PENAS ALTERNATIVAS: Aspectos histórico, sociológico, jurídico e político-criminal



Antonio Roberto Xavier¹

Ednaldo Ribeiro de Oliveira²

¹SGT da PMCE; Graduado em História – UECE, Especialista em História e Sociologia – URCA, Mestre em Planejamento e Políticas Públicas e Mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela UECE.

² TEN. da PMCE; Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará – UFC, Graduado em História pela UECE, Especialista em Metodologia do Ensino de História pela UECE.

RESUMO: Este artigo tem por foco analisar o processo evolutivo das penas alternativas como meio punitivo capaz de recuperar presos e inseri-los novamente para a convivência social. Neste sentido, a abordagem gira em torno das penas alternativas como modelo político-criminal com a função humanitária de readaptar o preso em substituição ao modelo desumano, degradante e pernicioso das penas privativas de liberdade de reclusão e detenção, de caráter vingativo e castigante. Este modelo já demonstrou ser ineficiente e ineficaz.

Palavras-chave: penas, penas alternativas, legislação penal

ABSTRACT: This article has for focus to analyze the evolutionary process f the alternative punish as instrument punitive capable of the recover prisoners and insert them again for the social company. In this sense, approach rotates around the alternative punish as criminal political model with the humanitarian function of readaptation of the prisoner in substitution to the degrading and pernicious inhuman model of the privative punish of reclusion freedom and detention of revengeful stamp and castigated. This model already demonstrated to be inefficient and ineffective.

Keywords: punish, alternative punish, punish legislation

1 – Penas Alternativas: origens e fundamentos

Com a falência em cumprir seus objetivos e a verificação de conseqüências funestas à pessoa humana, a pena de prisão vai sendo questionada pelos operadores do Direito Penal de modo a procurarem, dentro do escopo legal, novas formas de penas para que os infratores das normas jurídicas sejam responsabilizados por seus delitos. Essas penas, chamadas de Penas Alternativas e/ou Restritivas de Direitos têm caráter mais humano e, em tese, são mais eficientes e eficazes na busca de atingir o sentido das penas: a reeducação e a ressocialização do infrator, seja pela intimidação, seja pela sua neutralização. Destarte, o Estado cria a possibilidade de proteger os bens jurídicos. Para esse fim, conforme as lições de Costa (2000), cabe ao Estado um papel pedagógico/educador, atendendo de forma específica a cada condenado, individualmente, "utilizando-se da instrumentalização do direito, numa espécie de dirigismo intelectual que se reflete sobre os costumes da cidadania" (p.40).

Com efeito, a história da pena é a história de sua humanização, de sua limitação. Como a pena privativa de liberdade já provou ser ineficaz na recuperação e reinserção de condenados ao meio social, mas ao contrário, traz males funestos ao ser humano, outras alternativas são racionais. As Penas Alternativas adotadas pelo Código Penal são Penas executadas sem a privação de liberdade, de modo descontínuo e apenas em substituição a penas privativas de liberdade. Como se explica isso?

A natureza das penas alternativas deve ser perquirida na história da execução penal. Neste sentido, o Estado possuidor do jus puniendi, ao não alcançar seu objetivo com a pena privativa de liberdade, seja de detenção ou reclusão, busca outros caminhos na tentativa de retomar o projeto inicial em transformar criminosos empedernidos em cidadãos sociáveis.

Na medida em que a pena busca humanizar-se a Ciência do Direito Penal procura novos caminhos na busca de alternativas punitivas capazes de recuperar a conduta social do ser humano. Neste sentido, necessário se faz divagarmos um pouco no tempo em busca das origens das Penas Alternativas. As penas privativas de liberdade, previstas no Direito leigo tiveram início a partir do século XVI, quando em 1595, foi construído o estabelecimento carcerário Rasphuis de Amsterdã para a execução das condenações. Vale ressaltar que a reforma prisional somente surgiu no fim do século XVIII, com a obra do humanista John Howard, State of Prisions (1777).

Todavia, consoante magistério de Costa (2000), os primeiros vestígios de flexibilização das penas são revelados ainda no Direito romano quando o pretor podia substituir, nos crimes de incêndios, provocados por negligência, a pena de fustigação pela Severa Interlocutio e desta o simples surgimento da Admoestação Judicial, preconizada por Justinianus.

Pelo Direito Canônico a Admoestação Judicial foi substituído pelo Monitio Canônico, pelo qual os juízes eclesiásticos, apesar de não terem nenhuma fundamentação em diploma legal, suas decisões tinham força de lei em função de legado papal. Neste sentido, os juízes eclesiásticos detinham autoridade para determinar a suspensão de todas as penas temporais e espirituais impostas aos condenados que retornassem à sua presença, implorando-lhes perdão, desde que não mais praticassem os atos delituosos ou repudiados, anteriormente cometidos, sob pena das penas suspensas serem executadas. Por seu caráter a - jurídico o Monitio Canônico, com o passar do tempo foi abolido.

Com o surgimento do humanismo e as idéias iluministas as penas continuaram no debate entre os racionalistas e contratualistas que passaram exigir que as leis definissem, imparcialmente, as punições.

Com o advento das idéias humanitárias do iluminismo no Estado Moderno e, posteriormente, no Estado-Nação Liberal, a razão prevalecia e, portanto, os governantes deveriam agir à base do racionalismo humano, do manto da lei. Influenciado pela proposta lockeana de um poder legislativo, Montesquieu definirá a arte de legislar como instrumento capaz de evitar as contradições dos códigos e adequar as leis à natureza e aos princípios dos governos (XAVIER, 2007: 31).

Prosseguindo com o caminho humanitário as penas começam a flexibilizar a partir de sanções a menores, na Inglaterra. Em 1847, com o funcionamento do Instituto Juvenile Offenders, era facultado ao juiz omitir a sentença de condenação para apenas declaração de culpabilidade, com simples admoestação ou substituir a pena corporal pela pecuniária. Em 1879, na Inglaterra, com a criação do Summary Jurisdiction Act, foi instituído a suspensão condicional da pena. Todavia, cabia ao infrator a obrigação de pagar as causas processuais ao juiz e a garantia de uma conduta ilibada, efetuando pontualmente o pagamento das despesas processuais e o ressarcimento econômico fiel dos danos que resultaram da infração penal. A partir de 1886, com a aprovação do Probation of First Offenders Act, o benefício da suspensão da pena foi estendidos a outros delitos não somente culposos, desde que a pena não ultrapassasse a dois de reclusão e que fosse prestada uma caução e uma conduta idônea do infrator durante o período estipulado pelo tribunal. De 1907 em diante, o último instituto passou a ser o único válido na Inglaterra, sendo revogados todos os outros anteriores com relação a suspensão da pena (COSTA, 2000).

Nos Estados Unidos da América – EUA vamos encontrar os fundamentos jurídicos para a suspensão condicional das penas numa legislação de correção também de menores, por meio do Reformation and Industrial School. Nessas Escolas industriais, em 1869, os menores delinqüentes primários, a critério do Juiz, podiam continuar gozando da liberdade sob vigilância constante de um Conselho de Administração. Em função dos resultados positivos do Reformation and Industrial School, em 1878, através do Probation Office for Adults, os benefícios da liberdade vigiada aos menores foram estendidos também aos delinqüentes primários adultos, tendo como finalidade verificar, mediante rigorosa fiscalização em torno da vida pregressa dos infratores e de suas capacidades de recuperação sem a necessidade da pena de reclusão.

Essa inovação na legislação penal dos EUA foi tão significativa que em pouco tempo foi reconhecida e amplamente divulgada tornando-se obrigatória a sua aplicação por todos os magistrados em todo o território do Estado de Massachusetts, por força de lei, em 18 de maio de 1891.

A partir dos exemplos de Inglaterra e EUA, outros países do continente europeu adotaram em seus ordenamentos jurídicos a flexibilização no âmbito penal, concedendo, gradativamente, a Suspensão Condicional das penas privativas de liberdade. Foi o caso da Bélgica, através do Ministro da Justiça Jules de Jeune, em 31 de maio de 1888; a França, com a Lei Bérenger, de 26 de março de 1891; a Suíça, com o Código de Neuchatel, de 29 de maio de 1891; Portugal, a partir de 1893; a Noruega, a partir de 1894; Espanha, 1907; e assim por diante. No Brasil, a adoção de Suspensão Condicional da Pena somente entrou em vigor a partir do Decreto nº. 16.588, de 06 de setembro de 1924, tendo como base a Lei Bérenger adotada na França desde 1891 (COSTA, 2000). A aceitação dessa flexibilização nas penas privativas de liberdade possibilitou, paulatinamente, o advento das penas alternativas.

Com a Escola da "Nova Defesa Social" liderada pelo Francês Marc Ancel, a partir da segunda metade do século XX, a tentativa de recuperar os direitos fundamentais da pessoa humana aliada à crise ética porque passava o Direito Penal em manter as penas privativas de liberdade foram fatores decisivos para a instalação definitiva das penas alternativas. Conforme Bitencourt (1993), a Rússia foi pioneira a inserir em sua legislação penal as penas alternativas, com prestação de serviços à comunidade. No Brasil, a possibilidade de penas alternativas surge a partir do Decreto-Lei nº. 2.848/40 (atual Código Penal).

2 – Penas Alternativas na Legislação Brasileira

A chamada transação no Direito penal aplicada no Brasil tem sua origem no Direito norte-americano, no instituto da plea bargaining. Segundo Teles (2004), a plea barganing significa a realização da justiça mediante negociação entre acusador e acusado, por meio da qual este se considera culpado em troca do benefício de receber pena por crime menos grave, ou por menor número de crimes. Já no Direito italiano, o instituto que mais se aproximo do nosso é o patteggiamento, que significa um acordo através do qual o acusador e acusado propõem ao juiz a aplicação de sanções substitutivas das inicialmente previstas em lei.

Com o Decreto-Lei nº. 2.848, de 1940, que deu origem ao Código Penal vigente, três foram as penas restritivas de direitos, apontadas como penas alternativas, que visavam proporcionar ao condenado uma recuperação sociável fora do cárcere. "As penas restritivas de direitos são: I – prestação de serviço à comunidade; II – interdição temporária de direitos; III – limitação de fim de semana" (ART. 43, CPB).

Com a abertura política na década de 1980, houve a reforma da Parte Geral do Código Penal por meio da Lei nº. 7.209/84, antes mesmo da promulgação de nossa Constituição Federal vigente que é de 1988. Essa reforma dava os primeiros sinais de modificação nas execuções penais no País rumo as Penas Alternativas. Com efeito, a referência de política criminal alternativa no Brasil está aportada na Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, como instituto da transação penal que alcança os crimes de menor potencial ofensivo – aqueles crimes cuja pena máxima é igual ou inferior a dois anos, excetuando os casos em que a lei preveja procedimento especial previstos no CPB (Lei nº. 2.848/40) e os delitos previstos nas Leis de Contravenções Penais – LCP (Decreto-Lei nº. 3.688/41) – e permite aplicação imediata de pena não privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa. Destarte, uma das características gerais da Lei nº. 9.099/95, é a celeridade da aplicação penal através dos juizados especiais, conforme preceitua os arts. 72 ss.

A transação da Lei nº. 9.099, além de aplicar-se apenas aos crimes de menor potencial ofensivo e às contravenções penais, é da iniciativa do Ministério Público, que a proporá ao agente do fato. Se este aceitar, a proposta será levada ao juiz, para homologá-la. Discute-se se essa iniciativa é exclusiva da acusação, ou se, preenchidos seus requisitos, a transação seria um direito do agente do crime (TELES, 2004: 377).

É racional ressaltar que para ocorrer a transação penal faz-se necessário as seguintes condições; 1) – não ter, o autor da infração, sido condenado pela prática de crime, à pena privativa de liberdade em sentença definitiva; 2) não ter sido o autor beneficiado nos últimos cinco anos em outra transação penal; 3) ter o autor bons antecedentes, como conduta social e personalidade irreprováveis, motivando ser a transação penal suficiente para a prevenção e reprovação do crime, de modo que o juiz aplicará pena restritiva de direito ou multa.

Demonstrando resultados positivos foram acrescidas outras Penas Alternativas na legislação brasileira. Com a criação da Lei nº. 9.714, de 25 de novembro de 1998, alterou os arts. 43 e seguintes do CPB, tendo sido criadas alternativas à pena de prisão: prestação pecuniária, perdas de bens e valores e prestação de serviços às entidades públicas. Ressalte-se que foram vetados dispositivos da Lei nº. 9.714/98, que previam o recolhimento domiciliar e a advertência (pena inferior a seis meses).

A inovação legislativa de 1998, a prestação pecuniária trata-se de pagamento, em dinheiro, de um valor determinado pelo juiz, entre um e 360 salários mínimos, a ser efetuado à própria vítima ou a seus dependentes, ou, quando o crime não tiver atingido interesse jurídico de particular, à entidade pública ou privada com finalidade social. É salutar mencionar que a lei fala em dependentes e não em sucessores,

daí que se, por ocasião da sentença, a vítima tiver morrido sem deixar dependentes, a prestação pecuniária será paga à entidade, pública ou privada... Se a vítima ou a entidade beneficiária da prestação concordar, o pagamento em dinheiro poderá ser substituído por prestação de outra natureza, como serviços, bens e outros valores. É evidente que a substituição será objeto de deliberação pelo Juiz da Execução Penal, a fim de que seja preservada a natureza penal da condenação e evitadas transações lesivas do interesse público. O interesse primordial continua sendo a sanção penal, secundariamente, a reparação do dano... A prestação pecuniária paga à vítima ou dependentes é uma antecipação, na esfera da jurisdição penal, da indenização reparatória a que tiver direito o ofendido, daí por que seu valor será deduzido do montante de eventual condenação civil, desde que os beneficiários sejam os mesmos. (TELES, 2004: 378-379).

A pena restritiva de perda de bens e valores consiste na transmissão, para o patrimônio do Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN, de bens e valores pertencentes ao condenado. Os bens e valores do condenado a serem pagos ao Fundo Penitenciário deve ser compatível ao prejuízo causado ou do proveito obtido em razão do crime cometido.

Entretanto, como observou Teles (op. cit.), a pena de perda de bens e valores não se confunde com a perda do produto do crime ou do bem auferido com o crime. "O valor do proveito do crime é apenas o parâmetro para a fixação da pena, que terá como teto máximo o maior valor – o do prejuízo causado ou do proveito auferido" (ibidem). Corroborando com Teles (op. cit) a pena alternativa de perda de bens teria sido melhor se tivesse sido instituída para certos crimes de natureza econômica, como os de colarinho branco e não como pena alternativa à prisão.

A pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é espécie de pena que consiste na realização gratuita, pelo condenado, de tarefas junto a entidades públicas assistenciais, tais como: hospitais, escolas, orfanato, em programas comunitários desenvolvidos pelo poder público. O objetivo é a produção de benefícios visando o social. Para este fim, é notório utilizar os apenados de serviços à comunidade ou a entidades públicas de acordo com suas devidas aptidões ou qualificações. Além disso,

O trabalho do condenado será realizado na proporção de uma hora por dia da condenação, fixado de maneira a não prejudicar sua jornada de trabalho. Se a substituição for de uma pena de detenção de um ano, o juiz determinará a prestação de 365 horas de serviços à comunidade. Se for de um ano e seis meses, serão 365+180 = 545 horas, que deverão ser distribuídas de modo a não prejudicar a atividade laboral do condenado, podendo ser prestadas nos períodos noturnos dos dias de semana ou nos sábados e domingos (idem, p. 380).

A condenação à prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pode ser cumprida descontinuamente e em variados dias e com totais de horas diferenciadas, desde que componha o montante de horas semanais prefixado pelo Juiz executor. Além disso, esse tipo de pena não pode ser confundido com otrabalho escravo e o condenado ao recusá-la terá sua conversão será efetivada em pena privativa de liberdade. As atividades desse tipo de pena não podem interferir no labor do apenado de sustento de si e de sua família. Esse tipo de pena tem um papel duplo: ao mesmo tempo em que o condenado produz benefícios sociais está também se beneficiando ao ter um convívio com os mais diversos profissionais que servem de exemplos e de ensinamento para sua recuperação e inserção social. Induvidosamente, este é o tipo de pena alternativa mais eficaz e tem alcançado, atualmente, um total de mais de 422 mil apenados (Diário do Nordeste, 20/05/08).

É válido advertir que de acordo com o § 1º do Art. 181 da LEP (Lei nº. 7.210/84), a pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas será convertida em privativa de liberdade quando o condenado não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido; não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que devia prestar serviços; recusar-se, sem justificativa, a prestar o serviço que lhe foi imposto como pena; e, praticar falta de natureza grave.

As penas de interdição temporária de direitos são: I – a proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; II – a proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habitação especial, de licença ou autorização do poder público; III – suspensão de autorização para dirigir veículo; IV – proibição de freqüentar determinados lugares (Art. 47, CPB, com redação da Lei nº. 9.714/98).

Conforme Teles (2004), as penas de interdição temporária de direitos não deve ser confundidas com a supressão de direitos e garantias haja vista que essas penas atingem certos direitos efetivamente, porém, por certo tempo e não definitivamente, mas proibir o exercício desse direito pó um lapso temporal. O titular desse direito não o perde, apenas é proibido de exercê-lo por algum tempo nas seguintes circunstâncias: o condenado não perde o cargo, função ou atividade pública e tampouco mandato eletivo. A pena consiste na proibição de exercê-los, o cargo, a função, a atividade ou o mandato. Mas, ele não o pode exercê-lo, pelo tempo previsto na sentença. Somente pode ser condenado a esse tipo de pena aquele que tiver cometido o crime no exercício do cargo, profissão, ofício, da função ou atividade, com violação dos deveres que lhe são inerentes (Art. 56, CPB). Os apenados por interdição temporária de direitos são aqueles que praticam certos tipos de crimes previstos no Título XI da parte Especial do CPB, tais como: peculato culposo, prevaricação, condescendência criminosa, advocacia administrativa, violência arbitrária, abandono de função, violação de sigilo funcional.

As penas de interdição temporárias de direitos podem ser convertidas em penas privativas de liberdade quando: o condenado não cumprir, injustificadamente, a restrição imposta; se o condenado encontrar-se em lugar incerto e não sabido ou se não atender intimação por edital.

As penas restritivas de direito quando multa, podem ser aplicadas, independentementede cominação, como substitutiva da pena de liberdade, cumulativamente com pena restritiva de direitos, no caso de crimes culposos cuja pena privativa de liberdade seja igual ou superior a um ano (Art. 44, CPB). O pagamento da multa deve ser efetuado dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado a sentença penal condenatória (Art. 50, CPB). Devemos relatar que o Art. 51 do CPB, combinado com a redação da Lei nº. 7.209/84 – a da Reforma Penal - , previa que se o condenado a pagar multa não o fizesse, seria essa pena convertida em pena de detenção, correspondendo cada dia-multa a um dia de detenção, no prazo máximo de um ano. Porém, com o advento da Lei nº. 9.268, de 1º de abril de 1996, o Art. 51 do CPB, passou a definir a pena de multa, depois de transitada e julgada, passa a ser considerada dívida da Fazenda Pública. Destarte, não se pode falar em conversão da pena de multa em privativa de liberdade, mas que o condenado é o devedor, cujo credo é o Estado. Não havendo o pagamento da multa cabe à procuradoria do estado, ou à advocacia geral da União, promover a ação de execução fiscal, com o próprio costume dos executivos fiscais, conforme a Lei nº. 6.830, de 22 de setembro de 1980.

3 – Penas Alternativas: perspectivas

As Penas Alternativas têm demonstrado não somente um caráter humanitário em relação as punições, mas também, o caminho para o sentido das prisões. No Brasil, as Penas Alternativas, sobretudo a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas tem sido um referencial da magistratura na aplicação de execução penal. Essas penas têm sido, inclusive, apontadas como o mecanismo responsável pela não implosão definitiva do sistema carcerário brasileiro. É consenso geral entre os operadores de políticas criminais que as Penas Alternativas, sobretudo às de prestação de serviços comunitários e à entidades públicas tem apresentado resultados animadores no tocante a recuperação de apenados para o processo de sociabilidade.

Com efeito, se a tendência é prosseguir na humanização punitiva, as Penas Alternativas continuarão sendo reforçadas e servirão como campo de estudo da Ciência Penal na busca constante de novos redimensionamentos para aplicação desse tipo de penas. Os vislumbres são cada vez mais reveladores de que as formas punitivas de privação de liberdade do ser humano devem sempre ser avaliadas levando em consideração àquelas três indagações anteriormente mencionadas neste trabalho monográfico: por que punir? A quem punir? Como punir?

O modelo político-criminal repressor e castigador adotado no Brasil, já provou estar obsoleto e cedendo espaço para as mais variadas alternativas de punições. A descriminalização e a despenalização das penas privativas de liberdade são irreversíveis. As Penas Alternativas para os crimes de menor potencial ofensivo ruma para o aperfeiçoamento das estratégias e aplicação de política criminal coerente com as novas tendências reivindicadas no momento atual.

Todavia, as perspectivas para aplicação de Penas Alternativas no Brasil apontam certos paradoxos. Como nos diz Costa (2000), na medida em que aumenta o número de pessoas criminosas, em função da falta de políticas de inclusão social, diminui os investimentos na recuperação e na reeducação de infratores. Destarte, as Penas Alternativas serão cada vez mais consolidadas e aplicadas na proporção que o poder público e a sociedade civil tomem consciência da importância delas como modelo de política criminal para os crimes de pequeno e médio portes. Esta posição coaduna com a de Beccaria, quando asseverava que "não é a crueldade das penas um dos maiores freios dos delitos, senão a infalibilidade delas... a certeza do castigo, ainda que moderado" (apud GOMES & CERVINI, 1997: 39-40). Com efeito, corroboro com Beccaria (2002) quando asseverava que para a pena não ser um ato violento contra a pessoa humana, ela devia ser essencialmente pública, necessária e proporcional ao delito praticado.

4 – Considerações finais

A partir do ideário iluminista iniciado no século XVII e consumado pós-Revoluções Americana (1776) e Francesa (1879), surgiu a Escola Racionalista ou Contratualista que manteve o ideal do Direito universal e imutável do Jusnaturalismo, porém, que deveria ser de criação humana, fruto da razão, e das decisões conscientes de legisladores humanos. Do ponto de vista dessa Escola o Direito pode ser interpretado como natural e positivo. Com efeito, é a partir do ideário iluminista, sobretudo apregoado por Rousseau, Montesquieu e Beccaria que a definição do Direito de aplicar as penas e como devem ser aplicadas será atribuída ao Estado Burguês Liberal. Do ideário da Escola Racionalista ou Contratualista surgiria a Escola Positivista no século XX, com base nas idéias de Hegel e que perdura até os dias atuais.

A Escola Positivista exclui a idéia de Direito natural e toma o Direito positivo como norte com a finalidade precípua de transformar o Direito numa Ciência capaz de adaptar-se à sociedade contemporânea. Porém, essa Escola é questionada, atualmente, por operadores do Direito. A exemplar, pelo jurista brasileiro Miguel Reale que criou a Teoria Tridimensional Dinâmica que contradiz o positivismo no Direito e estabelece que este é um acontecimento histórico-cultural e não pode ser analisado sem a tríade básica: fato, valor e norma. Segundo a Teoria Tridimensional do Direito, podemos considerar o direito como um fenômeno que reune três aspectos: 1. O direito é Fato: existe como realidade histórico social e cultural, 2. O Direito é valor: é sempre o reflexo dos valores adotados pela sociedade e, 3. O Direito é norma : é um conjunto de regras, uma ordenação (REALE, 1999).

Com efeito, no decurso histórico da sociedade, indiferentemente de qualquer teoria jurídica, o ser humano sempre teve de cumprir certas normas, sob pena de punição. Isto é racional para que possamos viver e manter certa organização coletiva com valores, princípios, enfim com organização social.

Com o advento da nova organização social do Estado-Nação e o estatuto jurídico burguês, as penas passaram a ter caráter público tendo ficado o Estado como o detentor do jus puniendi. A partir da instalação do Estado Moderno Burguês Liberal e do período humanitário as penas passaram a ser definidas pelo poder público através de Códigos de Leis que pré-estabelecem os delito e as penas. É a partir do fundamento e consolidação desse Estado que, além das previsões dos crimes e dos tipos penais serão criados também os estabelecimentos próprios para o cumprimento dessas penas. O início da definição desses estabelecimentos se dá em fins do século XVIII e início do século XIX, com a chamada Sociedade Disciplinar do ponto de vista penal, analisada por Michel Foucault (2001a). Esta Sociedade perdurou até a segunda metade do século XX, conforme observou o pano de fundo ideológico de Gilles Deleuze (1992) e foi substituída por outro tipo de Sociedade penal: a do Controle. Nesta Sociedade as penas devem ser repensadas e as formas de punição também consoante o explicitado neste trabalho.

Com efeito, a tendência no sentido das penas demonstrada neste trabalho foi sempre sua humanização. Neste sentido, é que devemos refletir sobre a quem punir, como punir e para que punir. No caso brasileiro, a tardia implementação das penas alternativas trouxe conseqüências funestas. As penas privativas de liberdade, dentro de um modelo político-criminal repressor sempre foi um mecanismo para ideológico para o poder público. O Brasil padece de um legado violento punidor desde sua colonização. As prisões e a criação de leis duras foram sempre preferência para os "donos do poder" (termo de Faoro) para resolver, inclusive, os problemas sociais.

A eleição de um Estado de law and order com base repressiva e a eleição de leis duras como solução para o problema do aumento da violência criminal já demonstrou que é pernicioso, ineficiente e ineficaz. Encheu as prisões de seres humanos e abandona-los à própria sorte é desumano, irresponsável e sádico. O Estado como detento do direito de punir deve ter no sentido das penas a reeducação e recuperação dos infratores. O exemplo de leis que priorizam as penas alternativas como a 9.099/95 parece ser um bom começo para o sentido das penas. O Estado deve se responsabilizar pela recuperação e a ressocialização de seus apenados, com investimentos de mais recursos humanos qualificados, logísticos e técnicos. A violência física e psicológica praticada nos presídios brasileiros é um flagrante de violação dos Direitos Humanos. Como dizia o ex-presidiário e romancista russo Fiódor Dostoievski (2003) é possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões. Induvidosamente, qualquer pessoa que visite as prisões do Brasil irá concluir que estamos mergulhados numa profunda barbárie social.

A despenalização e a descriminalização parecem ser os rumos do futuro. As discussões sobre a aplicação de penas alternativas em substituição as penas privativas de liberdade devem continuar nos bastidores não só dos tribunais, mas no seio de toda a sociedade. A situação insustentável porque passa o Sistema Penitenciário Brasileiro não mais deve ser admitida. É preciso haver a distinção dos variados tipos penais. As penas não podem ser aplicadas como castigos vingativos, mas como medidas de correção e recuperação.

Além da priorização das penas alternativas para os crimes de pequeno e médio potencial ofensivo, as prisões para ter sentido precisam fornecer atividades laborais ao apenado ou a apenada. Não basta apenas prender, o ser humano não nasceu para viver na ociosidade. Se há de construir prisões, o Estado deve incrementá-las com trabalho para os presos.

Não somos adeptos de forma alguma da impunidade, mas não abraçamos a idéia desumana das punições. O ser humano não nasceu para viver preso, mas se as circunstâncias o levaram à prisão que esta tenha o sentido de corrigi-lo e não apenas de castigá-lo. Com efeito, as penas somente terão sentido no dia em que elas forem aplicadas de maneira justa e sejam suficientes para recuperar, ressocializar e inserir os seus apenados novamente em sociedade.

5 – Referências Bibliográficas

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2002.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, v. 3 e 4. São Paulo: Saraiva, 2006.

COSTA, Tailson Pires. Penas Alternativas: Reeducação adequada ou estímulo à impunidade? 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000.

DELEUZE, Gilles. Conversações – 1972 – 1990. Rio de Janeiro: ed. 34, 1992.

DOSTOIÉVSKI, Fiódor Mikháilovitch. Crime e Castigo. São Paulo: Nova Cultural, 2003.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. História da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 2001a.

GOMES, Luiz Flávio & CERVINI, Raúl. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/95) e político-criminal; prefácio de Alberto Zacharias Toron. 2. ed. Ver., ataul. e ampliada – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.

TELES, Ney Moura. Direito penal: parte geral: arts. 1º a 120, volume 1. São Paulo: Atlas, 2004.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. – 19. ed. – São Paulo: Saraiva, 1999.

XAVIER, Antonio Roberto. Do crime comum ao crime organizado: criminalidade e as políticas públicas de segurança. Fortaleza, 2007. 234 pp. (Dissertação de Mestrado em Planejamento e Políticas Públicas apresentada ao Programa de Pós-graduação da Universidade Estadual do Ceará – UECE).

DIÁRIO do NORDESTE, 20/05/2008, p. 02 -, Editorial.

II – Legislação /Doutrina

Decreto-Lei nº. 16.588/1924 (Suspensão de Pena).

__. 2.848/1940 (Código Penal Brasileiro).

__. 3.688/1941 (Leis das Contravenções Penais).

__. 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal)

__. 7.209/1984 (Lei da Reforma Penal).

__. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal).

__. 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais).

__. 9.268/1996 (Lei de Pena de Multa).

__. 9.714/1998 (Lei das Penas Alternativas).


Autor: Antonio Roberto


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