Anônimo (ou 'Metrópole')
“Começa o dia”, o relógio diz
sua voz como estilhaços de outra voz
Soa um alarme
sua voz como um grito em si bemol
Digo: “ardem meus olhos”
“Arderão mais”, diz o dia, já exausto
Estou também a um passo dessa exaustão
“Aí está a porta”, a maçaneta diz
Minha mão nela
como mão de ferro numa maçaneta de ferro
como mão de ferro num ímã
Estou na rua
O sol esquenta meus sapatos de couro:
a partir deste ponto
O este não será mais o eu.
Caio na boca da metrópole
Sua língua de concreto me abocanha
Seus dentes cimentados mastigam minha pele marrom
Meu sangue encharca o reboco
— o reboco agora está tingido dum carmim ralo
uma água rala, dessas de poça de chuva no asfalto
Sobre os lábios da cidade que me engoliu
o sangue coagulado preteja
Esses lábios permanecem imóveis
Essa língua não se pronuncia
Esses dentes se mantém escondidos
— a cara exata da cidade nunca ri
Sorrio eu para o insulfilm:
Minha gengiva se arreganha negra e úmida
feito uma sanguessuga.
http://sodine-ue.blogspot.com
Autor: Sodine Üe
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