A DESCENDÊNCIA DA MULHER E A DESCENDÊNCIA DA SERPENTE



A DESCENDÊNCIA DA MULHER E A DESCENDÊNCIA DA SERPENTE

Geraldo Barboza de Carvalho

"A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos, que Deus tinha feito. Ela disse à mulher: então Deus disse: Vós não podeis comer de todas as árvores do jardim? A mulher respondeu: Nós podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: Dele não comereis, nele não tocareis, sob pena de morte. A serpente disse então à mulher: Não, não morrereis! Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e sereis como deuses, versados no bem e no mal. A mulher viu que a árvore era boa ao apetite e á vista e que essa árvore era desejável para adquirir discernimento. Tomou-lhe do fruto e comeu. Deu-o também ao seu marido, que com ela estava e ele comeu. Então abriram-se-lhes os olhos e perceberam que estavam nus. Javé chamou Adão: Comeste então da árvore que te proibi de comer! O homem respondeu: A mulher que puseste junto de mim me deu o fruto e eu comi. Deus disse à mulher: Que fizeste? Ela respondeu: A serpente me seduziu e eu comi. Então Javé disse à serpente: Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre a tua e a descendência dela. Ela te esmagará a cabeça, tu lhe ferirás o calcanhar. Deus disse à mulher: Na dor darás à luz filhos. O Dragão, a antiga serpente, Satanás pôs diante da Mulher que estava para dar à luz, para lhe devorar o Filho tão logo nascesse. Ela deu à luz um Filho varão, que regerá todas as nações com cetro de ferro. Seu Filho, porém, foi arrebatado para junto de Deus e do seu trono e a Mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe havia preparado um lugar em que fosse alimentada por mil duzentos e sessenta dias" Gn 3,1-7. 9.11-16; Ap 12,1-6.9.

INTRODUÇÃO

Eis o painel grandioso da batalha que se tem travado na história humana até hoje entre a descendência da Mulher e a da Serpente. É bom notar que as fêmeas, simbolizadas pela mulher e a serpente, são protagonistas das coisas grandiosas e catástrofes da humanidade. As grandes culturas cultivam esta dupla simbologia, que representa a luta do bem e do mal, em que o mal é derrotado pela força renovadora do bem. A simbologia alternativa é a serpente do bem e a serpente do mal. "No caminho, o povo perdeu a paciência e falou contra Deus e Moisés. Então Javé enviou contra ele serpentes venenosas, cuja mordida fez perecer muita gente em Israel. Moisés intercedeu pelo povo e Javé respondeu-lhe: Faze uma serpente abrasadora e coloca-a em uma haste. Todo aquele que for mordido e a contemplar viverá. Moisés fez, pois, uma serpente de bronze e a colocou na haste. Se alguém era mordido por uma serpente, contemplava a serpente de bronze e vivia. A serpente possui esse duplo aspecto simbólico: um benéfico e o outro maléfico, dos quais possivelmente o caduceu apresenta o antagonismo e o equilíbrio; o enrolamento final ao redor da vareta realiza o equilíbrio das tendências contrárias. Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, a fim de que todo aquele que crê tenha nele a vida eterna. Quando eu for elevado da terra (na cruz e ao céu), atrairei todos a mim" O Caduceu, Leonardo Ramalho Nm 21,4-9; Jo 3,14-15; 12,32. O Auto de Deus, cujos protagonistas são a Esposa infiel (humanidade em transe), a Serpente que a seduziu, a Descendência da mulher, o novo bode expiatório, que oferece a vida em sacrifício para resgatar a esposa ultrajada e fazer fracassar projeto de morte da Serpente de destruir a obra do Criador, o inédito Auto de Deus atinge a apoteose com a entrega livre da vida e a morte expiatória da Descendência vicária da Mulher, o Cordeiro de Deus, a Testemunha fiel, que restaurará todas as coisas no seu sangue derramado.

A realização do projeto grandioso de restaurar em Cristo todas as coisas, as visíveis e as invisíveis, teve participação decisiva de Maria de Nazaré, mulher de fé absoluta, justa. A decisão da Família trinitária de enviar a Maria o arcanjo Gabriel, para anunciar-lhe que seria a mãe do Redentor, foi motivada pela fé incondicional de Maria, por sua fidelidade absoluta ao Deus de Abraão, Isaac e Jacó. Assim o entendeu Isabel, quando Maria foi a Ain Karin visitar sua prima, grávida de seis meses, e dar-lhe a notícia de sua gravidez miraculosa: "Feliz és tu que acreditaste, pois se cumprirá o que te foi prometido da parte do Senhor" Lc 1,45. A fé de Maria em Javé fazia dela uma operária do Reino, Javé sabia que poderia contar com ela para realizar seu projeto de levar a termo a inserção definitiva de todos os clãs da terra na Família Trinitária. Quando Gabriel lhe esclareceu como seria a gravidez, Maria, arrimada na fé, não duvidou e disse: "Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra" Lc 1,38. Ela submetia seu projeto com José ao projeto maior de Javé, de ser Deus-Conosco toda eternidade e partilhar nosso destino, fazendo-se semelhante a nós, que somos imagem e semelhança sua. Partilhando nossa semelhança, Javé desejava nos deificar, realizar em nós a semelhança divina, que a liberdade insensata desencaminhou. Deificando-nos pela comunicação da natureza divina à natureza humana, por meio da enxertia da essência humana na essência divina do Filho, Deus Mãe e o Pai queriam fazer-nos filhos e irmãos de Jesus, concidadãos dos santos, cujas vestes foram lavadas e alvejadas no sangue do Cordeiro, que nos mereceu o direito de assentar-nos no céu juntamente com ele, como membros da Família Divina, formada pelo Pai, Deus Mãe e o Filho Primogênito da nova criação com seus irmãos. Tudo isso livremente, por amor gratuito, para fazer felizes filhos e irmãos. Mais que diferença de natureza, o ser humano tornou-se absolutamente antagônico da Trindade por causa do pecado. Mas o pecado não foi óbice para o amor apaixonado do Deus Redentor pelo ser humano romper a barreira aparentemente intransponível da iniqüidade, fazer-se pecador solidário com os pecadores, pagar com o próprio sangue a dívida que tinham com a Trindade. Para tudo isto tornar-se realidade para nós, basta nossa adesão livre de fé ao perdão, à anistia de nossas dívidas concedida generosamente pelo sacrifício encarnatório do Filho, consumado pela morte de cruz. Fé expressa na prática do amor fraterno, como sinal que incorporamos a semelhança divina. Se Javé é amor, tudo diz e faz no amor, sua imagem e semelhança precisa traduzir em atos e palavras as características do Original divino. Desde o AT, Javé dizia pela boca de Moisés: "Sede santos, porque eu, Javé, vosso Deus, sou santo" Lv 19,2. Jesus, o novo Moisés reitera a palavra de Javé: "Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso, até para os maus e ingratos" Mt 5,48; Lc 6,36. Depois de Abraão, o grande passo de fé foi dado por Maria, ao aceitar o convite de Gabriel. Desde a antiga aliança, Javé planejava fazer-nos membros da Família divina, pois sempre foi um Deus próximo, amigo, familiar do seu povo: caminha e mora com ele sob tendas no deserto, faz aliança com ele, mesmo sabendo que é um povo infiel, de cabeça dura e coração volúvel. Não faz aliança para se beneficiar, mas como pedagogia da fé, para educar o povo para as coisas de Deus, levá-lo à conversão, a torná-lo santo como Javé é santo e caminhar com ele na fidelidade, justiça e santidade todos os dias da vida. Pedagogia difícil, pois a tendência do povo é tirar Deus da vida real e aprisioná-lo em templos, visando manipulá-lo e obrigá-lo a fazer a vontade caprichosa do povo. Ora, Javé é libertador porque é o Deus da liberdade, que não aceita ser aprisionado nem manipulado. Tampouco manipula seu povo, mas propõe à liberdade dele aderir ou não à aliança que fez com ele. Seu prazer é morar com o seu povo, como um parente próximo, partilhando os problemas, alegrias, dores, o destino, a vida do povo, mostrando-lhe o caminho da vida feliz. Com a entrada do Filho no mundo, Javé morará definitivamente conosco na nova shekiná, a tenda do Corpo de Jesus com seus membros. "Eis a tenda de Deus com os homens. Ele habitará com eles; eles serão seu povo e ele, Deus-com-eles, será o seu Deus" Ap 21,3. Jesus Cristo é o mediador, o Pontífice perfeito desse projeto, por ser de condição divina e humana, por pertencer ao universo humano e divino, ao mesmo tempo: divino porque, de toda eternidade, é o Filho Unigênito; humano porque assumiu a fragilidade humana, ao tomar um corpo semelhante ao nosso corpo de pecado no ventre de Maria, mediante a abertura de fé de uma jovem de estirpe abraâmica. O anjo Gabriel foi enviado por Deus Trino a Maria para convidá-la a disponibilizar seu corpo para, nele o Unigênito do Pai se tornar o Primogênito da nova criação. Depois de informar-se de Gabriel como se daria o processo de fecundação, já que estava prometida a José em casamento e não pretendia ter relações sexuais com outro homem, e depois que o Anjo explicou-lhe que sua gravidez seria excepcional, pois ocorreria sem interferência humana, só pela ação criadora de Deus, Maria deu seu sim livre e generoso, e fez a mais profunda revolução antropológica jamais vista. Pela ação conjunta do poder gerador do Pai e da fecundidade de Deus Mãe, o Filho de Deus é gerado Filho do Homem no útero de Maria, que passou pelo processo de gravidez de uma mulher comum, culminando com o nascimento do Jesus menino de parto normal nove meses depois de gerado. O Filho não quis privilégio, para ser em tudo igual aos irmãos, exceto no pecado. Gerado em Maria por obra divina, Jesus não tem pai biológico, mas adotivo, José, o legítimo e único esposo de Maria. Dizer que é Maria a esposa do Espírito Santo é ofensa ao pai adotivo e legítimo de Jesus, além de ser heresia teológica, que fere o espírito da santidade e justiça de Deus, por diversas razões. (1) O esposo de Maria é José. "A origem de Jesus foi assim: Maria, sua mãe, era comprometida em casamento com José" (eram noivos. O noivado judaico é compromisso tão real que o noivo já é considerado marido da noiva e não pode desfazer o noivado a não ser por repúdio). "Antes que coabitassem, Maria achou-se grávida pelo Espírito Santo (Deus Mãe) e a potência do Pai: O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo (Pai) vai te cobrir com sua sombra. Por isso, será chamado o Filho de Deus o Santo que nascer de ti. José, esposo de Maria, sendo justo e não querendo denunciá-la publicamente, resolveu repudiá-la em segredo. Enquanto assim decidia, eis que o Anjo do Senhor manifestou-se a José em sonho, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado vem de Deus. Ela dará à luz um filho e tu o chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará seu povo de seus pecados. (Num casal judaico, cabia ao pai dar o nome ao filho). José, ao despertar do sonho, agiu conforme o Anjo do Senhor lhe ordenara e recebeu em casa sua mulher" Mt 1,18-25. (2) Se Maria tivesse esposo divino, ele seria o Pai, não Deus Mãe. Mas, Deus Mãe poderia ser esposo de Maria por incompatibilidade da sua natureza divina com a natureza humana de Maria. Além disto, em hebraico o Espírito Santo é feminino, Ruah. Ora, o Criador estabeleceu a união marital entre pessoas de sexos opostos. Como Ruah é a Mãe na Família Trinitária, Maria nunca poderia tê-la por esposo. Deus criou a família humana tomando por modelo a Família Trinitária, constituída pelo Pai, Deus Mãe, Deus Filho. "Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. À imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou. Por isso, o homem deixa seu pai e sua mãe, se une a uma mulher e os dois formam uma só carne", e juntos gerarão filhos, porque são a imagem e semelhança da Família Divina. (3) Se Deus Mãe fosse esposo de Maria, Ruah seria o Pai de Jesus. Ora, Jesus revela que seu Pai é a Primeira Pessoa da SS Trindade, não a Terceira, que ele distingue claramente da Pessoa do Pai e de sua Pessoa: "Quando vier o Paráclito, que vos enviarei de junto do Pai, o Espírito da Verdade, que vem do Pai, ele dará testemunho de mim. O Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará no meu Nome, ensinar-vos-á tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse. Ele vos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas futuras" Jo 14, 26;15,26;16,13. (4) Se Maria fosse esposa de Ruah, ela teria traído e repudiado José, seu legítimo esposo. Neste caso, José não mais seria o esposo de Maria e pai adotivo de Jesus, e perderia os direitos e deveres de um genitor legítimo, entre eles o de dar nome ao filho e cuidar dele. (5) Ora, durante sua vida pública, Jesus era visto como o filho de Maria e José, e José era tido por todos como o pai de Jesus e esposo de Maria. "De onde lhe vem esta sabedoria e esta força miraculosa? Não é ele o carpinteiro, o filho do carpinteiro (José), sua mãe não se chama Maria"? Mt 13,54-55. Isto prova que durante os trinta anos da vida privada de Jesus, José foi o legítimo esposo de Maria e o pai adotivo de Jesus, com todos os direitos e deveres de um pai e esposo. Daí, dizer que Maria é esposa de Ruah é ofender a honra e a dignidade de José, o legítimo e único esposo de Maria, estabelecido por Deus como pai adotivo de Jesus: "Tu lhe porás o nome de Jesus". Pôr o nome no filho ou filha era papel legal do pai de família judeu. Portanto, Ruah não poder ser pai, só mãe, por ser feminina. Ademais, sendo o casamento instituição abençoada por Deus desde a criação, não há por que desmerecê-lo, dando a Maria um esposo divino, menosprezando seu legítimo esposo, seu amado José. A teologia maluca que faz Deus Mãe ser esposo de Maria foi concebida por alguém que via Maria como divina e assexuada, e a sexualidade como pecaminosa. Ora, a sexualidade é criação divina, é coisa boa: "Deus contemplou toda a sua obra e viu que tudo era muito bom" Gn 1,31. Não há porque negar a Maria a condição de mulher e esposa humana com desejos normais de mulher: ter vida sexual com José e filhos com ele além de Jesus, sem que isto diminua em nada sua dignidade de Mãe do Redentor. Afinal, ser mãe era uma bênção e o sonho de toda moça judia, mas ser virgem era maldição. Ora, o Filho se fez carne pra ressuscitar, reerguer a condição humana, inclusive a sexualidade, fazendo-nos "participar da natureza divina", elevando-nos à dignidade de filhos e filhas de Deus, irmãos de Jesus, Deus verdadeiro e humano como nós. "Que é o mortal, Javé, para dele te lembrares e o filho de Adão, pra que venhas visitá-lo? Fizeste-o pouco menos que um deus, coroando-o de glória e de beleza" Sl 8,5-6. Jesus fez tudo isto por nós, mediante o sim corajoso e fiel da jovem Maria e o assentimento generoso do jovem José, ambos da descendência abraâmica da fé. Jesus é descendente direto de Abraão através da fé de Maria e José, e realizador da promessa do Patriarca para todos os povos da terra e culturas. Como membros do Corpo de Cristo, somos co-herdeiros da benção de Abraão em Cristo, com Cristo e por Cristo. "A Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, para que a promessa, pela fé em Jesus Cristo, fosse concedida aos que crêem. De modo que os que são pela fé são abençoados juntamente com Abraão, que teve fé. Os que são pela fé são filhos de Abraão. A todos que o receberam, que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, os quais nasceram não do sangue, da vontade da carne ou da vontade do homem, mas de Deus". O cerne da contenda de Jesus com os doutores da Lei era: eles se diziam filhos de Abraão pela sangue e a carne. Jesus queria fazê-los ver que a filiação abraâmica que vale é a da fé. "Responderam-lhe: Nosso pai é Abraão. Jesus lhes disse: Se sois filhos de Abraão, praticai as obras de Abraão. Minha alma glorifica o Senhor, porque socorreu Israel, seu servo, lembrado de sua misericórdia em favor de Abraão e de sua descendência para sempre" Gl 3,7.9.22; Jo 1,12-13; 8,39; Lc 1,46.54.

[1] No princípio do tempo tripartite (chrônos), em cinco dias Deus criou todas as coisas, "as do céu e as da terra, as invisíveis e as visíveis". No sexto dia, criou o homem e a mulher, à sua imagem e semelhança e confiou-lhes o destino de toda a criação. (O numero 6 é símbolo da espécie humana. Um é símbolo de Deus uno; três, símbolo de Deus trino. Como o homem é imagem de Deus, reproduz de maneira semelhante o protótipo trino. Ora, mulher e homem reproduzem 3 por igual. Daí, 3+3 =6. Quatro é símbolo da criação. Daí, 3+4 =7: a totalidade de tudo que existe; 3 x 4=12: Família Divina). Havia harmonia entre o Criador e as criaturas, e Javé as confiaram ao cuidado de Adão e Eva. Um dia, Satanás insinuou aos Protoparentes que a harmonia da criação só interessava a Javé, que temia a concorrência de Adão e Eva, que podiam se tornar deuses como ele. Era só experimentar. Eles caíram na insinuação de Satanás e a criação virou um caos. A história mudaria de rumo: em vez da história da graça, seria a história da desgraça humana. Seria a história de Satanás e seus seguidores, não a história dos filhos de Deus, mediante a fé. Mas, embora decepcionado, Javé interveio e estabeleceu as coordenadas para dar novo rumo à criação decaída, sem tirá-la de todo do domínio do homem e da mulher. Disse primeiro à Serpente que ela não daria as cartas na criação, como pretendia, mas o Criador e Senhor, a quem a Serpente e seus agentes também se submeteriam e seriam derrotados ao final. Por isso, mesmo traído pelo homem e a mulher, Deus ficou do seu lado. Disse a Satanás: "Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre a tua estirpe e a descendência dela". E a Eva: "Farei com que, na gravidez, tenhas grandes sofrimentos; e com dor hás de gerar filhos". E a Adão: "É com fadiga que te alimentarás do solo todos os dias da tua vida. No suor do teu rosto comerás o pão, até voltares ao solo, pois dele foste tirado. Sim, tu és pó e ao pó voltarás" Gn 3,14-19. Assim, apesar das penalidades infligidas à mulher e ao homem, o Criador continuou assistindo-os com o mesmo zelo. Embora os tenha expulsado do Paraíso, "Javé Deus fez para eles túnicas de pele e os vestiu" Gn 3,21. E prometeu o mais importante: apesar da infidelidade, a Descendência da mulher seria vitoriosa no fim e fracassaria o projeto da Serpente e sua descendência de inviabilizar a criação pelos poderes do mal. O Criador não poderia ser desmoralizado, deixando a força do mal destruir a criação. Dadas as coordenadas, Deus caminhava com a humanidade pecadora, dando-lhe oportunidade de reatar a amizade perdida. Suscitou o justo Abel, que, por inveja, foi assassinado por Caim; depois, Noé. E só o mal crescia. Cada dia Javé se decepcionava com o homem e a mulher, a ponto de arrepender-se de havê-los criado e ameaçou destruí-los. "Javé viu o quanto havia crescido a maldade das pessoas na terra e como os projetos de seus corações tendiam unicamente para o mal. Então o Senhor se arrependeu de ter feito o homem na terra e ficou com o coração magoado. E disse: Vou exterminar da face da terra o ser humano que criei e, com eles, os animais, animaizinhos e até as aves do céu, pois estou arrependido de tê-los feito" Gn 6,5-7. Por intercessão do justo Noé, Deus desistiu do seu projeto, dando à humanidade uma nova chance de tomar o rumo traçado pelo Criador. Ordenou que Noé construísse uma arca, nela colocasse sua família e um casal de cada ser vivo. O que ficasse fora da arca seria destruído. Assim foi. Veio o dilúvio e devastou a terra pecadora. Terminado o dilúvio, Noé com seus familiares e demais criaturas voltaram pra terra firme, para recomeçarem uma nova humanidade. Noé ofereceu sacrifício de animais a Javé, que se agradou e prometeu: "Nunca mais tornarei a amaldiçoar a terra por causa da maldade do gênero humano, por serem más desde a infância as inclinações do coração humano; nunca mais tornarei a castigar todos os seres vivos como acabei de fazer. Javé abençoou Noé e seus filhos e lhes disse o que disse a Adão e Eva: Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra" 8,20-22; 9,1. A seguir Javé fez com Noé, os filhos e a criação a aliança do arco-íris, que ratifica a decisão de não mais destruir a humanidade e a criação por dilúvio. Por algumas gerações, os descendentes de Noé viveram em harmonia com o Criador e as criaturas. Mas, a população cresceu e os seres humanos começaram a afastar-se de Deus, organizando a vida longe dele. O símbolo da insensatez foi a Torre de Babel. Deus interveio e criou a confusão das línguas, dispersando os seres humanos por toda a terra (Gn 11), decidido a começar tudo de novo, a partir de um casal de idosos, cuja esposa era estéril. Confiando no seu poder criador, "para o qual nada é impossível", Javé convocou Abrão e Sarai de Ur da Caldéia, para a aventura da Terra Prometida, fazendo uma promessa grandiosa: "Por ti serão benditos todos os clãs da terra" Gn 12,3. Junto ao Carvalho de Mambré, Javé fez a promessa a Abrão: "Darei esta terra a ti e à tua descendência. Tornarei a tua posteridade como a poeira da terra: quem puder contar os grãos de poeira da terra, poderá contar os teus descendentes" Gn 13,15-16. Mas Sarai não engravidava. Um dia, Abrão questionou Javé: "Meu Senhor, Javé, que me darás? Continuo sem filhos: tu não me desta descendência e um dos servos da minha casa será meu herdeiro. Respondeu-lhe Javé: não será esse teu herdeiro, mas alguém saído do teu sangue. Ergue os olhos para o céu e contas as estrelas, se as podes contar. Assim será a tua descendência. Abrão creu em Javé, e isto lhe foi tido por justiça". Mas, "a mulher de Abraão, Sarai, não lhe dera filho. Disse-lhe ela: Vê, eu te peço: Javé não permitiu que eu desse à luz. Toma minha serva Agar. Talvez, por ela eu venha a ter filhos. E Abrão ouviu Sarai" Gn 15,2-6; 16,1-2. Agar engravidou e deu Ismael a Abrão. Javé abençoou Ismael, mas continuou dizendo a Abrão que o filho da promessa não seria Ismael, mas o filho dele com Sarai. "Eu sou El-shaddai, anda na minha presença e sê perfeito. Instituo minha aliança entre mim e ti, e te multiplicarei grandemente. Serás pai de uma multidão de nações. E não mais te chamarás Abrão, mas Abraão, pois faço-te pai de uma multidão de nações. Estabelecerei uma aliança entre mim e ti e tua raça depois de ti, de geração em geração, uma aliança perpétua, para ser o teu Deus e de tua raça depois de ti. A tua mulher Sarai se chamará Sara, porque será mãe de nações. Ela te dará um filho: chamá-lo-ás Isaac; estabelecerei minha aliança com ele, aliança perpétua, para ser seu Deus e de sua raça depois dele. Sara dará à luz no próximo ano. Voltarei a ti no próximo ano; então tua mulher Sara terá um filho. Sara escutava atrás dele, na entrada da tenda. Ora, Abraão e Sara eram velhos, de idade avançada, e Sara deixara de ter o que têm as mulheres. Riu-se Sara no seu íntimo, dizendo: Agora que estou velha e velho também está meu senhor, terei ainda prazer? Mas, disse Javé a Abraão: Por que se ri Sara, dizendo que não terá mais filhos porque está velha? Acaso existe algo impossível para Javé? No próximo ano voltarei a ti e Sara terá um filho" Gn 17,1-6.15-16.19.2l; 18,10-15. Sara engravidou, pariu Isaac, do qual descendem Esaú e seu irmão Jacó, pai das 12 tribos de Israel, origem do povo da antiga aliança, que foi escravo no Egito por 400 anos, depois voltou a Canaã pelas mãos de Moisés e tomou posse da Terra Prometida. Até aqui, as promessas de Javé a Abraão se cumpriram. Menos a principal: "Por ti serão benditos todos os clãs da terra", que se realizará depois de longa caminhada de Javé com o povo rebelde, que não parava de trair seu Deus. Mas um pequeno resto permaneceu fiel à aliança com Javé.

[2] Durante muitos séculos Javé caminhou com os descendentes de Abraão, preparando-os para o cumprimento da promessa principal ao Patriarca, que se concretizará quando começar a descendência da mulher, conforme Javé disse à Serpente depois do pecado original. Neste ínterim, o povo continua rebelde, de cabeça dura feito jerico, fazendo pouco de quem lhe tem dado provas sobejas de amor. Javé se queixava da dureza de coração do povo. "Criei filhos e os fiz crescer, mas se rebelaram contra mim. O jumento conhece a manjedoura do seu senhor, e boi conhece seu dono, mas Israel é incapaz de conhecer, o meu povo não pode entender, se perde por falta de conhecimento" Is 1,2-3; Os 4,6. Por falta de fé, o povo tornou-se aliado dos projetos da Serpente, contrários à descendência da mulher, que é o projeto de Javé. Mas Javé não desiste, mantém a aliança, apesar da infidelidade do povo, porque sabe que um dia verá vitorioso seu projeto de recriar todas as coisas de maneira mais bela que a criação temporal, danificada pela insensatez de Adão e Eva. Será a benção mais extraordinária que restaurará a criação inteira e todos os clãs da terra. Pela boca de Moisés, Javé prometeu: "Suscitarei para eles um profeta como tu, do meio dos seus irmãos. Colocarei minhas palavras em sua boca, e ele lhes comunicará tudo o que eu lhe ordenar. Eis que ponho minhas palavras em tua boca: a quem eu te enviar, irás, o que te ordenar, falarás. Não temas diante deles, pois estou contigo para te salvar. Eu te constituo, neste dia, profeta sobre as nações e reinos, para arrancar e para destruir, exterminar e demolir, construir e plantar" Dt 18,18; Jr 1,7-10. O hagiógrafo tinha o olhar fixado no Profeta por antonomásia, Jesus de Nazaré, um judeu da nata do povo, enviado do Pai para anunciar ao mundo as palavras que ouviu do Pai. "Não falo por mim mesmo, mas o Pai que me enviou prescreveu-me o que dizer e o que falar, e eu sei que seu mandamento é vida. Portanto, falo como o Pai me disse" Jo 12,49-50. O povo vivia na expectativa do novo Moisés, o novo libertador de Israel. O tempo passava e Javé, pela boca dos profetas, educava o povo para receber o restaurador da criação. "Um ramo sairá do tronco de Jessé, um rebento brotará de suas raízes. Sobre ele repousará o Espírito de Javé. Ele não emitirá sentença apenas por ouvir dizer: antes, julgará o fraco com justiça, com equidade pronunciará uma sentença em favor dos pobres da terra. Eis que uma jovem conceberá e dará à luz um filho e lhe porá o nome de Emanuel, que quer dizer Deus-Conosco. Disse Gabriel a Maria: Eis que conceberás no teu seio pela fecundidade de Deus Mãe e a potência do Pai, e darás à luz um filho, que chamarás com o nome de Jesus, porque salvará o seu povo dos seus pecados. Ele será grande. O Santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus. Eis que Isabel, tua parenta, concebeu um filho na velhice, e este é o sexto mês para aquela que chamavam estéril. Porque para Deus nada é impossível. Quando chegou a plenitude do tempo, quando se completaram os dias para o parto, enviou Deus seu Filho, nascido de mulher e Maria deu à luz seu filho primogênito, nascido sob a lei, num corpo de carne como nosso corpo de pecado, condenou o pecado na carne, remiu-nos da escravidão da lei, para que recebêssemos a adoção filial. O Verbo se fez carne e habitou entre nós; vimos a sua glória, glória que ele tem junto ao Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade. Eis a tenda de Deus com os homens. Ele habitará com eles; eles serão seu povo, e ele, Deus-com-eles, será seu Deus". Com o nascimento do Deus-Conosco, o Primogênito da nova criação, inicia-se a descendência da mulher, que, ao mesmo tempo, realiza a bênção de Abraão para todos os clãs da terra. Pois "as promessas foram asseguradas a Abrão e a sua descendência, o Goel Jesus Cristo", nascido da mulher Maria, o qual resgatou da morte "para Deus, homens e mulheres de toda tribo, língua, povo e nação", comunicando-lhes o Espírito Santo, que é a principal bênção para a nova criação. "A bênção de Abraão se estende aos gentios, que, pela fé, também recebem o Espírito prometido" Lc 1, 30-38; 2,6-7; Jo 1,14; Mt 1,21; Is 7,14; 11,1-4; Ap 21,3; Gl 3,16; Rm 8,5. Os descendentes da mulher e herdeiros da benção de Abraão não são apenas os judeus; os gentios de todas as etnias também são descendentes da mulher e herdeiros da bênção de Abraão, configurada na Pessoa de Jesus Cristo, "a descendência corporativa de Abraão. A todos que o recebem, que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, herdeiros da benção de Abraão, pela fé, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade de homem, mas de Deus. E porque sois filhos, enviou Deus aos vossos corações o Espírito do seu Filho que clama Aba, Pai" Jo 1,12; Gl 4,4; Rm 8, 3. 'O começo da existência do Verbo na condição humana constitui o momento decisivo da história da salvação', pois é a realização da promessa central de Javé a Abraão: o resgate de todos os clãs da terra, mediante a fé. Fazendo-se carne, o Filhoassumiu a totalidade do ser humano (constituído de corpo e alma, inseparavelmente unidos na vida e na morte), afetada pela fraqueza que levará à morte. O que o Verbo não assumiu não foi salvo'. Ele assumiu a fraqueza humana para nos libertar do poder do mal e nos dar a dignidade de filho de Deus. "Conheceis a generosidade de nosso Senhor Jesus Cristo que, por causa de vós, se fez pobre, embora fosse rico, para enriquecer-vos com sua pobreza. Ele tem a condição divina, mas não considerou o ser igual a Deus como algo a que apegar-se ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, assumiu a condição de servo, tomando semelhança humana. E, achado em figura de homem, humilhou-se foi obediente até a morte, e morte de cruz" 2 Cor 8,9; Fl 2,6-8. 'Cristo na terra despojou-se voluntariamente da glória e privilégios divinos; quis ser em tudo igual a nós menos no pecado; compartilhar os limites e necessidades, as buscas, dúvidas e incertezas, os sofrimentos da condição humana, até a morte, para nos enriquecer dos privilégios a que renunciara'. O "Fruto bendito do ventre de Maria" realizou de uma vez a promessa do Proto-evangelhos e a promessa feita a Abraão, pai, modelo de fé para judeus, cristãos, muçulmanos. Quando Maria engravidou de Jesus pela fecundidade de Deus Mãe e a potência do Pai, exultou de alegria ao sentir que tinha chegado a hora de Javé cumprir as promessas feitas a Adão e Eva e a Abraão: "Socorreu seu servo, Israel, lembrado de sua misericórdia, conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua descendência, para sempre" Lc 1,55. Qual a promessa de Javé depois do pecado: "Porei hostilidade entre a serpente e a mulher, entre a descendência daquela e a descendência desta". Qual promessa de Javé a Abraão e sua posteridade? "Farei de ti um grande povo, abençoarei o teu nome e te engrandecerei, sê uma benção! Abençoarei quem te abençoar e amaldiçoarei quem te amaldiçoar. Por ti serão benditos todos os clãs da terra: tua descendência será tão numerosa como os grãos de areia da praia e as estrelas do céu". Quem será amaldiçoado? A descendência da Serpente, os ímpios, os infiéis, que não vivem pela fé como os descendentes de Abraão, gerados e "nascidos não da vontade da carne nem da vontade do sangue, nem da vontade do homem, mas de Deus". Maria, que gerou no seu corpo o Primogênito da nova criação pelo poder gerador do Pai e fecundidade de Deus Mãe era uma mulher de fé absoluta como pai Abraão. E todos aqueles que acolhem o Primogênito na fé serão gerados, ipso facto, filhos de Deus por Ruah e o Pai, que, ab eterno, geraram o Unigênito na Trindade imanente e no ventre de Maria na Trindade econômica. Os filhos gerados pela fé são os descendentes da mulher, juntamente com a Descendência de Abraão, Jesus Cristo, herdeiro vicário da bênção de Abraão. Eis o sinal da geração de filhos de Deus pelo poder da fé: quando concebeu Isaac, Sara era velha, estéril e "deixara de ter o que acontece às mulheres" e Maria, biologicamente virgem quando concebeu Jesus. Comparando Maria e Sara, Deus passou sobre a deficiência da natureza e Sara engravidou do marido idoso e teve um filho de gravidez biologicamente impossível. Maria era biologicamente fecunda, mas Deus passou sobre a biologia e fecundou Maria sem relações sexuais com José. "Porque para Deus nada é impossível" Gn 18,14; Lc 1, 37. Isaac é o primogênito de Sara, pedido por Deus em sacrifício, mas salvo da morte. Dele descendem as 12 tribos de Israel, origem do povo da antiga aliança. Jesus, o primogênito de Maria, também foi oferecido em sacrifício pelos pecados do povo. Mas ressuscitou dentre os mortos e confirmou na fé os Doze Apóstolos, sobre os quais construiu o novo povo de Deus. "Estais edificados sobre o fundamento dos Apóstolos e Profetas, cuja pedra angular é Jesus Cristo" Ef 2,20. Assim como de Sara estéril Javé gerou o povo da antiga aliança apoiado na fé absoluta de Abraão, também, por força da fé absoluta de Maria, sem ela conhecer homem, "Deus fez surgir um poderoso Salvador na casa de Davi seu servidor, conforme prometera desde tempos remotos pela boca de seus santos profetas, Salvador que nos liberta dos nossos inimigos e da mão de todos quantos nos odeiam; para fazer misericórdia com nossos pais, lembrado de sua aliança sagrada, do juramento que fez ao nosso pai Abraão" Lc 1,66-73. Através de Maria Deus fez surgir por enxertia mística em, com e por Jesus uma multidão de filhos tão numerosa como as estrelas do céu e os grãos de areia da praia, "de todas as nações, línguas, povos" que há debaixo do céu. A promessa feita a Abraão começou a se cumprir com o nascimento de Isaac de uma mãe idosa e estéril e um pai idoso; a promessa completou-se com o nascimento de Jesus de uma jovem que o gerou em útero sem relações com homem. Tudo para mostrar que a salvação é da iniciativa de Deus e do seu poder criador. Nossa parte na salvação é resposta de fé operante no amor fraterno. Vale notar que, tanto na aparição dos três anjos a Abraão em Mambré, para anunciar a gravidez de Sara, como na aparição de anjo Gabriel a Maria em Nazaré, para anunciar-lhe que ficaria grávida de Jesus, os mensageiros de Deus, ante os questionamentos de Sara: "Murcha como estou, poderei ainda gozar"?, e de Maria: "Como se fará isso, visto que não tenho relações conjugais", usaram expressões que denotam o poder criador de Deus: "Há alguma coisa por demais prodigiosa para o Senhor"?, disse a trindade angélica a Sara. "Para Deus nada é impossível", disse Gabriel a Maria. Mas, nos dois casos, foi a fé inabalável de Abraão e Maria que permitiu a intervenção restauradora de Deus. "Abraão creu e isto lhe foi contado como justiça. Feliz aquela que creu, pois o que lhe foi dito da parte de Deus será cumprido. Só os que crêem são filhos de Abraão, herdeiros da promessa: em ti todos os povos da terra serão abençoados. De modo que os homens de fé são abençoados com a bênção de Abraão, homem de fé. Cristo remiu-nos da maldição da lei fazendo-se por nós maldição, pecado. Assim a bênção de Abraão se estendeu aos gentios, em Cristo e pela fé recebemos o Espírito prometido. Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua Descendência, isto é, a Cristo. Porque sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo, todos sois um só em Cristo Jesus. Ora, se sois de Cristo, então verdadeiramente sois a descendência de Abraão, os herdeiros segundo a promessa" Gn 15,6; Lc 1,45; Gl 3,6-18; 2 Cor 5,21. Desde a encarnação, vida, paixão, morte e ressurreição Jesus eliminou a descendência da Serpente, a maldição que nos ameaçava desde o pecado original, e possibilitou-nos receber a benção de Abraão. A mulher Maria foi mediadora da benção de Abraão, parindo o Primogênito da nova criação, que esmagou a cabeça da Serpente. "O Dragão pôs-se diante da mulher que estava para dar à luz um filho, um varão, que irá reger com cetro de ferro todas as nações. Houve, então, uma batalha no céu: Miguel e os seus anjos guerrearam contra o Dragão. Ele batalhou junto com os seus anjos, mas foi derrotado, e não se encontrou mais um lugar para ele no céu. Foi expulso o grande Dragão, a antiga serpente, o chamado Diabo ou Satanás, sedutor de toda a terra habitada, foi expulso para a terra juntamente com seus anjos maus. Ouvi, então, uma voz forte no céu proclamando: Agora se realizou a salvação, o poder, a realeza do nosso Deus e a autoridade do seu Cristo, por que foi expulso o acusador dos nossos irmãos, aquele que os acusava dia e noite diante do nosso Deus. Mas o venceram pela fé no sangue do Cordeiro. Agora é o julgamento deste mundo, agora o príncipe deste mundo será lançado fora; e quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim. Digno és tu de receber o livro e de abrir seus selos, pois foste imolado e, por teu sangue, resgataste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação" Jo 12,31-32; Ap 5,9; 12,4-5.7-11. Eis aqui desenhado o maravilhoso painel da vitória da descendência da Mulher e o fracasso da descendência da serpente. Jesus Cristo é ao mesmo tempo descendência da mulher e de Abraão, Goel, videira de Javé, cujos ramos somos nós. Como ramos da videira, pedras vivas do novo Templo, membros do Corpo de Cristo, ao gerar Jesus no seu ventre pela fecundidade de Ruah e da potência do Pai, juntamente com ele Maria também gerou todos os clãs da terra. Ipso facto, se tornou a Mãe de Jesus e dos que ele resgatou pela encarnação, vida, paixão, morte e ressurreição, que consumaram a hostilidade entre a descendência da mulher e a descendência da serpente. A Descendência da mulher, o Cordeiro de Deus auto-imolado desde a encarnação esmagou a cabeça da Serpente e da sua descendência. Desde a encarnação, o "Autor da vida" derrotou a Serpente, "autora da morte". A promessa de Javé a Adão e Eva cumpriu-se mediante a fé abraâmica de Maria. A firme fé de Abraão marcou a partida para a realização do Proto-evangelho. A fé de Maria cristalizou a fé de Abraão e ensejou a realização do Proto-evangelho, início da descendência da mulher, da nova criação, que inclui os clãs "de todas as nações, línguas e povos" que há sobre a terra.

[3] Vemos evidente semelhança entre Maria e Abraão em relação à descendência da mulher, que são os que crêem em Jesus e que receberam dele o poder de se tornaram filhos e filhas de Deus, os quais não nasceram da carne e do sangue, mas de Deus, e a diferença de ambos com a descendência carnal de Eva e Adão, descendência da Serpente, os que não crêem em Jesus. Entre as duas descendências não há possível convivência: "A carne tem aspirações contrárias ao espírito e o espírito, à carne. Eles se opõem reciprocamente, de sorte que não fazeis o que quereis. As obras da carne são manifestas: fornicação, libertinagem, impureza, idolatria, ódio, feitiçaria, ciúmes, rixas, ira, discussão, discórdia, divisões, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas: os que as praticam não herdarão o Reino de Deus. O fruto do espírito, porém, é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, mansidão, autodomínio e fidelidade. Os que são de Cristo crucificaram a carne com suas paixões e desejos. Crucificado fui junto com Cristo. Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. Minha presente vida na carne, vivo-a pela fé no Filho de Deus que me amou e por mim se entregou" Gl 2,19-20; 5,17-25. Observe-se que, exceto fornicação e libertinagem, a maioria das obras da carne não se ligam à sexualidade, mas a coisas da mente, a posturas éticas: rixas, ódio, ciúmes, ira, discussões, discórdia, divisões, etc. Quem vive pela fé, segundo valores éticos, vê o mundo e as pessoas de maneira totalmente diferente dos que vivem segundo os desejos da carne, os valores não éticos. A descendência de Abraão veio por Maria e é conduzida por Deus Mãe, mediante a fé. Para Jesus seus irmãos são os que vivem na obediência da fé, os que ouvem sua Palavra e praticam o direito e a justiça, os valores éticos básicos praticados por Abraão e Maria . Por Maria, cumpriu-se a promessa de Javé a Abraão que sua descendência seria tão numerosa como a estrelas do céu e os grãos de areia da praia. A Descendência de Abraão, o primogênito de Maria, "o Cordeiro de Deus foi imolado e, por seu sangue, resgatou pra Deus homens de toda tribo, língua, povo, nação. Fez deles para nosso Deus reis que reinarão sobre a terra e sacerdotes. Além dos cento e quarenta e quatro mil de todas as tribos dos filhos de Israel, vi uma grande multidão, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas". Exatamente o que Javé prometeu a Abraão: "Em ti serão abençoados todas os clãsda terra". A imolação do Cordeiro Divino, Goel da humanidade, prefigurada na imolação de Isaac, realiza plena e satisfatoriamente a promessa abraâmica. Ora, os primeiros filhos de Eva e Adão foram gerados depois da queda; portanto, na condição pecadora do casal. Sendo Adão e Eva os paradigmas da mulher e do homem, desde a origem a humanidade inteira foi gerada na fragilidade da carne. Portanto, os descendentes de Adão e Eva são gerados do sangue, da carne, da vontade humana, não de Deus; gerados no pecado, portanto. Sobretudo os pecados da carne vistos acima não ligados á sexualidade: libertinagem, impureza, idolatria, feitiçaria, ódio, ciúmes, discussões, ira, rixas, discórdia, divisões, invejas, bebedeiras, orgias. Porém, os descendentes de Abraão e Maria "são gerados não do sangue nem da vontade da carne nem da vontade de homem, mas de Deus", e praticam as obras da fé, no sentido acima: alegria, amor, paz, longanimidade, benignidade, bondade, mansidão, fidelidade, autodomínio". A fé é poder de decidirmos se queremos ou não ser filhos e filhas de Deus: "Aos que o acolheram, que crêem em seu Nome, ele deu o poder de tornarem-se filhos de Deus". Filhos do perdão, da justificação, do dom gratuito da vida divina pela fé, que nos faz partícipes da natureza do Primogênito. A salvação dada por Jesus a todos os povos da terra, mediante o Sim de Maria, realizou plenamente a promessa de bênção feita a Abraão. Somos descendentes de Abraão e de Maria pela fé, porque gerados no ventre de Maria juntamente com Jesus pela fecundidade de Ruah e a potência do Pai, mediante a fé absoluta de Maria, que é a mesma de Abraão. Pela fé recebemos os efeitos da vontade salvífica de Deus Trino, revelada na encarnação do Filho. Maria gerou a videira juntamente com os ramos; a Cabeça com os membros do Corpo de Cristo; o Templo santo com as pedras vivas. A Descendência de Abraão e da nova Eva, Jesus, esmagou a cabeça da Serpente em definitivo, destruiu o poder maléfico de Satanás de se apoderar da criação. A Serpente não tem poder de matar o Filho da nova Eva, o Cordeiro que tira o pecado do mundo. No máximo "morderá seu calcanhar", não a Cabeça. Ele impedirá por pouco tempo Jesus de andar entre nós; morto pelo veneno da Serpente, ele ressuscita em três dias e retorna na plenitude da vida, para comunicar aos Doze o poder de continuarem sua obra na terra. De nada adiantará a Serpente envenenar a Descendência de Abraão, o Filho da Nova Eva, tirar o Enviado do Pai do mundo por três dias. Ele retornou ainda mais poderoso, em pleno poder e glória, pela ressurreição dentre os mortos. Ele avisou os Doze: "Ainda um pouco de tempo e já não me vereis; e depois mais um pouco de tempo e tornareis a ver-me. Não falo muito convosco porque vem o príncipe deste mundo. Agora é o julgamento deste mundo e será lançado fora o príncipe deste mundo: ele não tem nenhum poder sobre mim"; tirar-me-á da vossa companhia por pouco tempo'. "Haveis de lamentar-vos, chorar e o mundo se há de alegrar. E havereis de estar tristes, mas a vossa tristeza se transformará em alegria; não vos deixarei órfãos: eu vou e volto a vós; hei de ver-vos outra vez e o vosso coração se alegrará e ninguém vos tirará vossa alegria. Eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo" Jo 12,31-32; 14,19.30; 16,19-20; Mt 28,20. Jesus julgou e condenou a descendência da Serpente à morte no seu corpo esmagado, feito pecado, maldição, vítima de expiação. No mesmo ato, alforriou a Descendência da mulher, os que são gerados filhos e filhas pela fé no sacrifício redentor Cordeiro de Deus na cruz. Equipados com o poder da fé, os filhos de Deus podemos andar sem medo pelo mundo, enviados de Jesus para anunciar ao mundo a vitória do Cordeiro imolado e a derrota da Serpente. Os descendentes da Mulher somos enviados ao mundo para anunciar e viver os valores escatológicos e "ver Satanás cair do céu como um relâmpago", porque Jesus nos "deu o poder de pisar serpentes, escorpiões e todo o poder do Inimigo, e nada poderá vos causar dano" Lc 10,18-19. Munidos da fé, Satanás nenhum poder tem sobre nós. Podemos viver pela fé do modo oposto ao da serpente, sem sermos molestados por ela. A fé é o "escudo, com o qual podemos extinguir os dardos inflamados do Maligno" Ef 6,16. Ele pode nos atacar, mas não nos fará mal. Ele nada pode contra a descendência dos que crêem. A fé é o antídoto contra o veneno da serpente. "No mundo tereis tribulações, mas coragem: eu venci o mundo. Todo o que nasceu de Deus (que crê) vence o mundo. E esta é a vitória que venceu o mundo: a nossa fé" Jo 16,33; 1 Jo 5,4. A descendência da Serpente são os que vivem fora da órbita da fé, longe da justiça e do direito; a descendência da mulher são os que vivem pela fé, praticam o direito e na justiça, levam vida ética e são "gerados filhos de Deus, não pelo sangue e carne, ou pela vontade do homem", mas segundo o mesmo processo de geração do Filho Unigênito na Trindade imanente e do Primogênito no ventre da mulher: a fecundidade de Deus Mãe e a potência do Pai. "Jesus Cristo é descendente de Davi segundo a carne e estabelecido Filho de Deus por sua ressurreição dos mortos segundo o Espírito de santidade. Não temas, Maria! Conceberás um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele libertará seu povo dos seus pecados. Ele se chamará Filho do Altíssimo e o Senhor Deus lhe dará o trono do seu pai Davi. Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim" Rm 1,3; Lc 1,30-35. Jesus disse que sua mãe, irmãos, irmãs são os que o recebem, crêem no seu nome; a estes ele dá poder se tornarem filhos de Deus. "E quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho ao mundo nascido de uma mulher, em carne semelhante à do pecado, para libertar-nos da maldição do pecado e nos conceder a adoção filial, pela infusão em nossos corações do Espírito de santidade do Filho. O Verbo se fez carne e habitou entre nós" Gl 4,4; Rm 8,3; Jo 1,12. Jesus é nascido de mulher, mas é gerado por Deus, tanto na Trindade imanente como no útero de Maria. Mas, nós somos gerados pela vontade da carne e nos tornamos filhos de Deus por enxertia Filho já antes da criação do mundo, ratificada na encarnação e confirmada na ressurreição juntamente conosco segundo o Espírito de santidade, mediante a fé. Sendo Jesus filho de Maria segundo a carne semelhante à nossa, e sendo nós membros do Corpo de Cristo, Maria é também nossa Mãe, pois também mediou nossa adoção filial. Ao gerar Jesus no ventre de Maria pela fecundidade de Ruah e a potência criadora do Pai, cada ser humano foi também gerado filho de Deus com o Primogênito da nova criação. Jesus é a Descendência da mulher conosco e conosco, mediante a fé, esmaga a cabeça da Serpente. No Primogênito o Pai e Ruah amam os filhos pecadores, aos quais o enviaram de preferência. A parcialidade do Pai e Ruah enfurece a Serpente. Enxertados no Redentor, nossos pecados são mortos com ele na cruz, sua santidade nos é comunicada e nos tornamos partícipes da divindade. A prova da santidade dos filhos de Deus é a prática das obras da fé. As obras da lei exibe santidade ritual, sem valor salvífico, pois falta a pureza do coração. Para escândalo dos fariseus, Jesus declara que os impuros legais – publicanos, prostitutas, doentes – entrarão no Reino de Deus diante deles, se crerem nele. A pureza de Maria vinha da fé, não da Lei. "Bem-aventurada é aquela que creu". Sua pureza de corpo é conseqüência, não causa, da sua pureza de coração, cujo amor se dirige só a Javé. Exaltar a virgindade biológica pode significar menosprezo às mães, casadas e solteiras, que 'sujaram' seus corpos com o sexo. Ora a sexualidade é coisa boa e o casamento é instituição divina para a humanidade toda, abençoada pelo Criador. A virgindade biológica não é incentivada ou defendida na Escritura, mas a do coração. "Circuncidai vosso coração, não vosso prepúcio. Tirai vossas imundices de diante dos meus olhos".

[4] Maria é criatura humana cheia da vida divina, mediante a fé. Mas, ela e cada ser humano não chegaram à santidade só pela ação Deus sobre ela, sem ela participar livre e ativamente na santificação. Se assim fora, Maria não teria mérito algum em ser cheia de graça, pois seria favorecida unilateralmente por Deus. Mas não é assim. A santidade é dom divino. Mas Deus não a impõe, propõe à nossa liberdade. "Sede santos, porque Javé vosso Deus é santo. Deus nos criou sem nós, mas não nos salvará sem nós", diz S.to Agostinho. A marca da santidade é a vida ética. Javé é Deus ético, Deus do direito e da justiça, que não tomo o errado pelo certo, o injusto pelo justo. "Cada um de vós respeitará seu pai e sua mãe. Ninguém cometerá roubo, nem usará de falsidade ou de mentira com seu semelhante. Não jurareis falsamente pelo meu nome, pois profanarias o nome do teu Deus. Eu sou Javé. Não oprimirás teu próximo, não o roubarás: o salário do operário não ficará contigo até a manhã seguinte. Não amaldiçoarás um mudo e não porás obstáculo diante de um cego. Não cometerás injustiça no julgamento. Não farás acepção de pessoas em relação ao pobre, não te darás a preferência ao grande. Não serás divulgador de maledicências, nem terás no teu coração ódio pelo teu irmão. Deves repreender o teu compatriota, e assim não terás culpa do pecado. Ama o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou Javé, o Santo no meio de vós" Lv 19,2-3.11-18. Jesus, o Santo de Deus, "fazia tudo bem feito" Mc 7,37. Eis a santidade: fazer tudo bem feito, viver eticamente. A salvação, a presença atuante do Espírito de santidade, a proteção divina nos será dada à medida da nossa abertura livre a ela pela fé,pela incorporar dos valores éticos. Crer é dizer sim à proposta de Deus de partilhar a vida conosco, praticando o direito e a justiça como ele pratica. O Sim de Maria foi uma decisão livre de fé, tomada depois de detalhado diálogo com Arcanjo Gabriel. Só depois que ele explicou-lhe como seria a gravidez, ela disse sim, pôs-se inteiramente à disposição de Javé. "Eu sou a serva de Javé, faça-se em mim segundo a tua palavra" Lc 1,38. A serva é parceira da aliança, a cujos termos tanto ela quanto Deus submetem-se. Permanecer fiel à aliança é levar vida ética como Javé. Quando o povo traia a aliança, Javé ficava fiel a ela, em respeito ao seu Nome santo. "Desprezaste um juramento imprecatório e violaste uma aliança. Contudo, me lembrarei da aliança que fiz contigo na tua juventude e estabelecerei contigo uma aliança eterna. Então vos lembrareis dos vossos maus caminhos e das vossas más ações, e sentireis asco de vós mesmos em virtude das vossas abominações e maldades. Não é em consideração a vós que estou agindo assim, mas sim por causa do meu santo nome que vós profanastes. Sabei-o e envergonhai-vos. Borrifarei água sobre vós e ficareis puros, sim, purificar-vos-eis de todas as vossas imundícies e de todos vossos ídolos imundos. Dar-vos-ei um coração novo, porei no vosso íntimo um espírito novo, tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne, e farei com que andeis de acordo com os meus estatutos e guardeis as minhas normas e as pratiqueis. Sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus" Ez 16,59-60; 36,22.25-28.32. Maria é fiel à aliança, sabe que foi purificada pelo sangue do Cordeiro antes da função do mundo, antes que fosse gerada sem pecado por Ana e Joaquim. Não quer dizer que a relação sexual de Joaquim e Ana que gerou Maria foi sem pecado, diferentemente das relações sexuais de outros casais, que seriam pecaminosas. De forma alguma. Deus fez homem e mulher sexuados, abençoou a sexualidade e é saudável a relação entre homem e mulher. Daí, a relação sexual que gerou Maria foi igual a qualquer outra. A diferença está na fé dos seus pais. Maria foi concebida por pais que tinham uma fé absoluta, vida santa, vida ética. A menina Maria foi gestada, nasceu e foi criada em ambiente ético, santo. Por isso cresceu com uma fé robusta que a fez a cheia de graça, a Mãe de Deus, Virgem. Maria foi gerada sem pecado como qualquer um de nós que acolhe Jesus na fé: "não somos gerados do sangue, nem da vontade da carne, ou da vontade de homem, mas de Deus" Jo 1, 13. A geração no Espírito exige a participação de fé de quem é gerado filho ou filha de Deus. Por isso, Maria participou ativamente para chegar ao nível de fé a que chegou. Deus a fez cheia de graça com a participação dela, não apesar dela. Isabel confirma isto: "Feliz aquela que creu, porque da parte do Senhor serão realizadas todas as coisas que lhe foram ditas". Crer é uma decisão de cada um de aceitar a proposta ética de Deus. Era assim a fé de Maria. Ela é a cheia de graça porque tem fé absoluta e Deus não encontrou nela resistência para comunicar-lhe sua santidade e gerar seu Filho nela, "não do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade de homem, mas de Deus". A abertura total de Maria à graça permitiu a Deus divinizá-la e torná-la Mãe de Deus, pela geração do Filho Unigênito no seu ventre, "a fim de que obtivéssemos a adoção filial", tanto em relação ao Pai, como em relação a Maria. A encarnação também dependeu da decisão livre do Unigênito de tomar um corpo como o nosso. "Não quiseste sacrifício e oferenda. Porém, formaste-me um corpo. Por isso eu disse: eis-me aqui, Deus, vim para fazer tua vontade. Graças a esta vontade, somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas" Hb 10,5.7.10. Santificados por enxertia em Jesus, o Santo. Como ele assumiu a condição humana na qualidade de Goel, Redentor vicário da humanidade, ao ser gerado no ventre de Maria pelo poder fecundante de Deus Mãe e a potência de Deus Pai, toda a humanidade foi gerada e santificada nele, com ele, por ele. Por analogia de fé, se um encarnou-se por todos, todos se encarnaram com ele, por ele, nele; "se um morreu por todos, todos morreram com ele; se um ressuscitou por todos, todos ressuscitaram com ele". Por causa da fé absoluta de Maria, ela pertencia só a Deus. Por isso era cheia de graça, Mãe de Deus e Virgem, porque não se prostituiu com outros deuses, cujo coração ama o único Deus. Virgem porque realizou o primeiro mandamento: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças". Isto é: entregar-te-ás totalmente a ele, que te cumulará de graça: serás cheia-de-graça. Por isso Maria exulta: "Minha alma engrandece Javé, exulta meu espírito em Deus meu Salvador, porque olhou para a humildade de sua serva. Doravante todas as gerações me proclamarão feliz". A virgindade de Maria, antes de ser do corpo, é do coração, independentemente dela ter ou não relações sexuais. É por isso que ela permaneceu Virgem antes, durante e depois do parto. E se tivesse tido filhos além de Jesus, ela permaneceria virgem, fiel a Javé por toda a vida. Pois ter filhos é sinal de bênção, não de maldição. Erigir a virgindade biológica como modelo de santidade é menosprezar a vocação universal da mulher à maternidade. A virgindade de Mãe é teologal, válida para celibatários e casados que vivem os valores éticos. Alguém pode ser celibatário e prostituto, se não tem vida ética; ou pode ser casado e virgem, se entregou a vida a Deus pela fé. A fé faz-nos mães de nós mesmos e virgens, assim como a fé de Maria a fez Mãe de Jesus, antes que Virgem Maria. Quando Gabriel a saudou: "Olá, cheia de graça" foi o mesmo que dizer: "Olá, tu que tens fé absoluta, que estás grávida, que és Mãe de Deus". A fé nos engravida de Deus, gera-nos filhos e filhas de Deus: "a todos que o receberam, que crêem em seu nome, ele deu o poder de se tornarem filhos de Deus. Porque sois filhos, Deus enviou aos vossos corações o Espírito de santidade filial, que clama: Aba, Pai" Jo 1,12; Gl 4, 6. Maria é grande, não por ser Virgem, mas por ser Mãe. Dissemos sim a Deus na fé, com, em, por Cristo, e fomos gerados filhos seus e de Maria com Jesus no ventre dela. "Quando chegou a plenitude do tempo enviou Deus seu Filho, nascido de uma mulher, a fim de que recebêssemos a adoção filial" Gl 4,4; Jo 1,13. Adoção em relação a Ruah, ao Pai, a Maria. O fundamento da maternidade universal de Maria está na nossa enxertia no Corpo de Jesus, quando foi gerado no ventre de Maria.

[5] Natal é o aniversário do Menino Deus, que veio trazer luz e vida nova para a humanidade imersa nas trevas do abandono, do desprezo dos poderosos, da desilusão, da falta de rumo e esperança. Ao nascer em corpo humano, Jesus Menino, "no qual está corporalmente presente a plenitude da divindade", veio viver conosco, experimentar nosso sofrido existir. O Menino Jesus o povo sabe quem é: é Deus-Conosco, gente da gente. Todo ano o povo fica feliz por comemorar o aniversário do irmãozinho santo, Jesus Menino. Porém, mais que o aniversário de Jesus, Natal é a memória, anamnesis, a atualização pela fé da presença do Deus-Conosco. Presença tão real que podemos dizer: "Nasceu-nos hoje um Menino, um Filho nos foi doado". Hoje Jesus nasce para cada um que crê nele. Hoje que nunca será passado, pois é o eterno presente, a presença continuada de Deus com seu povo. Presente kairológico, não cronológico que se esvai, torna-se passado sem cessar e corrói o futuro. O kairós é a presença permanente e atuante de Deus conosco. Por isso se diz: nasceu-nos hoje um Menino. Podemos dizer cada dia: Hoje Jesus nasceu para mim, está comigo. Jesus mesmo diz: "Estou convosco todos os dias até o fim dos séculos". Ter Deus conosco é o motivo da festa do Natal, de todo o período natalino, que inicia com quatro semanas preparatórias do Advento, culmina no Dia do Natal, que é seguido de cerca de quinze a 20 dias de celebrações em homenagem ao Menino Jesus, que é a presença definitiva do eterno no efêmero, do kairós no chrônos. O período natalino se estende até 13 de Janeiro, no máximo, e se encerra com o batismo penitencial vicário de Jesus no Rio Jordão pelas mãos do primo João Batista. Natal é a festa dos pobres, materiais e em espírito; para eles preferencialmente Jesus veio. A riqueza dos pobres é o Menino Jesus, que, "sendo rico se fez pobre, para enriquecer-nos com sua pobreza" 2 Cor 8, 9. Os pobres ficam felizes porque o Menino Jesus é deles, traz vida e companhia para apátridas, órfãos e viúvas; traz paz para os atribulados; repouso para os cansados; esperança para os desiludidos da vida. "Eu vim para todos tenham vida, a tenham em abundância. Vinde a mim vós todos que estais atribulados e vergados sob o peso do vosso fardo, eu vos aliviarei. Tomai sobre vós meu jugo, porque meu peso é suave e meu fardo é leve e encontrareis repouso para vossas cansadas vidas". Este é o espírito do Natal: a Família trinitária vem se juntar à família humana e fazer do Corpo de Jesus com seus membros a nova shekiná de Deus entre nós. Jesus Menino é mais que um Presente do Céu à Terra: é a Presença de Deus entre nós, iluminando as trevas da nossas sem vida, reavivando nossas esmaecidas esperanças. O Natal de Jesus é vida que não acaba, que continua dia a dia do ano durante todo o ano. Alvíssaras ao Menino Jesus!

Natal é, portanto, a revelação em Pessoa da misericórdia de Deus com os pecadores. Não satisfeito com a criação do ser humano à sua imagem e semelhança, sem considerar a traição de Adão e Eva, o Criador decidiu assumir a natureza humana, viver como nós, para divinizar-nos e fazer-nos "participantes da natureza divina" 1 Pd 1,4. A união da natureza divina com a natureza humana em Jesus Cristo chama-se união hipostática (hipóstasis = natureza). União indissolúvel, mas sem se fusão: a natureza divina não absorve a humana e a natureza humana não perde a identidade. Apesar de inseparavelmente unidas, uma e outra fica intacta, guarda suas propriedades substanciais: o homem permanece homem, Deus permanece Deus por inteiro na Pessoa de Jesus Cristo. Ao assumir a natureza humana, Jesus permanece Deus, com a mesma natureza do Pai e de Deus Mãe, e homem, com natureza igual à nossa, na qual experimenta toda a fragilidade da condição humana. "Jesus, embora seja de condição divina, aprendeu a obediência filial pelo sofrimento. Tendo ele mesmo sofrido pela tentação, é capaz de socorrer os que são tentados" Fl 2,6; Hb 2,18; 6,8. Por outro lado, unida indissoluvelmente à natureza divina, a natureza humana é deificada. Sendo o Goel da humanidade, ao encarnar-se em Maria, Jesus incorpora-nos, enxerta-nos no seu Corpo, comunica-nos a natureza divina. Unidos à Pessoa do Filho de Deus humanado, tornamo-nos filhos no Filhos, divinizados por ele. É como se Ruah e o Pai, por amar-nos com o amor devotado ao Primogênito, tivessem voltado atrás e revogado a pena contra Adão e Eva pela ousadia de "ser como deuses" Gn 3, 4, e decidido divinizar-nos, deificar-nos, fazer-nos "como deuses". Deificação não imposta ou automática, mas mediante o acolhimento livre pela fé. Cada um precisa querer ser adotado filho de Deus: "a todos que receberam Jesus, que crêem em seu nome, ele deu o poder de se tornarem filhos de Deus, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus" Jo 1,12-13. Geneticamente, os filhos têm o mesmo DNA, a dos pais, sejam humanos ou de outras espécies. Por isso, o homem e a mulher, imagem e semelhança do Criador, trazem no DNA as características do divino, pois a imagem reproduz pontualmente as características do Original, embora de maneira semelhante. Pela fé, o DNA, a genética da carne é substituída pela genética, pelo DNA do Espírito. Fazendo-nos nascer do Espírito Santo, a fé nos faz participar da natureza divina, ter a mesma substância, qualidades substanciais, o DNA do Criador. As propriedades substanciais do Criador, gravadas pela fé no DNA humano como um selo indelével são a sensibilidade, a imaginação, a inteligência, a criatividade, o livre arbítrio, o sentimento com a escala de valores éticos, noéticos e estéticos, conaturais ao Criador, a saber: "amor, alegria, longanimidade, paz, benignidade, fidelidade, bondade, mansidão, autodomínio e tudo que é verdadeiro, digno de respeito, justo, amável ou honroso, tudo o que é virtude ou louvável" Gl 6,23; Fl 4,8. A prática desses valores reflete em nós a imagem do Criador e nos faz semelhantes a ele, éticos como ele é ético, santos como ele é santo. Por trazermos em nós as características substanciais do DNA divino, Jesus, a Imagem visível do Deus invisível, se reconhece em cada um de nós e "não se envergonha de chamar-nos seus irmãos: O que fizerdes ou deixardes de fazer ao menor dos meus irmãos, a mim o fazeis ou deixais de fazer" Hb 2,11; Mt 25,31-46. Jesus reconhece um irmão em cada ser humano, por reconhecer nele o próprio DNA. Ao tornar-se o Primogênito da nova criação pela encarnação e ressurreição, Jesus reproduz de maneira visível as características invisíveis da SS. Trindade, que só ele conhecia antes da encarnação. Encarnando-se, revelou o mistério da natureza divina. "Ninguém jamais viu Deus, o Filho único, que vive na intimidade do Pai, o viu e o deu a conhecer" Jo 1,18. O que Jesus deu a conhecer do que viu pessoalmente de Deus? Ele o revela em sua Pessoa. "Ele é Imagem do Deus invisível, a expressão do seu ser. Eu, o Pai e Deus Mãe somos um: Quem me vê, vê o Pai e Ruah" Hb 1,3; Jo 10,30; 14,9. O Primogênito da nova criação, consubstancial ao Pai e a Ruah, manifesta em sua Pessoa e atos, de maneira palpável, as propriedades substanciais, o DNA do Pai e de Ruah relatadas acima. Agora sabemos quem e Deus é: Basta olhar para Jesus. O Pai e Ruah são substancialmente misericordiosos, como espelhado nos atos, atitudes, palavras de Jesus: sede misericordiosos como o Pai é misericordioso, sede santos porque eu, Javé sou santo"; isto é, manifestai em vossas palavras, atos e atitudes o DNA divino que trazeis em vós. Pela fé, as palavras, atos, atitudes dos irmãos de Jesus são teândricos como são os de Jesus, "pois tanto o Santificador, quanto os santificados, todos procedem de um só", do Pai misericordioso e da Consoladora Ruah; ele por conaturalidade, os irmãos, por participação na sua divindade, não, porém, com menor eficiência. Quer dizer, Jesus não só nos revela os mistérios da SS. Trindade na própria Pessoa, mas fez-nos participar da vida plena que mana da natureza divina, em três fases: quando fomos gerados nele filhos e filhas do Pai e de Ruah na criação intratrinitária; quando fomos feitos à imagem e semelhança de Deus; quando fomos recriados na encarnação em Maria por enxertia no Primogênito. Na novíssima criação, em virtude da união hipostática, união da natureza humana com natureza divina, o Criador se uniu tão profundamente a nós que divinizou-nos, fez-nos "como deuses", com a mesma substância e DNA de Deus Trino. Ipso facto, comunicou-nos o poder de Deus, mediante a fé. "Quem crê em mim faz as obras que eu faço; faz até maiores" Jo 14,12. Só Deus pode fazer o que Jesus faz, diziam os judeus extasiados com as maravilhas que ele fazia. Tornando-nos filhos de Deus pela fé, Jesus nos capacita a fazer coisas que só ele faz: gerar filhos de Deus pelo anúncio da Palavra, expulsar demônios, fazer milagres, curar enfermos, ressuscitar mortos, falar novas línguas. "Nossa capacidade vem de Deus, que opera em nós o querer e o executar, segundo seu beneplácito. Através de nós é Deus mesmo vos exorta" 2 Cor 3,5; 5,20; Fl 2,13. Nossas capacidades são os dons carreados por nosso DNA, efetivados no exercício da fé. "Há diversidade de dons, de modos de ação, mas é o mesmo Espírito que realiza tudo em todos. Cada um recebe o dom do Espírito para a utilidade de todos. A um o Espírito dá o dom da fé..." 1 Cor 12,4-11.

[6] Está explicado porque, desde a criação, Deus Trino cuida de suas criaturas, especialmente do homem e da mulher, em quem o Criador vê sua imagem e semelhança. Explica-se também porque o Criador quis fazer a experiência de ser criatura na Pessoa do Verbo encarnado, que encabeçou a nova criação como o Primogênito de toda criatura. No Primogênito, "em quem habita corporalmente a plenitude da divindade", Deus Trino vê espelhada a natureza divina: "Batizado, Jesus subiu imediatamente da água, logo os céus se abriram e Ruah desceu sobre ele em forma corporal, como pomba. Ao mesmo tempo, uma voz vinda do céu dizia: Este é o meu Filho amado, eu hoje te gerei, em ti comprazo-me: escutai-o" Mt 3,16-17; 17,5; Lc 3,21-22. Nele, a Família Divina vê espelhada, não mais a semelhança, mas a criatura perfeita, "a expressão perfeita do seu ser, Imagem do Deus invisível", presente em plenitude no corpo do Primogênito. Na anunciação, Gabriel disse a Maria: "O filho que parirás é o Filho de Deus"; aos pastores: "Anuncio-vos grande alegria, que será também para todo o povo: na cidade de Davi, nasceu hoje para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor. Encontrareis um recém-nascido envolto em faixas deitado numa manjedoura. Os magos viram o menino com Maria, sua mãe, e prostrando-se diante dele, o adoraram" Mt 2,1-11; Lc 2,8-14. No Menino Jesus o Criador se tornou palpável. No Getsêmani, "Jesus orava ao Pai que afastasse os tormentos iminentes, mas que se fizesse a vontade do Pai, não a dele. Cheio de angústia, com uma tristeza mortal, orava com mais insistência ainda, o suor se lhe tornou semelhante a espessas gotas de sangue que caíam por terra. Que direi? Pai, livra-me desta hora? Mas foi precisamente para este hora que eu vim. Pai, glorifica teu Nome. Veio uma voz do céu: Eu já o glorifiquei e o glorificarei de novo" Lc 22,41-44. Ao ver Jesus crucificado perdoando os algozes, o centurião romano exclamou: "Este homem é verdadeiramente Filho de Deus" Mt 27,54. O Original divino vê-se refletido na sua Imagem perfeita e nas imagens e semelhanças, divinizados por enxertia com, em, por Cristo. Por isso cuida de suas criaturas com tanto zelo. Particularmente dos filhos e filhas divinizados pela fé. "É inútil madrugar, deitar tarde, comer um pão ganho com suor, se Deus o dá ao amado enquanto dorme. Por isso, digo-vos: Não vivais preocupados quanto à vossa vida, com o que comer ou beber, nem com o que vestir, quanto ao vosso corpo. Afinal a vida não é mais que o alimento e o corpo, mais que a roupa? Olhai os pássaros do céu: não semeiam, não colhem, não guardam em celeiros. No entanto, o vosso Pai celeste as alimenta. Não valeis vós mais que eles? Por que ficais preocupados com a roupa? Olhai como crescem os lírios do campo. Não trabalham nem fiam. No entanto, digo-vos: nem Salomão, em toda a sua glória, vestiu-se como um só dentre eles. Se Deus veste assim a erva do campo, que hoje está aí e amanhã é lançada ao fogo, não fará muito mais por vós, gente de pouca fé? Portanto, não vivais preocupados com o que beber, comer ou vestir. Os pagãos é que vivem procurando todas essas coisas. Vosso Pai sabe que precisais de tudo isto. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas. Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá sua própria preocupação! A cada dia basta seu mal. Javé não deixará teu pé vacilar. Meu Pai trabalha sempre, e eu também. Deus que te guarda não dorme, não cochila o vigia de Israel, que te livrará do laço do caçador e da peste funesta; cobrir-te-á com suas penas, sob suas asas encontrarás refúgio. Não temerás os terrores da noite nem a flecha que voa de dia, nem a peste que vagueia nas trevas, ou a epidemia que devasta o meio dia. Pois teu refúgio é Javé; fizeste do Altíssimo tua morada. Não poderá fazer-te mal a desgraça, praga alguma cairá sobre tua tenda. Caminharás sobre a cobra e a víbora, pisarás sobre leões e dragões. Salvá-lo-ei porque a mim se confiou; exaltá-lo-ei, pois conhece meu nome. Ele me invocará e lhe darei resposta; na desgraça estarei perto dele, vou salvá-lo e torná-lo glorioso" Jo 5,17; Sl 90 (91); 120 (121),3-4. Javé não abandona suas criaturas e filhos nem na desgraça. Deus acompanhava Eva e Adão na rotina do Jardim do Éden. Estavam tão habituados com a companhia amiga do Criador que no dia em que o traíram, ao "ouvirem o passo de Javé que passeava à brisa do dia, Adão e Eva esconderam-se da Presença de Javé Deus entre as árvores do Jardim" Gn 3,8. Mas, a traição do homem e da mulher não impediu Javé e continuar assistindo-os com o mesmo desvelo. Embora tenha-os expulsado do Paraíso, "Javé fez para eles túnicas de pele e os vestiu" Gn 3,8-11.21. Depois anunciou o mais importante: o fracasso do projeto da serpente e descendência de inviabilizar a criação, mas a vitória seria da descendência da mulher. Seria uma desmoralização o Criador deixar o mal destruir a criação. Javé inicia a cumprir o Proto-evangelho ao convocar Abraão para a caminhada da fé. A fé na Palavra de Javé é a nova justiça, oferecida e garantida por ele e apossada pelo ser humano pela adesão e aceitação da aliança que Javé fará com ele. A partir de Abraão, a tornou-se a mediação única da relação santificante do homem com Deus. A santidade primeva de Adão e Eva, criados ontológica e eticamente perfeitos e corrompidos pelo pecado original, se obterá doravante com a participação livre deles na santificação pela fé. Fé explícita, manifestada nas celebrações litúrgicas, sobretudo fé implícita, traduzida em conduta ética. Abraão é o exemplo perfeito da nova atitude do homem e da mulher com Deus. Ele é o modelo da pessoa de fé, seja judeu, cristão, muçulmano; o paradigma da justificação pela fé, "operante no amor" ao próximo e a Deus, sancionado por boas obras (Cf. Gl 5,6; Tg 2,14-26; 1 Jo 3,23-24; Mt 25,31-46). Com Jesus tornou-se explícita, em definitivo, a conduta de fé do ser humano em relação a Deus e ao próximo. "Sem fé, é impossível agradar a Deus" Hb 11. Jesus é o herdeiro, a descendência corporativa da fé de Abraão. Por isso, a genealogia mateana de Jesus começa com Abraão, o paradigma da fé de judeu e gentio. "Abraão gerou Isaac..., Jacó gerou José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus" Mt 1,1-16. Maria é o elo entre o Proto-evangelho e as promessas abraâmicas. Jesus é o Primogênito e a Descendência corporativa de Maria, a nova Eva, cuja fé remonta a Abraão. No Magnificat ela diz: "Minha alma engrandece o Senhor, meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque lembrou-se de sua misericórdia, prometida a nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência para sempre" Lc 1,47.55. "Jesus Cristo é a Descendência de Abraão" Gl 3,16. Ele integra a mesma linhagem de fé de Samuel, Davi, Isaías, Jeremias, Habacuc, Dani-el, Zacarias, Joel, José, Maria, a mãe de Jesus. Portanto, não o indivíduo, mas o Goel Jesus corporifica em sua Pessoa todos os clãs da terra herdeiras da bênção de Abraão, incluindo os seres não humanos, o mundo material e o insondável universo sideral. O Deus de Jesus, o rosto misericordioso do Pai revelado por Jesus é o mesmo rosto do Deus de Abraão, Isaac e Jacó. Por isso, quem crê em Jesus, crê no Deus dos Patriarcas e Profetas. "Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso. Sede santos, porque o Senhor vosso Deus é santo. Sede perfeitos como vosso Pai é perfeito. Javé, Javé, Deus de compaixão e piedade, lento para a cólera e cheio de amor e fidelidade" Lc 6,36; Ex 36,6; Lv 19,2; Mt 5,48. O rosto compassivo do Deus dos Patriarcas e Profetas, de Jesus Cristo e de todos que cremos no Enviado do Pai, é revelado na parábola do filho pródigo e da velha perdida (Lc 15). Os Patriarcas e Profetas, o Salmista abundantemente falam da misericórdia de Javé. Jesus ratifica os ancestrais da fé. "Muitas vezes e de muitas maneiras falou Deus outrora aos nossos pais pelos profetas; nestes dias, que são os últimos, ele falou-nos por meio do seu Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual criou o universo. Ele é o esplendor de sua glória, a expressão do seu ser, a Imagem do Deus invisível, pois no seu corpo "habita corporalmente toda a plenitude da divindade. Quem me vê, vê o Pai. Quem crê em mim, não é em mim que crê, mas em quem me enviou, e quem me vê, vê aquele que me enviou. Eu e o Pai somos um. Eu estou no Pai e o Pai está em mim. Falo o que vi junto do meu Pai. Falo como ele me ensinou. Já não vos chamo servos, mas amigos, pois tudo que ouvi do meu Pai, dei-vos a conhecer. Quem é de Deus ouve as palavras de Deus; quem não é de Deus não ouve as palavras de Deus" Hb 1,1-3; Jo 8,28.38.47; 10,30; 12,44; 14,9.11; 15,15.

CONCLUSÃO

Ao entrar na humanidade em corpo de carne semelhante ao nosso corpo pecador, com rosto humano como nosso, tendo emoções, alegrando-se, sofrendo como nós, Deus quis mostrar o quanto nos ama e como nos ama. Não apenas quis que nossas relações com ele fossem de fé, mas quis ser como nós, caminhar conosco, ensinar novo jeito de ser e viver. Não só ensinou o caminho, Jesus mesmo se fez o Caminho verdadeiro do viver humano decente, ético. Não é apenas Deus-Conosco, mas é Caminho para sermos santos como ele é santo. A verdade que buscamos para vivermos eticamente está no seguir Jesus. "Eu sou o Caminho, ninguém vai ao Pai a não ser por mim. Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração". Esta é a Verdade. Andando nela teremos a Vida. Aqui recomeça a história humana, novo rumo para a criação perdida nos descaminhos da liberdade humana sem juízo, pafiosa, sem fé em Deus. A encarnação do Verbo inaugurou o novo tempo da humanidade e a criação. Vivemos no Reino de Deus, pela fé. Na perspectiva encarnatória, com a entrada do eterno na história, o tempo secionado tripartite – passado, presente e futuro – o chrônos acabou. O tempo agora é Kairós, eterno presente, presença permanente de Deus conosco: "Eu sou aquele-que-é, o mesmo hoje, ontem, amanhã, sempre". Continua o chrônos, pois a entrada de Deus na história não altera as leis do universo. Todavia, a maneira de viver o tempo mudou substancialmente. Vivemos no chrônos, fazemos e dizemos tudo segundo o tempo do relógio, mas o parâmetro é o 'kairós', porque vivemos pela fé valores ligados aos mistérios do Reino revelados pelo Primogênito da nova criação, valores éticos que se opõem aos desvalores do mundo. Porque Deus é conosco, passado deixa de ser saudade que dói e se torna solidária com os irmãos e confiança na fidelidade de Deus, pois "Eu sou aquele-que-é", estou convosco hoje, aqui e agora; o futuro deixa de ser espera incerta, e se torna jovial esperança, pois "Eu sou aquele-que-é", convosco hoje; o presente não é mais opressão egoísta, mas amor que perdoa, porque "Eu sou aquele-que-é". Porque "Javé é", o que era, é; o que será, é; o que é, é. Porque "Javé é", o veneno mortífero do chrônos foi debelado pela plenitude de vida do kairós. "Eu sou a luz, a vida, a verdade, o caminho, o perdão, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, o pão da vida, a ressurreição, a eternidade no tempo, o futuro no presente". Novos tempos, tempo de Deus-Conosco que, como uma água refrescante, mata a sede dos sedentos de todas as sedes; tira o medo, o ódio, o pessimismo, comodismo, preguiça do coração. Se Deus é conosco, podemos tudo, quaisquer que sejam as conseqüências; porque Deus é, irei à luta sem temer o fracasso; porque Deus é, não temo a morte. "Se vos possuo no céu e nesta vida, que mais posso desejar neste mundo? Estarei sempre convosco, porque vós me tomastes pela mão. Vossos desígnios me conduzirão e, por fim, na glória me acolhereis. Afora vós, o que há para mim no céu? Se vos possuo, nada mais me atrai na terra. Meu coração e minha carne podem até desfalecer. A Rocha do meu coração e minha herança é Javé" Sl 72 (73),23-28. A Presença Deus no mundo alivia os fardos humanos, que o Cordeiro toma nos ombros. "Se o Senhor está comigo nada temo. O que pode contra mim um ser humano? Posso tudo naquele que me fortalece. Se Deus é por nós quem será contra nós"? Fl 4,13; Rm 8,31. Novos tempos da coragem dos filhos da luz. "Recebeste o Espírito de coragem, não de temor". Coragem cujo nome é fé firme e amor que constrói o Reino da Descendência da Mulher, Mãe do Rei dos reis, intercessora com o Intercessor único, Jesus Cristo. Vale a pena crer, sermos descendentes da Mulher, herdeiros da Descendência abraâmica, Jesus Cristo, de cujo Corpo santo cada pessoa de fé é membro ativo. Viver esta realidade pela fé é viver como vitorioso descendente com a Descendência abraâmica, gerado e nascido da Mãe Maria juntamente com Jesus, e em, com, por Cristo, pela fé, esmagar a cabeça da Serpente e fazer valerem os valores do Reino, a realeza do Rei Jesus, Senhor dos senhores, que submeteu ao seu poder todas as coisas na terra e no céu. O príncipe das trevas, da morte nenhum poder tem mais sobre aquele que crê no Príncipe da luz, da vida.


Autor: Geraldo Barboza de Carvalho


Artigos Relacionados


Salva��o - Somos Salvos Pela Gra�a!

Para O Dia Das M�es - Ser M�e

Falta Deus No Cora��o

Deus Promove O Marido E A Esposa

Tu �s...

Chaves Espirituais

Sobre Homossexualismo, Voc� Sabia?