PAISAGEM E TURISMO: DIÁLOGO EMERGENTE



A valorização do turismo e sua crescente expansão nos últimos anos têm acelerado o processo de transformação e reestruturação do espaço onde a atividade é inserida. A paisagem se apresenta como um dos principais motivadores de deslocamento de turistas na atualidade aliado a outros atrativos, circunstância em que a atividade turística passa a se apresentar como um agente territorial e definidor da paisagem local. O turismo geralmente ocorre pelo interesse de se conhecer novas paisagens, constituídas não só pela paisagem em si, mas por tudo o que encena. A pesquisa bibliográfica delineada permite compreender o tratamento que a categoria paisagem tem recebido aliada aos estudos do turismo e permite apontar para o aproveitamento do território pela atividade considerando a paisagem enquanto elemento central na atratividade dos fluxos turísticos.
Palavras-chave: turismo; paisagem; espaço

1 Introdução

A urbanização turística impõe uma nova dinâmica a vida social nas cidades, transformando o conteúdo da paisagem local, isso implica em uma nova espacialização social.

O turismo tende a articular a tendência de transformação do espaço em mercadoria, traz profundas mudanças visto que é um fenômeno que redefine singularidades espaciais e reorienta seu uso com novos modos de acesso. As transformações causam profundas alterações na vida das pessoas que têm na sua rotina variações em decorrência de atividades econômicas cada vez mais crescentes. Essas mudanças, abruptas em vários casos, interferem diretamente tanto na paisagem quanto na vida dos residentes locais, onde a paisagem é discriminadamente deturpada em benefício de ideais que nem sempre se reverterá positivamente para a comunidade. A paisagem representa traços do modo de vida de cada lugar, no âmbito do turismo é o primeiro contato do visitante, por isso a preocupação com alterações, uma vez que condiciona a atratividade do local.

O estudo do espaço e da paisagem aliados ao turismo tem se tornado cada vez mais presente nos trabalhos de pesquisadores das áreas de turismo e geografia, uma vez que, à medida que cresce o interesse pela atividade turística em todo mundo, cresce também as indagações referentes à questão.

Finalidades em entender como se dá o processo de apropriação e transformação do espaço pela atividade turística tornam-se fundamentais, uma vez que possibilitam conhecer por meio das alterações espaciais ocorridas, qual é, e como funciona a dinâmica empregada na formação de territórios, consequentemente da paisagem, assim como, sua potencialidade e valorização em diferentes contextos sociais.

2 Fundamentos Teóricos da Paisagem

Numa contextualização contemporânea, Santos (apud YÁZIGI, 2002, p. 35) define paisagem como:

Conjunto de elementos naturais e artificiais que fisicamente caracterizam uma área. A rigor, a paisagem é apensa a porção da configuração que é possível abarcar com a visão... a paisagem é transtemporal, juntando objetos passados e presentes, uma construção transversal [...].

A paisagem, constantemente sofre alterações, seu aspecto é momentâneo uma vez que o homem está transformando para conceber sua existência, oferecendo caráter dinâmico às formas que se sobrepõe entre passado e presente.

Neste contexto, Santos ressalta que (apud CRUZ, 2002, p. 108),

Paisagem são arranjos de formas em um determinado momento. As formas ou artefatos de uma paisagem são o resultado de processos passados ocorridos na estrutura subjacente [...]. A refletir os diferentes tipos de estrutura, aí estão as diferentes formas reveladas, naturais e artificiais.

Baseado na afirmação acima, se nota que os elementos formadores de paisagens, as formas, sofrem alterações diretas através das ações do homem, exprimindo traços da sociedade. Estas interferências são sentidas na composição das formas, naturais e artificiais. No passado, com a natureza sofrendo menos intervenções do homem, as paisagens naturais eram mais comuns, atualmente a predominância é de outras características. Quase todo ambiente que deparado se encontra vestígios humanos, são raros os lugares que ainda não sofreram alguma modificação.

De acordo com Ignácio (apud PIRES, 2002) paisagem é a porção da superfície terrestre que pode ser apreendida visualmente. Santos (1988, p. 166) acrescenta ao mencionar que "é o domínio do visível ou de tudo aquilo que a visão abarca, sendo ainda formada de odores, sons e movimentos".

Assim, é fato que a paisagem contém características influenciadas direta ou indiretamente pela ação humana, revelando traços socioculturais e econômicos.

Entretanto há autores que para definir a paisagem, separa os elementos que a compõem. Collot (apud CABRAL, 2006) a define a partir de três elementos que julga primordiais:

·A idéia de Ponto de vista: sua definição varia de acordo com o ponto de vista de onde é observada;

·A de Parte: esta possibilita a quem observa apenas uma parte, haja vista das limitações impostas pelo campo visual e relevo;

·A de Unidade: a paisagem se apresenta sempre como um conjunto, nunca isolada, sendo fornecido pela experiência direta ou indireta.

Todavia, referir-se a paisagem é lidar também com o intangível, dados que não existe a priori, o que existe são traços da relação sociedade com a natureza. É a ação humana que dá sentido as paisagens e aos lugares turísticos, e não o contrário. Por meio da definição pode-se dizer que a paisagem é única para cada indivíduo por fatores como, dependendo do ângulo de onde é contemplada, seu significado tende logicamente a sofrer alterações, outro obstáculo é que raramente se observa uma paisagem ao todo haja vista que nossa visão é limitada, captamos apenas fragmentos da paisagem e nunca ela como um todo, como um conjunto.

Berque (apud CABRAL, 2006) alerta para o fato de que a paisagem é uma marca, pois expressa resultado da ação humana, mas é também uma matriz porque participa dos esquemas de percepção, de concepção e de ação – ou seja, da cultura – que canalizam, em um certo sentido, a relação das pessoas com o espaço e com a natureza.

Devido a isso a integração da paisagem e de seu caráter visual, cênico ou estético como uma variável do meio, passou a ser uma necessidade. Atualmente a paisagem é vista não mais como simples entorno estético da atividade humana, mas sim como um recurso e bem cultural com importância crescente em meio ao conjunto de valores ambientais (BOMBIN apud PIRES, 2002, p. 164).

As paisagens são muito diferentes, como classifica a geografia, revela imensa variedade de situações, das relações existentes entre elementos físicos e as sociedades humanas. A história assume função importante, assim como os elementos da cultura dando um caráter de singularidade.

Para uma melhor compreensão, Berque cita,

A paisagem não é um objeto. Para compreendê-la, não basta saber como se agenciam morfologicamente os componentes do ambiente, nem como funciona a fisiologia da percepção – dito de outra forma, aquilo que deriva do objeto, incluindo o corpo humano como tal considerado - é preciso também conhecer as determinações culturais, sociais e históricas da percepção – isto é, aquilo que constrói a subjetividade humana (apud YÁZIGI, 2002, p. 32).

O que confirma Santos (1999) ao afirmar que "a paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natureza. O espaço são essas formas, mais a vida que as anima." O que ressalta Meneses (apud CABRAL, 2006, p. 134) ao descrever que "não há paisagem sem um observador. A percepção visual é, desta forma, uma condição fundamental para a existência [...] da paisagem."

A dinâmica do homem é constante no meio ambiente, as mudanças no meio em que vive é decorrência disso, elementos e traços presentes no espaço identificam justamente esta relação construída ao longo de sua vida em comunidade, revela traços socioeconômicos e culturais.

3 Paisagem no Contexto do Turismo

As mudanças aceleradas no mundo em decorrência da globalização, que em prol de sua realização destrói barreiras e ultrapassa obstáculos, influencia diretamente nas mudanças e transformações do espaço, cada vez mais usado como mercadoria para satisfazer desejos. Mudanças que ocorrem principalmente nas áreas destinadas à atividade turística (CARLOS, 2002).

Segundo Carlos (1999) o espaço se fragmenta para o consumo humano, para o trabalho, habitação, lazer; se condiciona a espaços limitados, comprados e vendidos aos pedaços. O espaço destinado ao consumo do turismo são espaços visuais, presos ao mundo das imagens que impõem à redução e ao simulacro, e que reduzem a apropriação enquanto "mercadoria de uso temporário" definida pelo tempo de não-trabalho.

Neste aspecto é possível afirmar que o espaço já é tido como uma mercadoria moldada e disponibilizada para o consumo. Estas transformações só são possíveis graças ao desenvolvimento tecnológico, que permite ao homem mudar o meio para satisfazer seus desejos.

Ademais, como uma porção do espaço a paisagem revela uma obra coletiva, produzida pela sociedade, reproduzindo a constituição da humanidade, guarda arte e lembranças facilmente identificáveis por aqueles que ali vivem.

[...] um conjunto cheio de sentido, o ser humano se identifica com os espaços da vida pressentidos através da paisagem, é por isso que para além da fixidez aparente da paisagem há um ritmo que revela um tempo, que por sua vez é vida que se descortina ao olhar atento. Ganha cores e matizes de acordo com as necessidades da reprodução da vida humana. As relações com o lugar se determinam no cotidiano, para além do convencional. [...] Assim a observação da paisagem vai permitindo uma leitura e uma interpretação da nossa situação no mundo de hoje, revelando na sua dimensão visível, a história do lugar (CARLOS, 2004, p. 36).

O turismo é um fenômeno social que fundamentalmente consome espaço, por meio de sua apropriação, ou seja, por meio de formas de consumo (serviços de hospedagem, restaurantes, lazer, bem como o consumo da paisagem). Segundo Nicolas (apud CRUZ, 2002, p. 109) "o turismo como atividade humana é a única que aproveita o espaço tanto por seu valor paisagístico como pelas condições ambientais que prevalecem (clima, hidrologia, vegetação etc.)".

A paisagem como porção visível do espaço, constitui um dos mais importantes elementos da atratividade dos lugares para o turismo. É a primeira vista que o turista tem contato com o lugar visitado e por isso está no centro da atratividade dos lugares. Não existe paisagem turística, mas sim a manipulação, a recriação, compilação de paisagens para atender aspirações. Para o turismo é o valor estético da paisagem que importa, ditado pelos padrões culturais da época. Hoje, com o modismo e massificação, a paisagem tende a uma padronização de estilo e estética, por isso, as concentrações de turistas em localidades com características semelhantes.

Atualmente com a concorrência entre os lugares turísticos em vez de uma valorização dos locais, se tem uma similaridade de paisagens, que são originadas artificialmente, justificando a paisagem em natural e artificial. Outros autores acrescentam ainda a esta definição a paisagem organizada (CRUZ, 2002).

Santos (1988) define paisagem como artificial e natural. A paisagem artificial é aquela transformada pelo homem, enquanto que a natural é a que ainda não sofreu alterações pela ação humana. No âmbito do turismo esta paisagem natural praticamente desaparece em muitos lugares.

As paisagens artificiais criadas pelo turismo são resultantes de projetos, de planos ou de outros tipos de intervenção planejada sobre o espaço, movidas pelo objetivo de (re) criar formas ou conjuntos de formas reconhecidamente atrativos para o turista (CRUZ, 2002). Este tipo de paisagem destoa, reduzindo aspectos socioculturais locais, sendo sua existência destinada para o consumo turístico. Segundo Santos (apud CRUZ, 2002) é diferente das paisagens historicamente construídas, que são formadas por fatos passados e presentes.

A categoria de paisagem artificial representa a capacidade de reproduzir espaços, sendo ignorados os aspectos físicos e naturais. O que se observa é a sobreposição do capital e atividades econômicas que se tornaram expressivas nos últimos anos como o turismo.

Os turistas não se atêm às nuances do turismo, sendo o seu olhar direcionado à realização de desejos e satisfação, conforme menciona Da Hora e Cavalcanti (2003, p. 214), "Espetáculo e fantasias povoam o turismo e estão presentes na construção do olhar turístico. Um alimenta o outro. O fenômeno turístico, por ser, de certa forma, frenético e controlado no tempo, é, em essência, fortemente visual".

Nessa perspectiva Braga (2006) afirma que paisagens antes sem valor mercadológico como o deserto, praias e montanhas tiveram conceitos agregados, pois nem sempre foram consideradas como atrativas ou nem percebidas como tal. É nessa situação que surge a paisagem - extremamente importante para o turismo - como mercadoria, e que tem se tornado meramente sensitiva, deixando de lado a sua concretude e densidade próprias.

4 Considerações Finais

O turismo recria espaços imaginários completamente artificiais como forma de "oferecer" segurança e ocultar a miséria do ambiente real aos visitantes, é o caso de resorts, gerando uma alienação do turista com relação aos aspectos sociais e culturais do lugar, que se configura em uma exclusão da comunidade onde a atividade é inserida. É um turismo de exclusão e de alienação, pois agride o meio natural e distorce a paisagem original.

No âmbito do turismo as principais motivações para se viajar são, "sair da rotina" e de ambientes estressantes a procura de oportunidades de recreação em lugares taxados como "diferentes", neste aspecto a paisagem natural, vêm a contribuir decisivamente na escolha do lugar a ser visitado, pois é o primeiro contato que o visitante tem do/e com o lugar.

Isso alerta para a preservação destes lugares, áreas naturais pouco valorizadas ou degradadas tem menos valor, pois o turismo preza por recursos naturais conservados, como por exemplo, paisagens, águas, mar, rio, cachoeiras, vegetação e vida silvestre.

Sendo também a paisagem dinâmica ela deve ser investigada cuidadosamente pelo turismo, uma vez que representa a história e cultura de uma localidade, deve-se cuidar para que não seja mais uma mercadoria de consumo, totalmente deturpada e distorcida da realidade representando mais um objeto de alienação e de exclusão.

O imaginário cria todo simbolismo em torno da paisagem, o que favorece consideravelmente o turismo, porém não se pode dizer que a paisagem é o único motivo que leva uma pessoa a se deslocar, sair de sua rotina e viajar. Os turistas buscam lugares que se revelam pelas paisagens, pois elas representam um elo entre o inusitado e a descoberta. As culturas e o modo como modificaram as paisagens diferentemente despertam o desejo do conhecimento da experiência vivida. A busca geralmente ocorre pelo interesse de se conhecer novas paisagens, constituídas não só pela paisagem em si, mas por tudo o que encena (o cotidiano de outros, as configurações geográficas, a história, os costumes, por exemplo). O que desperta a curiosidade do visitante é justamente o diferente, o novo, imbuído de processo histórico e atributos naturais, desta forma reconhece-se a relevância de estudo da paisagem e seu significado par ao turismo. Reconhecê-la, permite compreender o homem pelas suas relações estabelecidas com seu entorno.

Referências Bibliográficas

BRAGA, Aline Regina. A importância da paisagem no turismo. Dialogando no Turismo, Rosana, v. 1, n. 1, p. 68-76, jun. 2006. Disponível em: <www.rosana.uneps.br/revista>. Acesso em: 15 maio 2008.

CABRAL, Luiz Otávio. Entre a paisagem e o lugar: contribuições ao estudo da espacialidade do turista. In: FERREIRA, Yoshiya Nakagauara; GRATÃO, Lúcia Helena Batista; OLIVEIRA, Lívia de (Orgs.). Geografia, percepção e cognição do meio ambiente. Londrina: Edições Humanidades, 2006. p. 129-162.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. O turismo e a produção do não-lugar. In: YÁZIGI, Eduardo; CARLOS, Ana Fani Alessandri; CRUZ, Rita de Cássia Ariza da (Orgs.). Turismo: espaço, paisagem e cultura. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 2002. p. 25-37.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo: Contexto, 2004.

CRUZ, Rita de Cássia Ariza da. As paisagens artificiais criadas pelo turismo. In: YÁZIGI, Eduardo (Org.). Turismo e paisagem. São Paulo: Contexto, 2002. p. 107-119.

DA HORA, Alberto Segundo Spínola; CAVALCANTI, Keila Brandão. Turismo pedagógico: conversão e reconversão do olhar. In: REJOWSKI, Mirian; COSTA, Benny Kramer (Orgs.). Turismo contemporâneo: desenvolvimento, estratégia e gestão. São Paulo: Atlas, 2003.

PIRES, Paulo dos Santos. Paisagem litorânea de Santa Catarina como recurso turístico. In: YÁZIGI, Eduardo; CARLOS, Ana Fani Alessandra; CRUZ, Rita de Cássia Ariza da. Turismo, espaço, paisagem e cultura. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 2002. p. 161-177.

SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1988.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1999.

YÁZIGI, Eduardo. A alma do lugar: turismo, planejamento e cotidiano. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2002.


Autor: Dorival B. de Carvalho, Rita M. de P. Garcia


Artigos Relacionados


Geografia E Ensino

Impactos Ambientais

Um Ensaio Sobre A Geografia

Tributo Ao Camponês

Angra Dos Reis

A Função Da Escola E Da Educação

A Perspectiva Construtivista De Ensino