Assassinatos em Série



Ao se aproximar da sua residência, o senhor Marcos Casagrande, um ótimo empreendedor, percebeu que havia algo de errado, a porta da sua casa estava entreaberta e um silêncio imperava naquele local. Tinha duas filhas que amava muito e uma esposa linda e faceira. Era conhecido como o homem das vitrines, pois era dono de uma empresa de vestuários pomposos e sublimes que agradavam a uma clientela bastante sofisticada. Tratou logo de entrar em sua casa gritando o nome da sua esposa: "Helena, Helena, meu amor!" Ninguém respondeu, nem sequer escutou um ruído. Subiu uma escadaria que dava acesso aos aposentos e se deparou com uma carta que jazia sobre um criado-mudo, em seu quarto, nela constavam as seguintes notas escritas à mão:

Ao esposo de Helena Casagrande e somente

Apresente-se sozinho às vinte e três horas em frente à velha fábrica, senão sua mulher e filhas estarão mortas.

Acreditar em tais palavras expressas num pedaço de papel encanecido fora uma tarefa difícil para Marcos. Imaginou quem poderia ter sequestrado sua esposa e as suas graciosas filhas. Porém o fato que o intrigava era encontrar-se com alguém em frente a uma velha fábrica abandonada há muito. Ela pertencera aos seus pais e após a morte da sua mãe, o seu pai desativou a famosa fábrica de doces. Ali vivera os melhores dias da sua juventude, conhecera a sua companheira e aprendera a amar. Eram muito felizes a senhora Helena e o senhor Marcos Casagrande, viviam se beijando e juntos compartilhavam os melhores momentos da vida ao lado das preciosas filhas.

Quem se atrevia a arruinar a felicidade do empresário? Pensando de tal forma, o senhor Casagrande — tal como o chamava tantos — pegou uma garrafa de conhaque e uma taça. Aflito, bebeu tudo o que pôde.

Eram vinte horas quando chegou a sua casa um velho amigo, seu nome era Alfredo, homem de boa estatura, bonito e vigoroso. Prontamente, embriagado, Marcos tratou de contar tudo ao confrade, mostrou-lhe a carta, as conveniências e os seus receios. Disse que na véspera recebera uma ameaça do seu ex-sócio, um homem velho e indelicado que lhe prometera morte certa. Respondeu-lhe Alfredo que, de certa forma, o caso o instigava, não por desejar o mal ao amigo, mas porque adorava mistérios e este, particularmente, o atraía, posto que alguém telefonara para o seu apartamento intitulando-se Simão Bonaparte. Dissera-lhe dos detalhes do episódio, enunciando verdades sobre o sequestro à esposa do empresário.

A vítima não pôde acreditar em tamanha impressão que teve. O amigo estava a contar-lhe sobre o sequestrador e sobre como deveria proceder para que pudesse reaver a esposa e filhas.

— Não me leve a mal, caro amigo, tudo está ao nosso favor. Sei que está atemorizado com tudo isso, mas saiba que estou contigo — disse o homem.

Marcos Casagrande, por impulso, telefonou para a mãe da sua mulher. Perguntou se Helena estava na casa dela, ao que respondeu: — Ela estava aqui há pelo menos duas horas, disse que ia pra casa. Aconteceu alguma coisa?

Marcos não replicou e desligou o telefone. Exprimiu para o confrade o que pensava sobre o caso. Confirmou que estava apreensivo e não sabia como proceder, ao que Alfredo retrucou:

— Ora, estou aqui contigo, como já lhe disse. Sei que a situação é difícil, mas temos que manter a calma, senão tudo estará perdido.

Às vinte e uma horas, Marcos enunciou que já era hora de esperar pelo sequestrador na antiga fábrica e, impaciente, entrou em seu automóvel; porém estando o homem bêbado, disse-lhe o amigo que ele quem iria levá-lo, pois ainda era cedo e o bandido não estaria ali tão brevemente, recordando-se da exigência feita pelo sequestrador.

Vagarosamente seguiram até a fábrica. No caminho não trocaram meia palavra. Marcos ruminava uma vez ou outra e o amigo, silenciosamente, espreitava-o. O senhor Casagrande encostava a cabeça sobre o apoio do banco do carro e cantarolava uma música lenta.

Ao chegarem até o local marcado encontraram-se com um mendigo que, aproximando-se de Marcos, tocou-lhe o terno que usava e proferiu com uma voz grave:

— Que bela fortuna!

O amigo pegou o esmolo pelo pescoço e sussurrou-lhe sem que o senhor Casagrande pudesse escutar:

— Saia daqui logo, senão estará morto.

O mendigo então se foi tão rapidamente que Marcos não o pôde enxergar.

— O deixarei aqui, para que resolva o caso. Lembre-se que a sua esposa e filhas correm um grande perigo e você tem que raciocinar para que fiquem vivas as três — disse Alfredo.

— Não sei o que fazer, nem sequer o que dizer. Ajude-me, amigo!

— Tudo bem, então. Faremos o seguinte, pensaremos juntos em como enganá-los. Os miseráveis estarão aqui em breve. Temos que os matar.

— Como matá-los? Não somos assassinos — vociferou Marcos, aflito.

— Pense, pense, meu caro, eles querem te matar, senão pediriam resgate, e se não o fizeram significa que o querem para si.

— Valha-me Deus! — exclamou o homem.

Alfredo tinha uma arma que jazia em um coldre. Afirmou que mataria todos aqueles malditos com uma pequena e breve ajuda do seu confrade. Ele se esconderia por detrás de um pedestal da velha fábrica de doces. Marcos teria o papel de entreter os bandidos enquanto Alfredo se aproximaria das mulheres e as salvaria. Nada como a teoria para ressuscitar a coragem em um homem.

Às vinte e três horas pontualmente, chegaram os sequestradores. Eram dois homens que vinham numa perua. Diziam possuir a esposa do empresário e as suas filhas e as poupariam de qualquer mal se as exigências que seriam postas fossem cumpridas. Enquanto os malfeitores falavam, Alfredo jazia por detrás do pedestal, tal como o combinado.

Não mais de cinco minutos após a chegada dos homens, Alfredo apareceu subitamente dizendo:

— Pronto. Ele está aqui, agora me deem o dinheiro.

Bastara a primeira palavra do amigo para que Marcos ficasse confuso. Recorrera à indagação:

— Não entendo. Que dinheiro? Por que é tão importante eu estar aqui?

Um dos bandidos apontou uma arma para Alfredo e o outro para o empresário.

— O que está armando, porra? — vociferou um dos sequestradores, um homem de baixa estatura, barrigudo e pouco atlético.

— Nada, nada, meu senhor, é que como lhe fora surpresa, ainda não entende o que está sucedendo — respondeu Alfredo.

— Não quero discussão. Vou-me embora com o infeliz e você ficará de olho aberto, senão estará morto. Entendeu, ou quer que eu escreva? — disse o mesmo bandido de outrora.

— Pois bem, confie em mim.

Alfredo pegou uma sacola saturada de dinheiro que estava nas mãos do outro sequestrador e se foi depois de sussurrar para Marcos:

— Se comporte bem, amigo.

Um grande empresário como era não poderia passar por tão grave conflito de interesses, salvo a sua incompreensão de tudo. Reclamou um motivo para aquelas conversações, porém era prisioneiro de um bando perigoso e vendo-se numa encruzilhada, apreendera que a melhor solução seria fazer tudo o que lhe mandavam, sem inquirições e escapadas, até mesmo porque ainda não avistara as suas mulheres.

À meia noite estava em outro local, num prédio isolado da cidade. Ali aparecera Alfredo que reclamava algo que colocou aquele mesmo bandido pequenino num estado de cólera. Bastou menear a cabeça para que o outro sequestrador apontasse uma arma para o confrade do nosso protagonista, atirando em seguida, sem qualquer receio ou enfado. Alfredo caiu morto e um líquido carmesim o cobriu de todo.

Em seguida chegaram mais dois bandidos carregando consigo as mulheres sequestradas. Marcos sentiu um alento tal que exclamara:

— Graças a Deus!

Um daqueles homens recém-chegados a vítima pôde reconhecer. Era o seu ex-sócio, um velho de olhos negros e cabelos alvos.

A esposa do empresário, tal como as suas filhas, estavam com as mãos atadas. Percebeu que elas estavam muito assustadas. A sua filha mais nova, chamada Carolina, tinha apenas cinco anos de idade e em pranto soluçava. A mais velha, de olhos claros e cabelos louros encaracolados, muito parecida com a irmã, estava apenas espantada e não chorava. A esposa, com aquela beleza indescritível, estava com os olhos enrubescidos.

O ex-sócio de Marcos disse dirigindo-se para o bandido de baixa estatura:

— Elas me deram muita dor de cabeça. Vamos logo com isso. Ele deve morrer agora.

E com tal decisão o outro sequestrador que chegara junto ao ex-sócio apontou a arma para o senhor Casagrande. Após este ato mais nenhuma palavra fora enunciada, restando apenas o som da respiração destes personagens. Em seguida, as garotas gritaram o nome do pai, que ficava emudecido. Abruptamente a arma foi direcionada para as garotas e um único tiro pôde ser escutado. A mais jovem caiu ao chão, ensanguentada. O pai correu em sua direção com muitas lágrimas nos olhos, acudindo a menina.

Outro momento foi decisivo: entrara na saleta em que estavam, o mendigo que Marcos havia visto na fábrica. Estava em posse dele uma pistola. Assim principiou um tiroteio que deixaram muitos mortos. O esmolo era um policial disfarçado que havia sido acionado por um desconhecido.

Por fim todos os sequestradores morreram e também a menina mais nova e a esposa do empresário que, por sua vez, não entendera a participação do amigo neste episódio lúgubre.

Apesar de conservar a vida de Nanda, sua filha, ela estava com sequelas irredutíveis. Além de ter algumas feridas, ela se encontrava depressiva. O pai também ficara aleijado e após o fato resolvera deixar a empresa para se dedicar mais à filha única. O homem estava melancólico e ainda mais reflexivo, chorava as suas perdas sem ainda entender o que realmente acontecera naquela noite nebulosa.


Autor: Ronyvaldo Barros dos Santos


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