José Sarney é poeta



Uma crise medonha, de índole moral, inferniza a vida do Senado; mas a crise prefere infernizar a vida de José Sarney, que se destaca no rol das falcatruas. Como José Sarney preside o Senado e rufa tambores ao Governo, divide com este o pão que o diabo amassou. No calor da refrega, o Presidente Lula encarregou-se pessoalmente de refrescar o seu poderoso aliado, proferindo este discurso, lacônico e fraterno : "O Sarney tem história no Brasil suficiente, sabe, pra que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum..."

Reputa-se compreensível, pelas razões expostas, o tom fraterno da fala presidencial. No entanto, foi preciso consultar a biografia de José Sarney, para conhecer as virtudes históricas que fazem dele uma pessoa incomum, e o colocam a salvo de questionamentos morais.

A biografia mostra que José Sarney bate às portas da história, conduzido não apenas pela política, mas também pela mão concomitante da poesia.

Como político ostenta os títulos de Deputado Federal, Governador do Maranhão, Senador pelo Maranhão, Vice-Presidente da República, Presidente da República, Senador pelo Amapá. Atualmente preside o Senado.

Como poeta, ganhou fama com "Marimbondos de Fogo" e ocupa aCadeira nº 38,da Academia Brasileira de Letras, eleito em 17 de julho de 1980, na sucessão de José Américo de Almeida e recebido em 6 de novembro de 1980 pelo Acadêmico Josué Montello".

O bom senso nos proíbe de afirmar que a avaliação do Presidente Lula considerou o segmento poético da biografia de José Sarney, ao pleitear para ele o tratamento diferenciado de pessoa incomum, habilitado a priori ao benefício da insuspeição moral. Todavia, o mesmo bom senso aconselha a admitir que o segmento artístico da biografia influiu ponderavelmente na avaliação do Presidente.

Isto porque no Brasil de hoje articula-se com muita dificuldade o entendimento de que uma pessoa possa considerar-se incomum apenas por seu currículo político,a não serem sentido pejorativo.

A imagem dos políticos, de um modo geral, está muito bem desenhada na noção de que "um político não nasceu para definir", conforme recolho em Ortega y Gasset, assim como na sentença inglesa de que "em política, definir é trair".

A regalia de pessoa incomum pleiteada pelo Presidente Lula não se sustentaria, portanto, apenas no segmento político da biografia de José Sarney.

Incomuns são os poetas. Os poetas, sim, navegam por mares desimpedidos, bem longe dos arrecifes morais. Além de filosoficamente enquadrado, este postulado recebeu consagração definitiva neste verso de Fernando Pessoa: "o poeta é um fingidor".

Ora, José Sarney é poeta. Não um simples poeta, mas um poeta composto, um poeta de fato e de direito.

Aliás, José Sarney nunca escondeu de ninguém a facilidade com que transita do político para o poético, e vice-versa. O povo é que, ao que tudo indica, nunca prestou atenção.

Eram os tempos tumultuados de hiperinflação. José Sarney, na Presidência da República, à guisa de debelar a crise, compôs de improviso um dos seus mais comoventes poemas cívicos, ao investir todos os brasileiros nas líricas funções de "fiscais do Sarney".

Depois, José Sarney resolveu exilar-se como Senador do Amapá, naturalmente para fingir que desprezara os seus amores mais íntimos, radicados no Maranhão, e para entreter as Musas com a dor da separação.

Mas, havemos de convir que os dotes artísticos de José Sarney, assim como os dotes políticos, não influíram por si sós na avaliação do Presidente Lula.

Talvez a justa interpretação da fala presidencial exija o entendimento de que o Presidente não  levou em conta nem uma nem outra separadamente, mas o somatório das virtudes biográficas de José Sarney.

Em suma, é de crer que o Presidente Lula levou em conta a gravidade da figura de José Sarney. Gravidade essa que, como lembra Machado de Assis, compara-se "à bandeira dos neutros em tempo de guerra: salva ao exame a carga que cobre."

De todos os modos, falam em fustigar José Sarney.

É possível. É possível que o jeitinho brasileiro encontre uma punição para José Sarney. Provavelmente uma punição simbólica, algo que distraia as atenções e empurre o lixo, uma vez mais, pra baixo do tapete.

Afinal, José Sarney é um símbolo da nossa cultura. Fustiga-lo, seria fustigar a própria carne.

Com a palavra o Ministério Publico.


Autor: Osorio de Vasconcellos


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