A PENA DE PRISÃO POR DÍVIDAS



Muitos foram os avanços com o novo Código Civil de 2002, um projeto elaborado pelo ilustríssimo jusfilósofo brasileiro Miguel Reale, mundialmente reconhecido como um ícone do Direito Civil romano-germanico e pai da Teoria Tridimensional do Direito, que apregoa só haver realidade jurídica onde existir a conjugação de três elementos: o fato, o valor e a norma. Segundo o mestre, a ciência jurídica deve estudar as normas sem abstrair-se dos fatos e dos valores presentes e condicionantes quando estas surgem.

            O célebre humanista, em um trabalho que perdurou 26 anos, conseguiu dar ao nosso Código Civil a modernidade necessária no campo do Direito Privado. Alguns não vêem assim, pois acreditam que Reale poderia ter ido mais além, introduzindo questões da atualidade como a polêmica clonagem humana, a inseminação humana, o meio informático, etc., e quero pedir licença aos juristas que assim pensam para dizer que estão equivocados, uma vez que certos temas como a clonagem e inseminação humana, devido sua complexidade, devem merecer legislação específica, além de se tratar de matérias que, reconheçamos, ainda não estão “estabilizadas”;  com relação as atividades informáticas, através de uma interpretação por analogia, pode-se resolver muitas pendengas inerentes ao setor, mas mesmo assim, também ainda dependem de estabilização e normas específicas. Portanto não creio que o ilustre professor tenha errado, aliás, acertou mais do errou, pois a nova carta ficou mais humanizada, reforçando a igualdade das mulheres, considerando direitos de herança a filhos, independentemente da procedência da união que os trouxeram ao mundo, e muitos outros avanços que deixaremos para que os estudiosos do Direito possam detectar, através de um estudo comparado entre o antigo e o novo Código Civil, a erradicação quase completa de um conjunto de leis de caráter extremamente patrimonialista.

            No caso da prisão civil, outrora interpretada como medida imprescindível para o pagamento de débitos, atualmente só é admitida em casos extremos e excepcionais, como as dívidas alimentícias e o depósito infiel, presentes na Constituição de 1988 no seu artigo 5º, inciso LXVII.

            Na hipótese do não pagamento de pensão alimentícia, creio ser, em parte, elemento inibidor de pais inescrupulosos, e visa a proteção e o sustento de uma criança, mas mesmo assim, deve haver muito cuidado para não se cometer injustiças. Já no caso do depositário infiel, percebe-se claramente que é um mecanismo que protege basicamente as instituições bancárias que financiam a compra de automóveis, o que é insustentável, uma vez que a vida e a liberdade não podem e não devem responder pelas obrigações civis e comerciais, sob o risco de retrocesso evolutivo da justiça.

            A proibição da prisão civil já está prevista na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), posta em vigor no Ordenamento Brasileiro através do Decreto Legislativo nº. 27, de 26.05.92, somente reconhecendo a prisão civil coercitiva para o caso de dívida alimentícia (Convenção, art. 7º, § 7º).

            Lembramos que nos termos do § 2º do art. 5º da CF, os direitos e garantias fundamentais nela expressos não excluem outros decorrentes de tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

            Aliás, no caso do depositário infiel, a situação econômica do contratante é conhecível no dia do contrato. O alienante fiduciário tem ciência do conjunto de bens do contratante e de eventuais co-obrigados. O patrimônio deve ser o único referencial para a avença e não pode contar também com a liberdade da outra parte.

            Os sensatos esperam que a boa vontade de nossa Alta Corte possa extirpar de forma definitiva a retrograda idéia de prisão civil para depositários infiéis, pacificando o tão intrigante tema.


Autor: HERÁCLITO NEY SUITER


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