A irredutibilidade do espírito humano às condições materiais.



Prof. Adriano de Araujo

Será que há no homem a experiência de uma realidade misteriosa, que seja autônoma e ultrapasse toda dimensão natural?... Será que podemos assentir a uma realidade espiritual no homem?... Ou será que o homem estará reduzido às condições materiais; tais como: um mecanismo bem articulado (autômato), uma animalidade (macaco bem evoluído), uma configuração social ou a um tipo de comportamento orgânico diferenciado?...

A visão ou idéia que o homem possui de si, sem dúvidas, é o que define seu ser e agir no mundo!... Negar a espiritualidade humana significaria negar sua realidade mais misteriosa, que é antes de tudo, a da "experiência interior: experiência espiritual do pensamento e de amor que lhe aparece sempre em sua unidade, a um tempo como incomensurável com os diversos elementos materiais de que se compõe o seu corpo e como essencialmente sua. Eu penso, eu amo: eu sou!"[1]

Em nossos dias é comum na maioria dos pensadores (filósofos, cientistas, educadores, estudiosos...) não admitir nenhum tipo de realidade misteriosa ou espiritual no homem; com efeito, tornou-se urgente manifestar a irredutibilidade do espírito humano às condições materiais, como também, tornar claro suas potencialidades (características próprias).

Não que homem seja totalmente independente das energias materiais, um tipo de puro espírito, pois há dependência do corpo no homem, o qual segue leis biológicas e psicológicas; do contrário, não haveria fadiga no exercício do pensar, que envolve tanto faculdades espirituais (inteligência e vontade), como faculdades sensíveis (sensação, memória, imaginação, apetites...). Afinal, "o pensamento e a liberdade aparecem-nos, com efeito, ao mesmo tempo como dependentes e como independentes em relação às energias materiais." [2]

Todavia, importa concebermos o homem do ponto de vista da sua independência ou autonomia em relação às condições materiais; assim, é possível compreendermos sua irredutibilidade.

A irredutibilidade ao mecanismo

Diante das engenhosidades explicitadas pelo homem, ou seja, de certos mecanismos bem desenvolvidos, envolvendo o rigor da tecnologia e da ciência (computadores sofisticados que pela capacidade de calculo e de memória reproduzem semelhanças com o pensamento humano ou, robôs que, mesmo artificialmente, manifestam comportamentos humanos, entre outros engenhos) tornou-se mais familiar a possível concepção do homem como autômato.

Entretanto, por mais que tais mecanismos produzam admiração aos homens, é fundamental saber que eles não passam de admiráveis mecanismos realizados, produzidos e controlados pelo próprio homem. Desse modo, são mecanismos incapazes de modificar suas próprias funções ou programações, pois não possuem consciência e liberdade; e por mais que reproduzam rigorosamente as condições humanas, não passam de autômatos incapazes de pensar e amar por si mesmos. Portanto, não há dúvidas, o espírito humano é irredutível a um mecanismo bem elaborado!...

Irredutibilidade à animalidade

Em nenhum outro momento da história, como o nosso, ouviu-se tantos clamores exigindo a condição de estrita animalidade para o homem. É verdade, as semelhanças são impressionantes!... São perturbadoras as reações e manifestações de um cão ou um macaco diante de nós; razão pela qual, há aqueles que defendem uma concepção evolutiva entre os viventes. Mas, afinal, será que não passamos de macacos sem pêlos?... Será que a inteligência e a vontade devem permanecer no nível da sensibilidade irracional?...

Podemos admitir, sem temor de errar, que a diferença entre o homem e os demais animais não é apenas de grau evolutivo, e sim, de espécie. Afinal, mesmo diante de tantos embates e debates sobre tal questão, "é interessante notar que a ciência, em cujo nome às vezes se quer apagar a diferença essencial entre o homem e os demais animais, é uma das provas mais claras que tal diferença existe, já que a ciência só é possível porque o homem possui uma capacidade teórica e argumentativa que não se encontra em outros seres vivos." [3]

Em outras palavras, somente a espécie humana possui a capacidade de pensar, como também, de amar ou querer. Certamente, podemos admitir uma inegável continuidade biológica entre os viventes; mas, no homem, devido suas faculdades superiores (inteligência e vontade) também é inegável a descontinuidade, pois sua natureza transcende as condições materiais da animalidade. Com efeito, o espírito humano é irredutível à animalidade!...

Irredutibilidade ao social

"Não é a sociedade que, especialmente pela linguagem, nos ensina a pensar?... Não é ela que cria pouco a pouco nossa consciência moral pelas proibições e tabus que nos impõe?..." [4] Portanto, será que o homem estará reduzido ao social?...

Diferentemente do que dizem muitos sociólogos, o homem não é totalmente determinado pelo social; é bem verdade que as influências sociais existem, mas não de modo necessário, pois o homem sempre pode reagir contra o meio; afinal, como já dizia Eduardo Prado de Mendonça: "as idéias movem o mundo"; significa que, pelas suas idéias o homem muda a sociedade.

Pelo conformismo o social pode até condicionar a vida humana, porém, não basta para explicá-la; o homem pensa e ama livremente, ele possui inteligência e vontade própria. Assim, toda vez que, "abandonamos algo que realmente amamos; cada vez que nos elevamos acima de tudo o que o mundo faz e pensa, a fim de tomarmos uma decisão que julgamos verdadeiramente boa, a experiência moral coloca-nos em face de uma realidade que é essencialmente nossa..." [5] Por mais que exista pressão social, ainda assim, é o homem que faz seu caminho, ou seja, suas escolhas!... Logo, o espírito humano é irredutível ao social!...

Irredutibilidade ao comportamental

Seria possível reduzir o psíquico ao simples comportamento orgânico diferenciado?... Será que a vida psíquica, no homem, não passaria daquilo que observamos de fora, isto é, suas manifestações orgânicas, reações, condutas, comportamentos etc?...

É comum entre muitos psicólogos, por conta do método objetivo (cientifico), reduzir a vida psíquica a suas observações e apontamentos a partir do exterior (dos fenômenos). É como se ao "ouvirmos as vozes, fosse necessário fazer força para não compreender as palavras, e, ao vermos os gestos, forçar-nos para não entender os sinais." [6] Em outras palavras, ocorre uma negação do interior do homem, aquele dentro que cada um possui, o qual caracteriza um universo destacado da realidade objetiva, trata-se da dimensão do "eu reflexivo".

Reduzir o homem a suas manifestações exteriores ou comportamentos, significaria suprimir sua identidade, seus pensamentos, suas representações mais íntimas, seu poder criativo etc. Significaria anular sua autonomia e submetê-lo a um determinismo absurdo. Assim, o espírito humano é irredutível ao comportamental!...

Conclusão

Pelo que foi dito acima constatamos no homem a necessidade de uma realidade misteriosa, que seja autônoma e ultrapasse toda dimensão natural, pois as diversas formas de reducionismos mutilariam aquilo que designamos por verdadeiramente humano.

Com efeito, podemos assentir a uma realidade espiritual no homem; realidade que faz "estourar o universo" em que vivemos por sua força interior!... Afinal, é evidente que a realidade humana é misteriosa, pois manifesta uma interioridade, uma profundeza completamente diversa das condições materiais; manifesta espiritualidade!...

Bibliografia

·SOLAGES, Bruno de. Iniciação Metafísica. São Paulo: Editora Herder, 1964.

·ARTIGAS, Mariano. Filosofia da Natureza. Trad. José Eduardo de Oliveira e Silva. São Paulo: Ed. Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio, 2005.

·MARITAIN, Jacques. Problemas Fundamentais da Filosofia Moral. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1977.


[1] Cf. SOLAGES, Bruno de. Iniciação Metafísica. São Paulo: Editora Herder, 1964. P. 111.

[2] Cf. Idem. Ibidem. P. 112.

[3]Cf. ARTIGAS, Mariano. Filosofia da Natureza. Trad. José Eduardo de Oliveira e Silva. São Paulo: Ed. Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio, 2005. P. 385.

[4] Cf. SOLAGES, Bruno de. Iniciação Metafísica. São Paulo: Editora Herder, 1964. P. 116.

[5] Cf. MARITAIN, Jacques. Problemas Fundamentais da Filosofia Moral. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1977. P. 28.

[6] Cf. SOLAGES, Bruno de. Iniciação Metafísica. São Paulo: Editora Herder, 1964. P. 118.


Autor: Adriano de Araujo


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