A obliteração da função acautelatória das medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/06



            As medidas protetivas de urgência (arts. 22, 23 e 24, da Lei 11.340/06) constituem em providências aptas a possibilitar à mulher vítima de violência doméstica e familiar a tranquilidade necessária para sua vida.

            Como salientado em outra oportunidade(1), é dever da autoridade policial, no atendimento à ofendida, explicitar-lhe os direitos e serviços disponibilizados conforme a Lei 11.340/06 (art. 11, inc. V), questionando-a sobre a necessidade e desejo de solicitar a concessão de medidas protetivas ao juiz.

            No teor da solicitação é suficiente o registro da “qualificação da ofendida e do agressor”, o “nome e idade dos dependentes” e a “descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida” (art. 12, § 1º). Não deve a autoridade policial determinar diligências no sentido de identificar e ouvir possíveis testemunhas ou informantes, ou postergar a remessa do expediente ao Judiciário a fim de buscar elementos informativos para corroborar a narrativa da vítima, exceto se imprescindíveis ante peculiaridades apresentadas pelo caso, a exemplo de relatos incoerentes ou insustentáveis ou, ainda, manifesta alteração psíquica e comportamental da suposta vítima capaz de levantar suspeita quanto à idoneidade de sua narrativa.

            Evidentemente que, tendo em mãos elementos diversos, como documentos, e se presentes pessoas que poderão de alguma forma contribuir nas investigações, a autoridade policial deverá fazer anexar cópias daqueles documentos e dos termos das oitivas destas, além do boletim de ocorrência, à solicitação de medidas de proteção (§ 2º, art. 12).

            Enuncia o § 3º daquele preceptivo que “serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde”. Qualquer atestado ou declaração de atendimento hospitalar servirá, por ora, como hábil documento a demonstrar a materialidade dos fatos.

            Tudo aquilo que possa vir a auxiliar no juízo de valor sobre o pedido deve acompanhá-lo. Contudo, apesar de ter o prazo de 48 horas para seu envio ao órgão judicante, não é aconselhável que a autoridade policial, ainda que motivada por extremo zelo ou cautela, deixe para as últimas horas daquele lapso a remessa do expediente com a finalidade de colher outras informações ou subsídios, pois, se presentes os requisitos atinentes a qualquer medida cautelar (fumus boni iuris e periculum in mora), desnecessária neste instante a atividade persecutória, a qual prosseguirá normalmente com o inquérito policial ou termo circunstanciado(2).

            Apesar de toda essa instrução, infelizmente não rara são as decisões judiciais de indeferimento das solicitações de medidas protetivas fundamentadas na ausência ou insuficiência de elementos capazes de corroborar com o relato da ofendida. Devolvem-se, então, os expedientes aos órgãos policias para a realização de novas diligências.

            Tais deliberações acabam por motivar as autoridades policiais a empenharem-se, antes da remessa dos próximos pedidos ao Poder Judiciário, na busca por elementos como se na presidência de atos investigativos estivessem.

            Em muitos casos, a narrativa de vítima é plausível e ainda encontra-se amparada por depoimento de algum parente ou vizinho, que a acompanhou até a Delegacia de Polícia, devidamente registrado na presença da autoridade policial.

            É de patente urgência o trâmite da solicitação pretendida pela vítima. Sob os cuidados do juízo competente, as “medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público”, bastando a pronta comunicação deste (§ 2º, art. 19).

            Ora, ao se admitir a devolução do expediente ao delegado, responsável pela colheita de elementos informativos diversos, retira-se do novel instituto a qualidade acautelatória que possui como instrumento incidental de resguardo da integridade da vítima.

            Há de se rechaçar veementemente atitudes como essa, salvo quando fundamentadas na translúcida ausência dos requisitos constitutivos do provimento cautelar e desde que sem apego a rigorismos, os quais, inclusive, não compõem o texto normativo.

            Somente com a observância da estrutura legal, consoante as motivações (antecedentes históricos e justificativas) e finalidades protetivas que embasaram o advento das medidas, é que se possibilitará a manutenção da função acautelatória pretendida pelos artigos 18 e seguintes da Lei 11.340/06.

 

Notas:

 

(1) Vide artigo intitulado “Violência doméstica e familiar contra a mulher: considerações sobre a efetividade das medidas protetivas e a vedação à aplicação da Lei 9.099/95”, disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.24272 ou ainda http://www.webartigos.com/articles/20091/1/violencia-domestica-e-familiar-contra-a-mulher- consideracoes-sobre-a-efetividade-das-medidas-protetivas-e-a-vedacao-a-aplicacao-da-lei-909995/pagina1.html.

 

(2) Conforme se tem defendido, a admissibilidade do registro da ocorrência por termo circunstanciado decorre da inconstitucionalidade do art. 41 da Lei Maria da Penha. Mais ponderações estão disponíveis nos trabalhos alistados na nota anterior.


Autor: Thiago Amorim dos Reis Carvalho


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