MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA DA ECONOMIA DO ESTADO DA BAHIA: OS REBATIMENTOS SOBRE A ESTRUTURA SOCIAL



Durante o segundo quartel do Século XX, muito se falou acerca da existência de um suposto enigma envolvendo os índices de crescimento da atividade industrial no Estado da Bahia, que possuíam dinâmica contrária em relação ao vertiginoso desenvolvimento industrial que estava ocorrendo nas regiões mais dinâmicas do país, ou mesmo em alguns estados do Nordeste, como fora o caso de Pernambuco. Esta estagnação do setor industrial fez com que a economia do estado perdesse importância no agregado da produção industrial nacional durante as décadas de 1940 e 1950, sendo este movimento estudado durante as décadas seguintes por diversos autores que o denominaram de maneira diversa, Pinto de Aguiar o denominou de "Enigma Baiano" enquanto Dias Tavares preferiu chamá-lo de "involução industrial da Bahia" (GUERRA & TEIXEIRA, 2000).

Embora estes estudos tenham reconhecida relevância para o entendimento da problemática do desenvolvimento regional no Brasil, tendo preocupação parecida com a que motivou a abordagem utilizada pelos teóricos envolvidos na formulação das políticas de desenvolvimento regional iniciadas na década de 1950, eles não chegaram a questionar a estrutura econômica e social formada a partir da lógica de acumulação semeada no Nordeste desde a colonização, deixando de associá-la à fragilidade destas estruturas em relação às economias do centro-sul. Prefere-se defender neste trabalho pressupostos levantados pelo ponto de vista de trabalhos como o de Furtado (1987), Oliveira (1981), Carvalho (2001) e Araújo (2000), que partem do entendimento de que a consciência dos processos de formação destas estruturas é fundamental para desenhar sua evolução e medir os rebatimentos sobre o modelo de sociedade que se descortina ainda nos dias de hoje e formulam o que Alban (2006) chama de "novo enigma baiano", ao associar a posição ocupada pelo PIB estadual no contexto nacional, no qual ocupa a 6ª posição, ao ranking dos IDH estaduais, no qual a Bahia ocupa a 20ª posição, questionando as razões que teriam levado a tal contradição entre o estado de desenvolvimento produtivo, em contraponto à precariedade observada nos índices de desenvolvimento humano.

Os autores sempre têm associado este hiato a motivações puramente econômicas. Aqui se entende que a formação da estrutura social baiana obedece à dinâmica de formação de toda Região Nordeste. Parte-se aqui, da conformação de estruturas a partir da exploração agrícola com a participação de culturas altamente concentradoras de terra, renda e riqueza, o que formula no longo-prazo a estrutura social torta e de tão reduzida mobilidade que se evidencia ainda nos dias de hoje. Dentre estas culturas, destacou-se notadamente no estado da Bahia a cultura da cana-de-açúcar no litoral e a da pecuária no sertão, iniciadas nos primeiros anos de colonização portuguesa, mas que até os dias de hoje mostram relevância no agregado da produção do estado e tem seus rebatimentos na formação da estrutura social oligarquizada visíveis ainda muito claramente.

A miríade de acontecimentos que marcaram a formação da sociedade baiana lhe conferiu traços que são únicos dentro da própria estrutura da Região Nordeste. Araújo (1997) avalia que "deve-se ressaltar, desde logo, que nunca houve um Nordeste economicamente homogêneo e que, historicamente, era possível destacar subconjuntos sócio-econômicos diferenciados, em virtude de variados processos de ocupação humana e econômica"[1], concordando com a definição da própria idéia de região exposta por Oliveira (1981), que reconhece que a consideração de Região constitui-se em um conceito largamente utilizado por diversas ciências, o que o faz especialmente difícil de precisar. No Brasil, por exemplo, várias são a concepções de região, como Administrativa, Econômica. Segundo o autor, "a região pode ser pensada sob qualquer ângulo das diferenciações econômicas, sociais, políticas, culturais, antropológicas, geográficas, históricas", embora siga destacando que "a mais enraizada das tradições conceituais de região é, sem nenhuma dúvida, a geográfica no sentido amplo, que surge de uma síntese inclusive da formação sócio-econômico-histórica baseada num certo espaço característico" (OLIVEIRA, 1981, p. 27). Acompanhando o autor no que toca à definição de um conceito de região que contemple uma perspectiva sócio-econômico-histórica, adotamos aqui o conceito que define a região como espaço determinado em que a forma de reprodução e acumulação do capital se manifesta de maneira particular gerando, portanto, saimentos particulares da representação do conflito social e da luta de classes, pressupondo-se a existência de uma forma particular de manifestação das diferentes classes sociais. Deste modo, o que diferencia e fecha uma determinada região em relação a outros espaços existentes no limite do próprio espaço nacional é a forma como o capital, enquanto relação social se reproduz, como se dá sua acumulação e como acontece a geração de valor neste espaço sub-nacional. Desta forma, é quase impossível se referir ao espaço baiano como sendo um todo homogêneo, passível de ser analisado como uma única região fechada do ponto de vista sócio-econômico-histórico, assumindo que não há como se fazer uma análise totalizante do espaço estadual, que vá além do exercício de abstração teórico, compreendendo essa sociedade como uniforme.

Assim, depreende-se que qualquer política de desenvolvimento regional aplicada neste espaço, deve considerar mais de uma forma de atuação se pretender alcançar êxito melhorando permanentemente as condições de vida das populações alocadas aqui. Não parece que essa preocupação tenha permeado as iniciativas de desenvolvimento regional capitaneados pelo planejamento econômico, iniciado no estado da Bahia de forma pioneira ainda em meados da década de 1950 no governo de Antônio Balbino (1955-1959), através da elaboração do Plano de Desenvolvimento para o Estado da Bahia – PLANDEB, surgido de estudos desenvolvidos por técnicos da recém-criada Comissão de Planejamento Econômico – CPE, comandada por Rômulo Almeida desde a secretaria da fazenda, renomado economista baiano que havia pouco ocupara a pasta da fazenda no governo Vargas entre 1951 e 1954. O PLANDEB não foi aprovado pelo legislativo baiano, mesmo assim teve suas ações executadas em sua maior parte durante os governos de Balbino e Juracy Magalhães (1959 – 1963) (ALBAN, 2006; GUERRA & TEIXEIRA, 2000). As iniciativas emanadas do esforço de planejamento observado a partir da década de 1950 representaram para o estado da Bahia a inauguração do padrão de acumulação planejado, que iria permear o desenvolvimento econômico puxado pelos setores industriais a nível estadual.

Cabe fazer uma breve exposição acerca do caráter assumido pelo planejamento no decorrer da história recente do Nordeste em geral e da Bahia em especial. Nossa concepção de planejamento exclui o pressuposto de que este tenha caráter neutro, ou de outra forma, revolucionário. Não é verdade que as economias capitalistas sejam inertes ao planejamento, sendo este ineficaz sobre a composição do produto real dessas economias. Tampouco é verdadeiro o caráter revolucionário que lhe é atribuído por algumas correntes teóricas, sobretudo o estruturalismo latino-americano. Oliveira coloca que houve no Brasil desde o final da década de 1950 até meados década de 1980 a emergência de um padrão de acumulação "'planejado', por oposição ao espontâneo, de condução e orientação das atividades econômicas', e sobre a emergência deste padrão continua dizendo que 'o padrão planejado' não é, senão uma forma transformada do conflito social, e sua adoção pelo Estado em seu relacionamento com a sociedade é, antes de tudo, um indicador do grau de tensão daquele conflito, envolvendo as diversas forças e os diversos agentes econômicos, sociais e políticos" (OLIVEIRA, 1981, p.23).

Desta forma, o planejamento se coloca como sendo uma alternativa para neutralização do conflito social, na medida em que pode fazer uma parte significativa da renda do agregado da população retornar na forma de capital produtivo a ser apropriado pelas próprias elites, mas que, enquanto tal possui limites bem definidos quanto à continuidade da expansão dos mercados consumidores, a oferta de mão-de-obra e à conseqüente necessidade de re-inversão em máquinas e equipamentos garantidores da expansão da produtividade e complexificação crescente da produção industrial, reconhecendo a agricultura capitalista de grande porte como sendo também dotada de características industriais.

O maior problema, que se observa na aplicação das técnicas de planejamento na Bahia, diz respeito à forma que essa apropriação do "Fundo Público" assumiu[2]. Enquanto a industrialização do Centro-Sul fomentou a formação de um sólido mercado consumidor de bens finais, demonstrando que as regiões que a compõem conseguiram romper com o chamado Círculo Vicioso da Pobreza[3], a Região Nordeste passou por um processo de industrialização, inclusive do campo, que radicalizou a concentração de renda e riqueza na estrutura social, provocando o alastro destas condições de reprodução do capital para a indústria, cooptando este setor como nova mola propulsora da concentração e da desigualdade no estado. Os dados referentes aos índices de concentração condensados no coeficiente de Gini, mostram que, embora a atividade industrial tenha colocado a Bahia entre os estados mais industrializados do país, a concentração de renda e riqueza se intensificou e os desequilíbrios sociais foram agravados.

Tabela 1: Brasil SUDENE e Nordeste
Coeficiente de Gini e Participação na Renda dos 5% mais ricos e dos 40% mais pobres
1960 – 1980


Fonte: ALBUQUERQUE (1993) apud CARVALHO (2001)

A despeito das políticas de desenvolvimento regional promovidas na Bahia, como no Nordeste, a estrutura social sofreu poucos efeitos positivos, embora o estado tenha se tornado preclaramente urbano, como mostram os dados a seguir.

Gráfico 1[4]: Nordeste
População Rural e Urbana como Proporção da População Total


Fonte: Elaboração própria com base nos dados dos Censos demográficos do IBGE de 1960 a 2000, apud ADENE - Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste (2006)

Sabe-se que a atividade industrial é essencialmente urbana, desconsiderando a empresa agrícola, logo, a migração para os núcleos urbanos, serve como um bom indicador de modificação da estrutura econômica. A Bahia se destaca como o estado no Nordeste que mais avançou em termos industriais durante as décadas em que se pôde desfrutar de um padrão de acumulação planejado.

Tabela 2: Nordeste - PIB 2004, por estados


(A preços correntes; em R$ milhões)

Fonte: IBGE apud FIEB (2007).

Assim, a Bahia logra ser a economia mais desenvolvida do Nordeste, mas reproduz o modelo excludente que é vigente em toda a região Nordeste entre os anos de 1960 e 1980.

Conclusão

As políticas de desenvolvimento regional implementadas no estado da Bahia conseguiram promover com algum sucesso a modernização do parque industrial, garantindo ainda o crescimento da participação do estado na economia nordestina, na qual ele contribui com quase 36% do agregado regional. No entanto, o perfil da industrialização ocorrida no estado se limitou à implantação de grandes indústrias produtoras de bens intermediários para a indústria de bens finais localizadas, sobretudo no sudeste. Desta forma, pode-se dizer que os laços de dominação entre a economia estadual e as economias do centro dinâmico do país foram aprofundados.

Observa-se então que desde o momento em que o Estado brasileiro, num sentido mais amplo, decide por força de pressões sociais emanadas das camadas mais pobres desta sociedade, realizar ações que tivessem como meta diminuir os efeitos das secas no sertão e minimizar a fragilidade da economia baiana em relação a outras economias estaduais do país, esses esforços foram apropriados pelas elites locais e desvirtuados em seus objetivos para que assim servissem de força motriz para a exacerbação dos problemas que visavam combater. Assim foi com a política hidráulica, que protegia atividades econômicas específicas e excluía as camadas mais populares do usufruto de seus benefícios, ao passo que fortalecia as atividades concentradoras de riqueza, renda e terra sob domínio das elites regionais, como também o foi com as políticas de desconcentração das atividades econômicas com as políticas de industrialização do estado.

Não houve a formação de uma burguesia industrial no seio da sociedade baiana. Têm-se que observar as decisões serem tomadas no interior de um bloco histórico do poder que tem seu centro decisório localizado em outros espaços, nacionais e internacionais, no qual as elites locais representam apenas uma fração de classe subdesenvolvida e nunca hegemônica. Os anos de planejamento do desenvolvimento na Bahia, como o foi em todo o Nordeste, representaram um momento de transição de hegemonia importante, um momento de construção de uma sociedade cativa, emanada de uma economia cativa do grande capital, cujos interesses estão ligados aos movimentos estranhos a esta economia.

Bibliografia

ADENE. Plano estratégico de desenvolvimento Sustentável do nordeste: Desafios e Possibilidades para o Nordeste do Século XXI. (Versão para discussão). Recife, 2006.

ALBAN, Marcus. O Novo Enigma Baiano: a Questão Urbana-Regional e a Alternativa de uma Nova Capital. Revista Desenbahia, Salvador, v. 02, n. 04, 2006.

ARAÚJO, Tânia Bacelar de. A "questão regional" e a "questão nordestina", In: TAVARES, Maria da Conceição (Org.), Celso Furtado e o Brasil. Editora Fundação Perseu Abramo, 2000.

CARVALHO, Fernanda Ferrário de. Da esperança à crise – a experiência das políticas regionais no Nordeste. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Econômico), UNICAMP, Campinas, 2001.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 22ª edição. Editora Nacional, São Paulo, 1987.

GUERRA, Oswaldo; TEIXEIRA, Francisco. 50 Anos da Industrialização Baiana: do enigma a uma dinâmica exógena e espasmódica. Bahia: Análise&Dados. Ano 10, n° 01, Salvador: Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, jul. 2000, p. 87-98.

NURKSE, Ragnar. Problemas da formação de capitais em países subdesenvolvidos. In. Memórias do Desenvolvimento, Vol. 1, Centro Internacional Celso Furtado, Brasília, 2007.

OLIVEIRA, Francisco. Elegia para uma re(li)gião: SUDENE, Nordeste. Planejamento e conflito de classes. 6ª edição. PAZ E TERRA, Rio de Janeiro, 1981.

____________. A metamorfose da arribaçã: fundo público e regulação autoritária na expansão Econômica do nordeste. Novos Estudos CEBRAP Nº 27 – Jul. de 1990, p. 67-92.

____________. Os direitos do antivalor: Economia política da Hegemonia imperfeita. Vozes, Petrópolis, 1998.



[1]Araújo continua sua análise afirmando que pode-se destacar a partir deste paradigma a existência de quatro "regiões nordeste", quais sejam:

a) o "Nordeste" do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas, onde a "economia açucareira e a pecuária gestavam duas poderosas oligarquias e uma incipiente burguesia industrial";

b) o "Nordeste" do Ceará, onde "o complexo gado-algodão-agricultura de alimentos conformava uma "oligarquia sertaneja" que se expandia na acumulação comercial"; não existia o complexo canavieiro;

c) o "Nordeste" de Sergipe e Bahia, que, durante algum tempo, foi caracterizado pela fundação IBGE como integrante de uma "região leste"; era comandado por Salvador , cidade portuária e mercantil, e onde desde cedo se desenvolveu uma burguesia comercial e financeira. No campo, dominava a cana, o cacau e as zonas de combinações agrícolas sertanejas. O oeste baiano era um vazio, tanto econômico como demográfico, até décadas recentes;

d) o "Nordeste" do Piauí e Maranhão, mais conhecido como espaço de transição entre o Nordeste seco e a região amazônica, era chamado de "meio norte" e vista como área aberta à expansão da fronteira agrícola regional, até o final da década dos anos 50 (ARAÚJO, 1997a, Apud CARVALHO 2001, p. 6)

[2] A idéia de Fundo Público foi extraída de OLIVEIRA (1990), trabalho no qual o autor analisa as transformações ocorridas nas economias nordestinas depois da falência do padrão de acumulação planejado.

[3]Para melhor informaçãosobre este conceito ver NURKSE (1951).

[4] Os dados referentes ao estado da Bahia não constavam no referido documento e não foi possível consultar a estatística fornecida pelo IBGE diretamente na fonte.


Autor: Thiago Cedraz Almeida


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