Ponto de Partida



Ponto de Partida - Com Maria Olímpia Alves de Melo

Não, eu não posso mover meus passos por esse atroz labirinto que é a vida, pois seja qual for à direção que eu escolha seguir irá desembocar na mesma  saída. Mãos trêmulas tateiam buscando apoio, em vão. Nem uma luz bruxuleante que seja ilumina o caminho para que eu possa antever o percurso a ser seguido.  Barreiras impedem qualquer aproximação. Ouço um canto distante e nem me serve de guia e nem me traz esperanças. São os sinos da madrugada chorando a história perdida. Nem mesmo sei o que sou, um pensamento criado, um sonho a ser acordado, um eterno condenado, passageiro obrigado a descer em todas as estações enquanto espera um novo trem.Em todas as direções, para cima ou para baixo só o vazio – sem asas não posso voar, sem olhos não posso enxergar e só o eco responde aos lamentos. Não há como voltar, pois a dama com sua foice está sempre atrás, sempre empurrando para frente. Sim, ela brinca conosco o tempo todo fingindo que temos chance, mas bem no fundo sabemos que um dia não haverá mais para onde fugir. Quando enfim o momento decisivo acontecer mesmo assim dois caminhos estarão a espera: ou a queda para o vazio ou o vôo para a eternidade em busca das cidades etéreas onde a vida continuará.

Essas palavras ficaram no ontem, dia seco com o sol, noite seca com as estrelas, e entre a manhã e o entardecer, um céu que se movia de lugar a cada meia hora. Seca. Hoje minhas mãos apenas respondem os labirintos criados há muito tempo. Dormi como uma pedra, obrigado a descer em todos os sonhos. Acordei com uma estranha melopéia que dizia “eu sou o que sou”. Uma boa noite de sono e sinto que não há  mais porque fugir. As mãos estão firmes, e apalpam a aproximação de qualquer canto vagante. Parece que a antiga confiança me visitou falando com voz contida: não ensaie dentro de casa, se vais cantar ao livre.  Custo a levantar, hoje, já antevendo que o percurso a ser seguido vai bruxulear como sempre. Caminho sem pressa para a estação onde os pensamentos são criados como trens que sacodem  os ombros para a dama e sua foice. Movimentos, sinos,  transeuntes com sacolas de juta vagam perto dos trilhos,  trânsfugas de passo lépido se esquivam  daqueles que não podem voar e dos que não podem enxergar. Não se desculpam, e quando interpelados apenas avisam que não se pode perder tempo com quem perdeu tempo. Condenados libertos, ainda que enfermos de tantos caminhos ermos, buscam o trem das  histórias perdidas. Só esse pensamento me serve de guia. Hoje não vejo duas opções  e não sinto a espera. Subo repentinamente num parapeito e descubro que antes da eternidade há um outro labirinto.


Autor: Bernard Gontier


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