Por culpa do destino



 

POR  CULPA  DO  DESTINO

 

 

 

O Boletim de Ocorrência de n. 323/06 era frio e direto:

 

Data: 25/01/2006 – hora 15:00 (aproximada)

Ocorrência:  duplo homicídio, por arma de fogo;  

Vítimas: um casal, de 35-45 anos,  não identificado, sem documentos.

Local: apartamento 3C do bloco 6, no Condomínio Praia dos Pássaros.

Testemunhas: Não foi localizada nenhuma testemunha, até o momento do registro desta ocorrência; os vizinhos afirmam que não ouviram  briga, discussão ou disparos.

Armas: Em vistoria superficial não foi localizada nenhuma arma.  

Nota: O apartamento pertence a uma moça conhecida por Luisa, que o aluga na temporada e raramente aparece.  

Isto é tudo.

 

 

Quando a vida é interrompida assim tragicamente, o acontecimento, ao mesmo tempo em que nos choca, desperta em nós uma curiosidade quase mórbida; queremos saber dados, detalhes, enfim, a história, a explicação lógica – se é que tem uma – do que ocorreu.

O fato em si – devemos reconhecer – é banal; quantas vezes já lemos notícias semelhantes; quantas pessoas têm morrido assim, todos os dias, em qualquer parte do mundo.

Cada caso apresenta circunstâncias e detalhes diferentes, que nos envolvem e nos propõem uma série interminável de pontos de interrogação. 

Mas a emoção é um sentimento frívolo, passageiro, mesmo quando é experimentado e vivido profundamente.

Esgotado o seu tempo, ela precisa ceder lugar à racionalidade, à procura fria da verdade; aí começam as investigações, os relatórios, os laudos; os depoimentos de parentes, amigos, vizinhos; começam a surgir  os comentários apenas sussurrados, os detalhes inesperados, as sombras insuspeitadas.

A polícia científica  estabeleceu que os dois......

...................

Mas vamos por partes:  esta história havia começado realmente vinte e seis  anos antes. 

- “Flávia, não se atrase, são quase oito e meia!” – a voz da D. Carminha, a mãe, ecoava da cozinha pelo corredor, até a escada; no seu quarto, Flávia estava se preparando para a cerimônia.

Receberia o diploma de professora primária, após um curso  cansativo, desinteressante e aborrecido.

- “Já vou, mãe, já estou descendo!” –

 Estava deslumbrante, simples e graciosa, Flávia, em seus 18 anos.

- “Vamos, filha, depressa, seu Pai já está esperando no carro! E não se esqueça de lhe agradecer por tê-la ajudado a chegar a este momento!”

Flávia não concordava muito com  isto. A carreira de professora não a atraia;  diplomara-se para obedecer aos pais, para satisfazer o orgulho deles, para não decepcioná-los. 

Na cerimônia, avistou, de longe, alguém que amava muito. Felipe.

Ela mantinha às escondidas um quente namoro com  Felipe, então soldado da Policia Militar, do qual os pais de Flávia absolutamente não gostavam.

Ainda dois dias antes, no fim de uma seca conversa, o pai de Flávia havia sido incisivo e peremptório:

- Este homem é seis anos mais velho que você, mocinha! – dizia extravasando todo o seu azedume – ele foi preparado para uma carreira modesta, sem futuro! É apenas um praça, depois, com esforço, pode aspirar a ser promovido a cabo; e por fim, se conseguir passar pelo curso, vai ser sargento. Sargento, entendeu? ; nada mais!

- Não faz mal, pai – retrucava Flavia, aos prantos. – eu quero ser dele, sou dele, vou ser dele a vida toda, não adianta esbravejar!

- Esse cara não é nada, não é ninguém - continuava o Pai - Não tem família, foi abandonado, largado, perdido!

- Sim, Pai, - voltava Flavia - e os frades franciscanos o recolheram, o alimentaram e o criaram. Não é um vagabundo, nem um ignorante. E ele gosta de mim, como eu dele!  

Parte da oposição do pai de Flávia a esse namoro, vinha dessa disparidade entre os dois; Flávia era filha única, mimada, querida, de gestos educados e elegantes; Felipe era um rapaz de pouca fala, de  modos bruscos e hábitos espartanos,  apesar de sua boa índole.    

- E o pai, insistindo: - Eu queria, esperava que você escolhesse alguém muito melhor do que esse pé rapado; além da diferença de idade, filha. Pensa bem; eu não quero ver você infeliz pelo resto da vida! Larga dele. É pelo teu bem!

Flavia havia largado o Pai falando sozinho e se fechara no quarto.

Durante os dois dias seguintes, não se falaram mais, cada um fechado em sua posição. 

D.Carmem apenas suspirava, incapaz de tomar partido.

Enquanto a solenidade se encerrava, Felipe aproximou-se sorrindo sem jeito e lhe entregou, de surpresa, um pequeno ramalhete.

Não disse uma só palavra; nem precisaria.

Flávia conseguiu apenas esboçar um sorriso sem jeito e agradecer com a cabeça. Estava irremediavelmente apaixonada.

Alheia à pressão do pai, Flávia, na verdade, encontrava-se com Felipe duas ou até três vezes por semana, sempre no mesmo quartinho despojado de um pequeno hotel, em um bairro distante.

O relacionamento dos dois era íntimo, completo, insaciável; quando se encontravam finalmente a sós, após alguns beijos e carinhos  tocavam-se e possuíam-se de forma desesperada, como se nada mais existisse no mundo.

Conduziam-se mutuamente ao êxtase, à entrega total, a uma comunhão de corpo e alma tão profunda, que certamente muito poucas pessoas tiveram a sorte de experimentar.

Nos raros momentos de descanso, ficavam abraçados, recuperando as forças, as cabeças juntas, pousadas no mesmo travesseiro e sonhando acordados; faziam grandes planos para o futuro; um futuro sem muitas perspectivas, é certo, mas que desejavam intensamente realizar. 

Felipe deixava-se levar pelos sonhos de Flavia e arquitetava maneiras de prover ao amanhã,  com os poucos recursos do seu soldo.

Sempre faltava algum dinheiro nos tantos orçamentos que faziam; mas o caráter de Flávia era firme e decidido.  Na realidade, cada um encarregava-se, sem perceber, de suprir aquilo que faltava ao outro.

Na semana seguinte à formatura, depois de um último, longo  bate boca com os pais, tão áspero quanto inútil, ela acabou fugindo de casa, para ir viver com o namorado.

Ficaram em lua de mel, na praia,  por uma semana e ao voltarem, instalaram-se em um pequeno apartamento, alugado por um colega de serviço.

Nas semanas, nos meses, nos  anos seguintes, Flávia tentou repetidamente e sem sucesso, restabelecer os laços com a família.

O pai, irredutível, insistia que a filha tinha traído a sua confiança e nunca a perdoou por isto.  

Ele não recuou nem após a chegada sucessiva dos três netos; não cedeu, nem mesmo após a morte inesperada da D. Carmem, mãe de Flávia.   

Costumava repetir que quando uma taça de cristal se espatifa está perdida para sempre. Era o seu refrão, a sua frase preferida. Confundia pessoas com vidro.   

 

Os anos passaram rápido: cinco, dez, vinte.....

-Felipe, Você pegou o casaco? Pôs a malha de lã por baixo? Está um frio de rachar! Ciao, amor, até a noite!... –

Era uma Flávia diferente, esta de agora; madura e segura de si; entre ela e Felipe, aos poucos, a vida tinha-se normalizado; a paixão tinha finalmente conhecido freios, cedendo espaço a algo mais consistente e seguro; no dia-a-dia tinha adquirido a substância de um verdadeiro amor - outro sentimento que muitos se iludem de conhecer, mas poucos realmente experimentaram, de verdade, durante a vida inteira.  

Flávia tornou-se uma quieta dona de casa, empenhada em lavar e passar, preparar almoço e jantar, embrulhar o lanchinho para as crianças, fazer compras, dar uma passadinha na igreja, pensar no bem estar e suprir as necessidades de todos. 

Lia um pouco, via alguns programas de TV, mas não procurava mais o âmago das coisas, as razões da existência, suas justificativas, seus pretextos. Estava mais apegada ao relógio e menos ao calendário.

Tinham alguns poucos amigos, todos ocasionais e sem compromisso.

O binômio F&F, Flavia e Felipe, a única razão de suas vidas, já estava esmaecendo, oxidando-se.  

Viviam os dois mais voltados para dentro deles mesmos e, com o tempo, a troca de idéias e de opiniões tornava-se cada vez menos animada, menos interessada, menos sincera até.

Flavia sentia os anos passando, mas aceitava-os pacientemente, de forma  tranqüila, conformada. 

Nunca teve um único pensamento que pudesse afastá-la  do Felipe. 

Ele ainda era a razão de sua vida, o seu porto, a sua âncora.

Felipe, por seu lado, continuou por todo aquele tempo sendo o homem sério de sempre, assíduo e aplicado à sua profissão; fez três vezes o curso preparatório, antes de conseguir, finalmente, a patente de sargento.

Tentava ser carinhoso e cordial, mas sempre imprimia às suas manifestações  uma forma máscula, sem rodeios, sem enfeites.   

Com os anos e a falta de atividade, enfiado num quartel, movimentando somente papelada  e correndo uma vez por semana, por 45 minutos, atrás de uma bola de futebol,  acabou juntando uma barriguinha respeitável.

Tinha perdido uma parte dos cabelos, andava mais devagar; numa palavra: estava inequivocamente, indisfarçavelmente, envelhecendo.

Não tanto devido à idade; mas aos hábitos, à mentalidade.

Envelhecemos quando deixamos que se apague a nossa vontade de viver, de experimentar, de conhecer. 

Quando chegamos a esta fase, a vida caridosamente diminui nossos impulsos, refreia os ânimos, reduz o desejo de guerrear; os nossos filhos passam a ser a maior preocupação e tentamos encaminhá-los e guiá-los, aterrorizados pelo pensamento que eles possam correr atrás daqueles mesmos perigosos impulsos naturais, que  aceitávamos sem reservas  e que agora achamos errados, absurdos.  

Flávia tinha então um marido, uma casinha bem cuidada, uns cabelinhos brancos, ainda escondidos entre as suas abundantes e preciosas  mechas loiras, e três endiabrados adolescentes, que a amavam, mas que a deixavam quase louca.

Esta era, aliás, a pior parte da vida de Flávia.

Além de todo o tempo necessário para fazer o cansativo trabalho de casa, tinha que cuidar de manter na linha os três; as traquinagens da infância foram cedendo lugar a molecagens mais graves; Rafaela, aos 17, já queria liberdade plena para sair, para namorar, para ir à discoteca; Ana, nos seus 14, queria iguais direitos, porque dois anos – dizia – não são nada, a vida é curta e temos que aproveitar bem do nosso tempo. E Luiz, com 16 – a família  fingia não saber – já fumava e saía à noite com muitos colegas...

Em algum momento, porém, Flávia começou a sentir  vagamente que Felipe não era mais o mesmo.

Uma noite, à hora de deitar, enfrentou corajosamente seus fantasmas – esperando que fossem apenas isso – fantasmas.

Felipe! – exclamou com uma firmeza e uma determinação que nem ela esperava – acho que você não me ama mais!

- O que? Porque me diz isso?  Que é que eu fiz? Está doida? – e parou por aí.

Convenhamos que nenhum homem na face da terra, jamais responderia de forma diferente – sob qualquer circunstância.  Como iria dizer que não a amava mais?  Que não havia mais lenha, que a companhia era boa, sim, mas estava se tornando chata, incômoda, sufocante, sem novidades, sem febre?  Ou pior, como confessar que havia outra pessoa no caminho, ocupando lugar nos pensamentos e querendo um espaço na cama?  

Não, não; o homem nestas condições tende a levar as coisas devagar. Nem ele sabe o que quer; não tem noção do peso do que faz, da gravidade que seus atos assumem, aos olhos da esposa.

É apenas um caçador por instinto; correr atrás da lebre, cativado pela sua pele e pelo seu jeitinho; mas quando por fim a pega – porque é ela que se deixa pegar – sente que o jogo acabou – e não sabe o que fazer com ela.

Porém a verdade, mesmo quando é apenas um pouquinho diferente das mentirinhas diárias, é um veneno mortal. 

Por isso, Felipe parou naquela primeira negativa.

Claro, que Flavia não esperava outra resposta; mas mesmo assim, ficou desarmada e recuou. Cada um virou para um canto e dormiu.

Mas esse “algo” que Flávia ainda não conseguia identificar, tinha mudado decididamente o rumo da sua vida; e poucos dias depois, percebeu uma expressão diferente no olhar de sua vizinha, Adriana.

Essa vizinha era, tal como ela,  uma dona de casa; mas  menos atarefada e aparentemente tranqüila e realizada.

Na realidade, ela também, como quase todas as donas de casa, tinha um hábito peculiar: sempre que podia, levava as suas frustrações ao shopping e tentava trocá-las por um doce, uma roupinha nova, um disco, um livro.

Adriana não tinha filhos; o que era ao mesmo tempo uma vantagem e um problema.

Vantagem, porque não sofria a paranóia do trabalho excessivo, contínuo e inacabado; mantinha a casa impecavelmente arrumada e limpa, pronta para receber até o Papa, se aparecesse inesperadamente.

Problema, porque usamos sempre mal o tempo que sobra e a cabeça fica cheia de  macaquinhos.

Assim é que Flavia percebeu, no olhar da Adriana, aquela vaga, mas inequívoca expressão de superioridade.

Uma luzinha vermelha acendeu de repente – e Flávia sentiu o gosto amargo do campeão, até agora vitorioso, que está sendo passado para trás pelo segundo colocado.

Teve certeza. 

Era aquela certeza que só as mulheres sentem instintivamente; uma certeza que provém de centenas de séculos de infidelidade conjugal.

É estranho que os homens não tenham desenvolvido este mesmo instinto; por isso estão destinados a render-se ao  domínio intelectual   das suas companheiras; e isto irá finalmente liquidar o fenômeno irracional do machismo.  

Felipe a estava traindo; ou estaria no mínimo já descascado, salgado, curtido, pronto para cair na frigideira da Adriana.

Flávia sentiu-se de repente à beira do abismo; mas decidiu esperar um pouco, antes de tomar uma decisão qualquer.

Voltaram-lhe à memória o trauma de sua fuga, as conseqüências inesperadas, a rejeição do pai, a tristeza destruidora da mãe,  que acabaram marcando sua vida. Não. -  Não repetiria o erro de abandonar tudo e sair da briga sem lutar.

Ficou examinando os detalhes: pesou as forças inimigas, o campo de batalha, as suas armas, a estratégia e as alternativas. Sabia que estava começando uma guerra – e ela não admitiria uma derrota.

Dois dias depois, numa tarde quente e abafada, Flavia foi à casa de  Adriana; foi recebida carinhosamente, mas o ar estava decididamente contaminado.

Deixando de lado os costumeiros rodeios, Flávia passou ao ataque:

- Agora, chega de papo. Você está andando como meu marido!

- O que? Nada disso! Você está louca!

- Veja como fala,  não vou suportar ofensas!

- Bom, e se fosse verdade, que eu ando com seu marido; o que você faria? Vai amarrá-lo à cama pelos pés, sua tonta? Homem faz o que quer, não está cansada de saber?

A coisa estava piorando.

Faltou pouco para que as duas se enfrentassem, dando vazão ao que andava em suas cabecinhas:

Flávia, ofendida, ciumenta, reclamava repetidamente contra a invasão da concorrente.

- “Felipe é um pai de família, de meia idade, feliz, sossegado, já estamos para comemorar as bodas de prata; não é admissível que uma cobra (pensou), um capricho (falou) venha pôr fim a uma união feliz, baseada no amor e na fidelidade que nos damos!...”.  

Mas Adriana não deixava barato:

“Pelo que sei, todos têm o direito de procurar a felicidade: você, eu, seu marido e o meu, qualquer um. Ninguém tem o direito de tornar o outro infeliz, sob a alegação da fidelidade  ou de qualquer outra besteira, reconhecida ou não!...”.

Mas enquanto falavam, cada uma delas ia revendo suas posições e reajustando suas opiniões.

Flávia ficou perplexa ao descobrir de repente que a única bandeira dela era o ciúme; e ter ciúme daquele barrigudinho de meia idade, que já custava a dar conta de suas obrigações, no quartel e na cama, chegava a ser ridículo.

A “inimiga” que levasse o traste e  passasse a cuidar dele, pra ver o que é bom. Para ela, Flávia, seria um alívio. Ficaria facilmente com metade do soldo  e sua vida seria bem mais tranqüila.

Um pouco mais tranqüila .

Um pouquinho mais tranqüila.

Afinal, o Felipe não dava tanto trabalho assim.  

Mas, por  outro lado, ela não aceitaria nunca render-se sem lutar.

De repente sentiu-se excluída, posta de lado, relegada a simples faxineira. Sentiu-se ferida em seu orgulho, em sua confiança.

Não, não e não!  Lutaria bravamente, até o fim.

Na outra ponta da mesa, Adriana também remexia no baú, onde pensamentos e sentimentos se misturavam, agitados como dentro de uma máquina de lavar. 

Por que iria fazer isso com uma vizinha, uma quase-amiga?

Roubar o marido de outra seria dar corda a todos os faladores do bairro.

Nunca mais teria paz. Teria que mudar de vida, de cidade.

E– ela também acabava de descobrir - o troféu não valeria o esforço.

Só que, por uma questão de orgulho, para não ter que admitir ter abandonado o campo,  não daria o braço a torcer, principalmente diante daquela possessa, que queria seu homem de volta. 

Por enquanto, deixaria tudo no armário Mas pensaria em alguma forma de vingança.

Bem se vê que sempre, em uma discussão entre duas mulheres o único prejudicado é o homem; e sempre existe um, acreditem.

A discussão perdeu fôlego, os tons baixaram e a coisa encerrou-se com um empate inesperado, insatisfatório; nuvens escuras e baixas no horizonte faziam prever novas tempestades....

Mas desgostos, desgraças, infelicidades, acidentes, raramente vêm sozinhos. Como cerejas, trazem sempre, no mínimo, uma outra.

É aqui que aparece a mão caprichosa do Destino; este misterioso personagem joga ao mesmo tempo mil partidas, em mil tabuleiros diferentes – e vence em todos eles.

O Destino, na verdade, não é um bom jogador; é um ladrão e um trapaceiro; quando um jogo vai mal, ele pega alguma peça de outro tabuleiro e desequilibra a partida; e nos encontramos de pronto a brigar contra algum Bispo, ou alguma Torre, que aparecem para atrapalhar um jogo quase ganho.

Foi numa destas jogadas que, surgido do nada, apareceu o Renato.

Não era um Bispo,,nem uma Torre; era apenas  um motoqueiro, que ganhava a vida levando documentos e pequenas encomendas de um lado para o outro. 

Tinha menos de trinta anos, alto, simpático, bem falante, esbanjando conhecimento e dando opiniões sobre uma porção de assuntos – coisa que fazia naturalmente - pois os almanaques eram a sua leitura preferida - e se expressava com grande facilidade.

O motoqueiro é, na realidade, a transposição do cavaleiro medieval.

Como ele, anda de um lado a outro a serviço provisório de quem necessite dele.

Como ele, usa roupas pesadas, reforçadas de couro e um incômodo capacete.

Como ele, monta um cavalo – no caso com duas rodas, bem mais eficientes que quatro patas.

Como ele, carrega longas lanças de torneio, hoje camufladas em tubos de papelão, com mapas e desenhos. 

Não raro, em suas andanças pela Cidade, carrega na garupa até alguma Dulcinéia, alguma Guinevère.

Renato era o motoqueiro típico. Quando tocou a campainha à porta da Flávia, o destino tocou a primeira das suas famosas quatro badaladas e marcou, sem chance de volta,  o futuro dele.

Levantou o capacete, depois retirou-o, respeitosamente, logo que viu a figura de Flávia.

-“ Bom dia, senhora, - estava começando a dizer – é aqui que mora o Sr. Felipe? Tenho um envelope para ele e.....””  

Foi neste instante que Rafaela apareceu;  Eros, sempre à espreita, lançou uma seta certeira.

Renato e Rafaela olharam-se, perderam a noção do tempo, do lugar, das pessoas presentes.

Esqueceram-se de repente de tudo e de todos, e só tiveram olhos um para o outro.

Num bate papo inconsistente, falavam sem dizer nada, ouviam sem nada escutar  ; olhos e almas falam muito mais que qualquer palavra. 

O Destino tocou então a segunda badalada, mas, claro, eles  não a escutaram.

Encantados, embevecidos, teriam continuado alheios a tudo pelo resto do tempo, quando a voz de Flávia os acordou.

-É tarde, Rafaela; vamos sair; estou com pressa!...

Renato prometeu voltar, e voltaria com certeza, mesmo se Rafaela não tivesse confirmado que queria vê-lo logo, de novo.   

Saiu de lá, acordando para a realidade e completamente esquecido de entregar a encomenda  do Felipe. 

Começava assim um novo namoro, com  personagens novas, ou melhor, com as mesmas personagens, mas em papéis diferentes.

O jogo do Destino estava feito.

Mesmo sem se procurarem,  Rafaela e Renato acabariam ficando o tempo todo juntos; uma primeira vez, cruzaram-se na rua, inesperadamente,  durante um temporal; esperando a chuva amainar, ficaram abrigados numa passagem coberta e ficaram mais de  uma hora conversando, trocando idéias, comparando gostos, colocando na mesa opiniões, desejos, esperanças; descobrindo assim muitas semelhanças e identificando-se mais e mais, a cada minuto.   

Uma segunda vez, encontraram-se do outro lado da cidade, em uma festa, convidados separadamente,  por acaso, (mas seria mesmo o acaso?) por pessoas quase desconhecidas.  Mais horas de comunhão de idéias e de sentimentos. Ambos com o rosto afogueado, o coração batendo tão forte como nunca, a paixão crescendo e subindo e se enroscando e  explodindo. Não havia mais como escapar.   

Aos poucos, a convivência deles tornou-se mais regular, quase diária. Sempre tinham tantas coisas a se contar, e era tão difícil, cada vez mais difícil, deixar-se, mesmo que por umas horas apenas.    

Umas poucas semanas depois, Flávia começou a não gostar nada desse namoro; comentava repetidamente com o Felipe suas dúvidas, seus receios.

Queixava-se que um pé rapado, um coitadinho, estava invadindo a sua  família  e querendo levar a sua menina; lembrava-se das loucuras que ela mesma tinha feito, antes de casar; e tremia em repensar  como o casamento dela tinha corrido sério perigo, quando os pais recusaram-se a aceitá-lo.

Na realidade, julgando previamente o que Rafaela poderia fazer, Flávia estava reabrindo uma ferida que nunca cicatrizara e que continuava doendo; e estava movendo um sério processo contra si mesma.

A cada dia que passava, ficava mais firme na decisão de não permitir aquele namoro, tão semelhante ao seu, mas que  hoje lhe parecia tão impróprio, tão escandaloso.

Felipe não era tão radical; preferiria que a filha fosse cautelosa, cuidadosa, que não tivesse tanta pressa, que deixasse passar um pouco de tempo, antes de se jogar perdidamente nos braços desse quase desconhecido; mas ao mesmo tempo, queria apoiá-la, mesmo sem saber se este seria realmente o caminho da sua felicidade.

Rafaela e Renato não resistiram à paixão.

Como tinha acontecido com Flávia, ela pôs na mala umas poucas coisas, encontrou-se com o Renato na rodoviária e foi para a Praia Grande, no apartamento que a sua amiga Luisa sempre oferecia à família, a cada ano, por alguns dias.  

Renato seguiu o ônibus, de moto, para poder voltar ao trabalho um ou dois dias depois.

Flávia encontrou um bilhete cuidadosamente redigido:

“Mamãe:

Vou embora com o Renato. Ele é a minha paixão, a minha vida.

Desculpe. Te amo. Vou mandar notícias. 

Rafaela.”

Tudo voltou na cabeça da Flávia, de uma forma clara, como se tivesse sido no dia anterior: as brigas, as discussões, a intolerância do pai, a dolorosa expressão dos olhos da D. Carminha. 

Essa última expressão havia ficado marcada na sua lembrança:  uma tristeza sem esperança,  uma total impotência, uma incapacidade completa de se opor aos acontecimentos, quando estes escapam das mãos.

O presente põe-se a correr rumo ao futuro,  mais e mais depressa  e você não consegue mais alcançá-lo. Tem que parar e se conformar. É um aprendizado doloroso.

Agora D. Carmem estava morta, e ela, Flávia, estava presa na mesma trama de vinte anos antes.

O Destino acabava de armar outra jogada.

......................................

 

O Doutor Frederico Costa largou na mesa o calhamaço de declarações e depoimentos que contavam e repetiam, em desordem, mas com muitos detalhes, toda essa história; como investigador de primeira classe, encarregado de resolver o caso, ele tinha lido e relido cada um dos papeis e ainda estava visivelmente preocupado. Vários detalhes não faziam sentido.   

Ele era um policial experiente, ainda jovem - teria seus quarenta anos - mas muito respeitado no círculo que freqüentava.

Suas conclusões rigorosamente lógicas chocavam-se às vezes  contra fatos aparentemente sólidos e inequívocos; mas aos poucos  acabavam mostrando-se corretas; por isso era sempre ele o escolhido, quando alguma coisa, em uma ocorrência, não resultava muito clara.

 O doutor Frederico tirou do bolso um apontador e inteiramente distraído, começou a apontar mais um lápis.

Perfeitamente dispostos sobre a mesa, outros quinze lápis 2B mostravam o cuidado do seu proprietário e talvez um certo exagero, uma certa extravagância, comum às pessoas que executam, ao longo do dia inteiro,  um duro e cansativo exercício mental.  

Louco? Não, com certeza; um pouco desviado da realidade, talvez. Mas no seu posto, com tantos casos resolvidos, com tantas teorias  confirmadas, esta mania era justificável. 

Afinal, pessoas roem unhas, só dormem enfiando um pano entre os dedos do pé, só andam do lado direito da calçada, colecionam desde pregos a chaveiros, desde quadros a automóveis; por que não aceitar que um bom investigador coloque diariamente na mesa, um por vez, quinze, vinte lápis, todos perfeitamente apontados e simetricamente alinhados?

Este ato, totalmente mecânico, permitia-lhe concentrar-se  no âmago da questão: o casal assassinado.

 

Quando os laudos do IML chegaram à delegacia, uma semana depois, o investigador não ficou surpreso; já sabia que se tratava do Renato e da Flavia e tinha uma teoria a ser provada.

Frederico trabalhava com este elemento – o único dado de fato desse crime -  desde o início, quando havia sido encarregado do caso; mas ainda estava longe de desvendar toda a verdade.

Faltavam ainda muitas peças, e todas deviam estar escondidas por aí, só esperando para serem descobertas e encaixadas no painel.

O revolver, por exemplo: as duas balas mortais tinham saído de um .38, uma arma  tão comum  que se já tornou banal; registrada ou não, quase todo o mundo tem uma.   

Afastou a hipótese de latrocínio: nada, aparentemente, havia sido roubado do apartamento; não tinha havido luta corporal, não havia nenhum sinal de violência.  

O assassino, então, era alguém conhecido; as vítimas  tinham permitido que entrasse,  sem oferecer resistência.

Releu lentamente, com extrema calma,  em voz alta,  as declarações e os depoimentos de cada um dos envolvidos;  reviveu mentalmente os atos, as circunstâncias, percebeu como a tragédia se formara aos poucos, sem que ninguém o percebesse.

Frederico pensou em Flávia;  Flavia descobre onde Rafaela está. Com o coração em tumulto, vai ao apartamento. Encontra só o Renato, mantém com ele um diálogo sério, apertado, a cada momento mais intenso e desesperado. Quer que o Renato se afaste da sua Rafaela; ele recusa-se. Por fim, vendo que não tem solução, saca uma arma, e dispara; primeiro, contra o namorado da filha, depois contra si mesma. 

Quase um ato reflexo de legítima defesa – defesa da filha - e logo depois, a auto punição, violenta, implacável.

Mas onde está o revolver?

Não: não tinha sido um homicídio, seguido de suicídio, como tantas vezes acontece; o ciúme, o medo de perder quem se ama, o  desespero de não conseguir que o outro compreenda, ou ao menos escute nossas razões, podem levar em segundos a um ponto crítico, sem volta, sem correção possível.

Não; também não era este o caso.

O crime tinha sido perpetrado por um terceiro, e pelas circunstâncias, não parecia absolutamente um ato de loucura. 

Mas outras perguntas amontoavam-se em sua cabeça: 

O que a Flavia estava fazendo, naquele apartamento – e com  o Renato? Onde estava a Rafaela, naquele instante? O assassino teria matado Flávia, pensando tratar-se de Rafaela?

Nos pensamentos do Frederico alinhavam-se todos os suspeitos, muitos mais do que ele desejaria:

Em primeiro lugar, o marido,  Felipe;  Frederico imaginou novamente a cena do crime: Felipe segue Flavia, decidido a entender o que se passa na cabeça das duas mulheres; chega ao apartamento, abre a porta, vê  Renato e Flávia; louco de ciúme, descarrega neles o revolver.  Volta a São Paulo, desnorteado, desesperado; aparece só na manhã seguinte, alegando que passou a noite no quartel,  arrumando processos antigos. 

Ana – sim, Ana, a doce menininha, tinha revelado às amigas um ciúme doentio da irmã; e o namoro recente só tinha servido  para aumentá-lo.  Estava triste, não falava mais com Rafaela. 

Na imaginação de Frederico, Ana chega ao apartamento para vingar a irmã; Renato não merece Rafaela e vai fazê-la sofrer.

Abre a porta, e vê a mãe.

Fica tensa, louca, desesperada; e os tiros partem do revolver quase sem querer

Mas Ana está em choque, muda, arrasada, parece não compreender ainda o que aconteceu. Não, não pode ter sido ela. 

Luiz, muito ligado ao pai, é distraído e sonhador. Vive no mundo da lua, alheio a tudo o que acontece à sua volta; parece chocado e incerto; mas com certeza não teria a coragem,  nem algum  motivo forte, como o que havia armado o assassino.

Rafaela também é suspeita: Frederico tenta montar a sua teoria: voltando das compras, Rafaela vê a mãe e o Renato juntos. Morre de ciúme e de raiva. Procura um revolver e atira. 

Inconsistente e frouxa, esta história.

Ela não tem revolver, esta arma não existe, meu Deus. 

O depoimento dela é muito mais lógico:  sai do apartamento para comprar pão, e ao voltar vê um movimento na rua, as viaturas da polícia na porta do prédio; fica assustada;  pensa que estejam à procura dela, a mando do pai.

Pede algum dinheiro emprestado e volta para São Paulo, esperando pôr em ordem as coisas com os pais.

Quando fica sabendo o que aconteceu, simplesmente perde os sentidos.

Volta a si muito tempo depois, nos braços do pai.  

Desesperada, está às voltas com uma grave crise de nervos.

Como poderia ter sido justamente ela, a pessoa que menos motivos tinha, a autora do homicídio?

Nenhum dos envolvidos, a rigor, tem um álibi plausível; mas nenhum tem motivação suficiente. Nenhum se encontra em uma crise tal, que justifique  um ato desvairado desses.

.........................

Frederico apontou cuidadosamente o seu décimo sétimo lápis e ficou matutando, sem colocá-lo ao lado dos outros.

Ficou com ele na mão, mas totalmente esquecido dele.

Alguma coisa lhe dizia que estava perto da solução.

Estava chegando ao ponto chave.

Não podia desperdiçar atenção, tinha que continuar seu raciocínio, firme, fixo, concentrado.

Colocar o lápis no lugar faria desmoronar o frágil castelo de cartas que estava montando...

E finalmente, destacando-se da neblina sombria de seus pensamentos, uma figura começou a avançar, tornando-se a cada instante mais nítida. 

Era Adriana; com absoluta certeza, Adriana.

Mas ela, justamente? Por quê?

Isto ainda não estava claro. Haveria ainda muito que trabalhar, que limar, que desatolar, jogando fora a inútil bagagem das pistas incorretas.

Talvez mais uns três ou quatro lápis, pensou, enquanto colocava finalmente no lugar correto, o lápis recém apontado....

Frederico não se apressou em procurar Adriana.

Deixou-lhe todo o tempo, enquanto ela, a cada dia mais tranqüila, continuava em suas atividades diárias sem mostrar  nenhuma aflição.

Finalmente, quando percebeu que tinha chegado o momento, Frederico deu o bote. Um carro de polícia levou Adriana ao distrito, “só para averiguações” e o investigador fechou a ratoeira.

Adriana resistiu pouco; logo confessou ter sido a autora dos disparos; mas quanto às circunstâncias, aos motivos, só se abriu depois de horas de um interrogatório cansativo e cada vez mais insistente.

Sua história surpreendeu todos – menos o Frederico.

- Por que você cometeu este crime?

- Porque precisava me vingar.

- Do que?

- Porque fui traída,  pelos dois.

- Como é isso? Explique-se!

- Bom; todos ficaram sabendo que eu tinha uma queda pelo Felipe; há anos, queria tê-lo comigo,  queria que abandonasse a Flavia.

Ele parecia um bom homem, simpático, prestativo. Cheguei até a ficar com ele,  duas ou três tardes, enquanto a família dele estava na praia.

- E o seu marido? Você não pensou nele?

- Sim, mas estamos afastados, cada um na sua, sem chance de continuarmos a viver juntos. Ele não se importa comigo, e nem eu com  ele, o que eu faço não é da conta dele;  e eu não ponho o nariz no que ele faz.  

- Continua.

- A Flavia me procurou e chegamos quase a brigar feio. Por sorte, não fomos além dos gritos e xingações. Mas chegamos perto. Ela era impossível!

- Ela estava apenas defendendo o que era dela.

- Sim, mas quem quer, cuida; não larga por aí. Ela estava sempre preocupada com a casa, a roupa, a comida, e ele já andava entediado há tempos. Se não fosse eu, seria outra.

- Mas o que isso tem a ver com ciúme? Como poderia você ter ciúme do homem de outra, vizinha, conhecida e, até certo ponto, amiga?

- Foi porque ele voltou para ela. Não deveria. Ela não o merecia.

- Mas porque o Renato?

- Ah, esta é outra história longa! O Renato era um rapaz atraente, bem falante, conquistador mesmo. Vinha muito aqui no bairro, fazer entregas e acabamos fazendo amizade. Algumas vezes, em dias de chuva, vinha me fazer companhia e ficávamos conversando... e outras coisas. Nunca ninguém  percebeu que ele me visitava muito....mas eu acabei ficando apaixonada. O Doutor não sabe o que é a solidão; não sabe como a gente fica carente, vulnerável; como a gente precisa se sentir útil, acarinhada, paparicada. E com um pouco de sexo, também, porque não? É tão bom!...    

- E mesmo assim,você o matou, deu um tiro nele, sem mais nem menos? Você é louca, ou o que?   

- Bem, doutor: eu poderia até ficar sem o Felipe, deixando-o para ela; mas não ia ficar quieta deixando que ela me tirasse também o Renato!

- O que!? Como é que é? Agora não entendi nada! Repita!

- Sim, Doutor: a Flavia era boba, valia pouca coisa, era só uma dona de casa cansada da rotina;  mas o Renato, esse  não valia nada! Nada! Conforme ele entrou na casa, logo se engraçou pela Rafaela;  saía com ela, iam junto aos bailes, voltavam tarde, levavam broncas o tempo todo dos pais. Mas este relacionamento era só cobertura. Foi a Flávia que se apaixonou por ele,  desde a primeira vez que ele apareceu. Fez de tudo para afastá-lo da Rafaela, porque o queria só para si.

- Mas ele aceitou esta situação?

- Acredito que sim, porque era um crápula, um bolha; quando abri a porta do apartamento, eles estavam juntos, conversando baixinho, como dois namorados. Vi tudo vermelho e apertei o gatilho.

- De onde vinha o revolver?

- Era do Felipe; esqueceu-se dele numa de suas visitas; eu já fiz curso de tiro, de defesa pessoal, de karatê. Nenhuma arma me mete medo. Não tenho receio de nada.

No curso da conversa, Frederico observava as reações contraditórias da moça. De encolhida, remissiva e tímida, levantava a voz de repente e dominava a cena. Concluiu que ela estava psicologicamente instável, e precisando de cuidados médicos urgentes; a menos que isso não fosse apenas uma cuidadosa encenação, para levar a melhor na hora do julgamento.

- E a Rafaela nisto?

- Doutor, já viu como é a paixão de menina de 18 anos?  Faz tudo o que pode e o que não pode, fica louca varrida, se entrega, larga a família, vai onde ele quiser, se mata por ele.

- Mas você queria matar os três?

- Não, não. Em primeiro lugar, eu  quis me vingar da Flavia, porque não me deixou ficar com o marido dela; era meu direito e bastava que ela o deixasse escolher. Tenho certeza que ele ficaria comigo. Aí, mandaria meu marido às favas, em definitivo, e ficaria com o Felipe. que me deixaria feliz...

- E depois?

- Depois, eu não poderia deixar o Renato, nem com a mãe, nem com a filha. Não é justo. Eu amava o Renato; acreditei, por um tempo, que ele seria a solução da minha vida , Depois vi que era um cafajeste, um mentiroso. Aliás, todos os homens são uns mentirosos. Até o senhor, doutor, está mentindo para mim, agora mesmo, fingindo que não sabia nada desta história..... O senhor já sabia de tudo, e está me provocando o tempo todo, para eu repetir e repetir, e no fim me confundir, e me atrapalhar e me acusar...  

 O Frederico encolheu-se um  pouco, como se as palavras da moça o tivessem atingido fisicamente; como se tivesse levado um empurrão, um “chega-pra-lá”  inesperado.  Mas retomou imediatamente o controle da situação. “Mulherzinha perigosa, essa” pensou .

Enquanto isso, Adriana, vencida pela tensão, caia em um choro desesperado. Frederico tentou consola-la, ofereceu-lhe um copo de água, levantou-se para ir pegá-lo; percebeu um movimento, virou-se, entendeu, correu, tropeçou, não conseguiu. A moça pulou com agilidade o balcão, ficou um instante balançando , enquanto se afastava do balaustre, e se atirou no ar. O baque surdo do corpo estatelando-se no chão, ecoou pela sala. Pareceu o estrondo de uma porta se fechando.

Frederico ficou a pensar um pouco, depois encolheu os ombros, suspirou profundamente e pôs-se a apontar mais um lápis de sua coleção.  O relógio do destino acabava de bater a quarta badalada. Caso encerrado.   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Autor: Romano Dazzi


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