Expressão corporal e a dança contemporânea: proximidades e contradições.



Introdução

A dança é relacionada no senso comum como um meio de comunicação, de autoconhecimento, de educação do sensível, mas principalmente uma forma de expressar os sentimentos podendo estar em diversos espaços e de diferentes formas como no lazer, no trabalho, na formação, entre outros.

Neste contexto, é interessante perceber, discutir e compreender como se dá as questões sobre Expressão Corporal nas aulas de dança contemporânea.

Em academias de dança, ainda prioriza-se, geralmente, a formação de bailarinos através da técnica apenas, por isto entender a relação dos discursos profissional é relevante para se propor uma reflexão atualizada sobre a dança hoje.

O fato é que as dificuldades de uma formação mais abrangente na área e o acesso a cursos voltados para o professor de dança inviabilizam mudanças significativas na área, seja no campo crítico-reflexivo, metodologias e processos de ensino-aprendizagem, entre outros. Seria a expressão corporal também um meio de se conhecer uma dança mais acessível e lúdica?

Portanto, muitas são as inquietações que surgem quando se trata do assunto Expressão Corporal e dança e é exatamente neste sentido que este trabalho foi desenvolvido, procurando apontar possíveis reflexões e identificando de que forma a Expressão Corporal está inserida nas aulas de dança contemporânea em academias de dança da cidade de Goiânia.

  1. Algumas questões sobre a Dança e a Expressão Corporal

Isadora Duncan, considerada "mãe" da dança Moderna propõe as primeiras idéias de Expressão Corporal na dança. Silva (2005, p. 98), diz que Isadora Duncan fundou "sua dança", contra o academicismo e nesta lacuna que a dança moderna iria se apropriar. Passou a sentir o movimento, imitar a natureza saindo do inanimado Balé Clássico, libertou o corpo e a mente para uma dança nova e mais orgânica.

É claro que existem várias definições e idéias a respeito de dança. Ellmerich (1964), por exemplo, traz um antigo e ainda forte conceito sobre dança qual esta seria um ritmo mudo ou uma música visível.

Já Portinari (1985) destaca que a dança seria uma comunicação dispensando o jogo de palavras, ou seja, o que se refere ao movimento expressivo é o que permitido ser traduzido através do corpo ao público.

Claro que a expressão do corpo, ou a linguagem não verbal traz um sentido mais amplo para entendimento de corpo, mas, a idéia de uma expressão corporal que amplie os sentidos do movimento humano, se torna evidente na dança moderna e chega à dança contemporânea.A Expressão Corporal, segundo Stokoe e Harf (1987), é uma linguagem, através da qual o ser humano expressa sensações, sentimentos e pensamentos com o seu corpo.

A Expressão Corporal desempenha e amplia todas as possibilidades humanas, é justamente constituída no movimento corporal, (Brikman, 1989). Este movimento corporal é a possibilidade de conhecimento dessa linguagem individual. Por imediato, o corpo tem a capacidade de se manifestar, o que, na expressão corporal, se apresenta através do vivido corporal, da experiência do corpo seja em situações do cotidiano ou da arte.

Lola Brikman (1989) já apontava nos anos 70 e 80, para as inúmeras coincidências entre os trabalhos dos brasileiros Angel Vianna, Klaus Vianna e Dulce Aquino e os argentinos Patrícia Stokoe, Violeta de Gainza, Guilhermo Graeter, Marina Hanke e Elisa Alcolumbres.

A idéia de consciência do movimento que chega dos indícios da dança moderna se acomoda em camadas nas diferentes técnicas da dança contemporânea. Podemos dizer que de Isadora, Delsarte, Dalcroze à Laban, Martha Graham às atuais tendências temos a idéia da consciência do corpo como foco.

Percebemos, portanto, que a dança no final do século XIX, passa a ser uma expressão concisa da vida, da cultura, dos anseios e desejos e não somente, do irreal, do imensurável e do imaginário.

A Dança Contemporânea referidas por Rengel e Langendonck (2006) abandona algumas hierarquias, no sentido de haver um bailarino melhor que o outro. Sugere um a dança que pode acontecer em prédios, praças, galerias de arte e não impõe modelos rígidos aos corpos que dançam. Marcam algumas novas tendências estimulando a criação e a pesquisa do movimento e suas potencialidades.

É bastante difícil entender o sentido da técnica para dança e a expressão corporal. Klaus Vianna indagava sempre em suas aulas (1990) O que é a técnica para você?Para mim, além de estética, tem um sentido claro e objetivo de organizar o conhecimento do corpo e possibilidades dos movimentos.

E segue sugerindo que não podemos aceitar as técnicas como estando prontas, porque na verdade as técnicas de dança nunca estão prontas, existirá sempre uma forma, mas no seu interior haverá espaços um movimento único, próprio, contribuições individuais e que mudam com o tempo.

Talvez a maior contribuição das idéias de expressão corporal para dança, nome que ainda usamos hoje justamente por influências diretas dos trabalhos dos argentinos no Brasil, seja pensar alguns conceitos importantes sobre o corpo e uma dança mais possível, mais acessível, que transforma e que marca descobertas e conflitos.

"... sobre el cuerpo, se encuentra el estigma de los sucesos pasados, de él nacen los deseos, los desfallecimientos y los errores; em el se entrelazan y de pronto se expresan, pero también em él se desatan, entran em lucha se borran unos a otros y continúan su inagotable conflicto." (Michel Foucault 1991)

São diferentes modos de se apreender no corpo, não instrumental e que reflita outros paradigmas, onde o sentido da racionalidade traz também as sensibilidades.

  1. O caminho percorrido – implicações metodológicas

Este estudo de natureza qualitativa foi desenvolvido em uma pesquisa exploratória com o objetivo de identificar como a Expressão Corporal está presente as aulas de dança, como os professores compreendem o assunto e como fazem suas ligações próprias conexões com as aulas de dança. O instrumento utilizado foi um questionário aberto na parte exploratória pelo fato de que, muitos dos sujeitos não dispunham de tempo livre para gravar entrevistas, por ser fim de ano e estarem com muitas coreografias e trabalhos acumulados.

As perguntas que compuseram o questionário foras às seguintes: Como você entende a expressão corporal na dança; Qual a ligação entre dança e expressão corporal para você; Você trabalha expressão corporal nas suas aulas e como; Você acha importante/necessário trabalhar com a expressão corporal e por quê?

3.Proximidades e contradições

Todos os interrogados se revelaram diante as respostas de uma única forma concordando com referenciais norteadores do trabalho que é a Expressão Corporal de acordo com Stokoe (1987), Brikman (1989), Salzer (1983) e Garaudy (1980).

A partir de sucintas análises vemos que a dança contemporânea e as idéias de Expressão Corporal se contrapõe em muitos aspectos, e que no Brasil estas idéias são fortemente marcadas através dos legados das famílias Vianna e da baiana Dulce Aquino.

Percebemos neste trabalho que os professores de dança contemporânea da cidade trabalham diariamente o conteúdo de Expressão Corporal em suas aulas e vêem sua importância, mas não compreendem qual sentido e significado para sua dança, na maioria transparece desconhecer ate mesmo às noções históricas a prioridade é dada ao sentido exclusivamente técnico para servir os eventos escolares ou os festivais locais.

Isto indica uma dissonância entre formação de qualidade e atualização, mesmo estando trabalhando com dança contemporânea as idéias de corpo, hierarquias, técnicas continuam presas ao passado que desconhecem.

Uma atitude positiva dos próprios profissionais é em relação à aceitação do valor da expressividade individual na dança, bem como, a idéia de uma ação pedagógica, uma dança mais inclusiva, mais acessível e heterogênea.

Torna-se evidente e relevante que se dê maior atenção a formação continuada dos professores de dança, seja no âmbito privado ou publico. A dança deve estar presente como arte fundamental para formação humana, deixando as imposições e abrindo espaços para as construções e para o conhecimento.

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Autor: Bruna Silveira


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