A FÁBULA DO ÓCIO CRIATIVO



Por: Benedicto Ismael Camargo Dutra*

 

Houve uma época, após o término da Segunda Grande Guerra Mundial, em que se falava da liberação do homem de suas grandes jornadas, o que lhe propiciaria mais tempo disponível para pesquisar o sentido da vida e crescer como ser humano. Não demorou muito tempo para que surgisse a crise das dívidas que se abateu sobre os países emergentes, deixando-os a mercê do pagamento de pesados encargos. No mundo inteiro, as populações das nações devedoras tiveram que arregaçar as mangas e trabalhar muito para ver sobrar muito pouco. Paralelamente, o sistema capitalista de alocação de recursos para a produção dos bens para atendimento das necessidades migrou para um sistema que se fixou no aspecto puramente financeiro. Assim chegamos à crise econômica da atualidade que está jogando por terra as esperanças de atingirmos um melhor futuro dada a insegurança que está se implantando no mercado de trabalho.

 

De todos os lados surgem notícias de desemprego. A crise financeira passou a afetar a economia real, provocando uma situação aflitiva de grandes proporções também no âmbito social.  Estima-se que esse status quo irá atingir fortemente os empregos urbanos na América Latina e no Caribe em 2009. De acordo com o Panorama Laboral - estudo divulgado anualmente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) -, a expectativa é de que cerca de 2,4 milhões de pessoas percam os empregos. Devido à crise econômica global e como uma tentativa de reduzir os custos, empresas nos EUA, Europa e Japão estão anunciando a necessidade de efetivar mais demissões.

 

Como vamos enfrentar o desemprego? Talvez a fábula do ócio criativo possa sinalizar algumas saídas. Os avanços tecnológicos foram canalizados para aumentar a produção. Mas, para escoar a produção havia necessidade de aumentar o consumo.  Para poder consumir mais, os seres humanos se endividaram e passaram a não ter tempo para mais nada, só para trabalhar e pagar as contas. Agora existem muitas contas e redução da oferta de empregos. Então, qual a saída?

 

A resposta pode ser simples: trabalhar menos, ganhar menos, consumir menos e aproveitar mais o tempo disponível. Não dá para voltarmos à situação anterior. Ademais estamos enfrentando o aquecimento global, as alterações climáticas, escassez de recursos vitais como água e alimentos. Temos que criar juízo no planeta e viver de forma que valha a pena, sem artificialismos e superficialidades inúteis, e com tempo para que cada um possa se aprimorar, se dedicar à família e ao preparo dos filhos. Temos que olhar os aspectos positivos da crise para que ela nos inspire a alcançar uma vida de mais qualidade.

 

Quando as pessoas perceberem que há muitas coisas que não fazem nenhuma falta, esses bens não precisarão mais ser produzidos por falta de consumo. Isso liberará mão-de-obra, reduzindo a renda do consumidor. Com menos necessidades também não será preciso trabalhar tanto. A vida poderá ser mais bem vivida de forma simples, sem tanto consumo e contas, com mais tempo disponível. Quando Cabral chegou ao Brasil com suas caravelas, encontrou um sistema de vida diferente do que predominava na Europa, mas a população indígena era mais sadia e feliz por estar em harmonia com tudo que a natureza oferecia.

 

Não é que devamos voltar a um sistema econômico primitivo, mas sim eliminar o supérfluo no consumo e na produção e deixar um tempo disponível para o auto-aprimoramento. No entanto, a desconcentração da renda deve merecer especial atenção dos empresários para que estes estabeleçam uma forma de participação dos colaboradores nos resultados, fato que tem sido reservado principalmente aos fazedores de dinheiro mediante ganhos financeiros especulativos.

 

O sistema deve produzir os bens necessários em harmonia com a natureza, nas quantidades e qualidade adequadas. Todos deverão ter oportunidade de trabalho, e os resultados partilhados equitativamente pela iniciativa dos próprios empreendedores, sem que os governantes interfiram com todos os seus vícios e discriminações.

 

* Benedicto Ismael Camargo Dutra, graduado pela Faculdade de Economia e Administração da USP, é articulista colaborador de jornais e realiza palestras sobre temas ligados à qualidade de vida. Atualmente, é um dos coordenadores do www.library.com.br, site sem fins lucrativos, e autor dos livros  Encontro com o Homem Sábio , Reencontro com o Homem Sábio,  A Trajetória do Ser Humano na Terra e Nola – o manuscrito que abalou o mundo, editados pela Editora Nobel com

 selo Marco Zero. E-mail: [email protected]


Autor: Benedicto Dutra


Artigos Relacionados


CrenÇa Na Ingenuidade

Menina Danada

Avis Rara

Novos Tempos

Doce Arma Feminina

Ipanema

Cara De Pau