no Congresso, em 2007, que contou com o apoio de entidades empresariais, como a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp).

"Acho que essa conversa eu vou ter daqui para frente com muitos empresários. Perdemos R$ 40 bilhões do orçamento da União para cuidar da saúde deste País e eu não vi ninguém reduzir os preços nos 0,38% da CPMF. E quem perdeu foi essa gente aqui", disse Lula, apontando mais uma vez para os operários da plateia. "Disseram: se a gente deixar R$ 40 bilhões por ano na mão do Lula, ele vai ganhar as eleições. Ganhei. E vamos ganhar outra vez. O povo não aceita mais mesquinharia, não aceita mais baixaria", disse, alfinetando a oposição.

Pelos dados da Fazenda, só com os recentes programas de desoneração de veículos, eletrodomésticos da linha branca e artigos da construção civil, o governo já perdeu R$ 1,6 bilhão em arrecadação. Todos os programas foram lançados para dinamizar a economia.

"Perdi R$ 40 bilhões [com o fim da CPMF] para cuidar de saúde e não vi ninguém reduzir 0,38% da CPMF nos [preços dos] produtos. A gente queria levar médico e dentista para cuidar da criança na escola. Se deixar R$ 40 bilhões na mão do Lula, ele vai ganhar as eleições. Ganhei e vamos ganhar de novo!", disse.

Ele salientou ainda que desonerações para classes mais altas normalmente não se revertem em consumo.

"Cada real que você dá na mão de um pobre ele volta automaticamente para o comércio, para o consumo e vai reativar a economia. Um real para mil pessoas são mil reais para o comércio", disse Lula. "Ele (o pobre) não vai para o banco, para o derivativo, é isso que precisamos fazer para a economia deste país crescer".

Lula também defendeu o nível da carga tributária brasileira como mecanismo de política social. "A carga tributária da América Central é 9% ou 10%. Um país com essa carga não tem Estado, porque o Estado não pode cuidar de nada", afirmou. No Brasil, a carga é de 38,45% do Produto Interno Bruto (PIB).

Assessores colocam panos quentes
Ministros e assessores do Planalto se apressaram a dizer que as declarações do presidente Lula, no Rio, foram "um desabafo público" de uma queixa que ele vem fazendo com os auxiliares mais próximos "entre quatro paredes". O presidente não vai cancelar as desonerações programadas, mas reclama que os empresários recebem os incentivos (desonerações) e nem sempre repassam a totalidade dos benefícios aos consumidores.

A ameaça do presidente, afirmaram assessores, não significa que o governo não vai mais dar nenhum incentivo para combater a crise e promover o crescimento da economia. "O presidente falou em tese", resumiu uma das fontes ao Estado. Lula, lembrou o assessor, "sempre cita o caso da CPMF", a contribuição sobre movimentação financeira derrubada no fim de 2007, que, pela avaliação do presidente, não levou à redução de nenhum preço. Agora, ele costuma citar o caso dos combustíveis: o governo promoveu uma redução de 9,6% no preço do diesel, mas, nas bombas, o máximo que os consumidores ganharam foi uma redução de 2%.

Para Lula, apenas as chamadas "operações casadas" de desoneração é que dão resultado - como a eliminação do IPI dos carros e da linha branca (geladeiras, fogões), que repassam a redução de imposto industrial ao consumidor e serviram mesmo para reativar a economia desses setores industriais. "As desonerações para esses setores tiveram impacto na demanda e favoreceram cadeias longas de produção", disse um técnico. Nesses casos, o governo tem controle sobre a desoneração concedida, ou seja, sabe que a redução do imposto é o instrumento necessário para alcançar o objetivo imediato: retomar a economia e estimular a demanda.

No caso de bens de capital, a constatação da equipe econômica é que a desoneração "não resolve o problema" porque garante a venda do produto. A linha de raciocínio é a seguinte: mesmo que o governo reduza ainda mais os impostos para o setor e no pressuposto de que possa haver uma queda nos preços, não há garantia de aumento da venda de máquinas e equipamentos. "O nível da capacidade ociosa ainda é grande. Nada indica que se venderá mais máquinas", disse um assessor.

Por isso, a resistência do governo em atender às demandas do setor, que, agora, reivindica a possibilidade de criar novos créditos tributários com o recolhimento da PIS/Cofins. A saída que será apresentada é a ampliação de crédito e melhores condições de financiamento por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), além da oferta do Fundo Garantidor de Crédito, que terá mais R$ 4 bilhões para atender às empresas.

O governo defende a alternativa do crédito com a alegação de que, no ano passado, quando a economia crescia a um ritmo acelerado, o setor de bens de capital experimentou uma expansão de 24%. "Agora, chegou a hora dos empresários olharem para frente e não pensar em desoneração. Os empresários poderiam fazer um sacrifício e trabalhar com uma margem menor", defendeu um assessor.

A indústria se defende  
Setores beneficiados pela redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) disseram ontem que as indústrias repassaram ao consumidor o valor desonerado pelo governo. Representantes dos segmentos de materiais de construção e automobilístico disseram que o presidente Lula se equivocou ao inferir que o corte do imposto foi embolsado pelos empresários.

Para o presidente da Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco), Claudio Conz, a queda nos preços para o consumidor é evidenciada no Índice Nacional do Custo da Construção (INCC). Segundo ele, a queda nos preços dos materiais de construção conteve as elevações do índice, que registrou alta nos custos da mão de obra. "O caso mais expressivo é o valor do saco de cimento, que custava R$ 18 há dois meses e hoje é vendido a R$ 16."

De acordo com o presidente da Anamaco, a redução média de 5 pontos porcentuais do IPI para materiais de construção representou queda nos preços de 8 pontos na ponta. "Isso porque você não reduziu apenas o imposto pago pela indústria, mas também o porcentual das margens de lucro e outros impostos."

Para representantes do setor automobilístico, a desoneração do IPI, em vigor desde meados de dezembro, estimulou o mercado e foi integralmente repassada. Adotada após queda de 25% nas vendas de novembro, a medida deu novo fôlego ao mercado. De janeiro a maio, as vendas somam 1,149 milhão de veículos, apenas 1.576 unidades a menos do que em igual período de 2008, quando não havia crise internacional.

Juntamente com a volta do crédito em prazos mais longos, o mercado automobilístico do País vem reagindo de forma mais positiva do que outros países, onde a queda das vendas é brutal, como nos EUA e na Europa.

Bibliografia
Jornal O Estado de S. Paulo de 24 de junho de 2009 Jornal do Brasil de 24 de junho de 2009
Jornal Folha de S. Paulo de 24 de junho de 2009
Jornal Valor Econômico de 24 de junho de 2009
Autor: Alexsandro Rebello Bonatto


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