ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A HISTORICIDADE NO ENSINO DE HISTÓRIA.



Primeiramente, devemos considerar que História é a ciência humana básica na formação do aluno, pela possibilidade de fazê-lo compreender a realidade que o cerca e, conseqüentemente, dotá-lo de espírito crítico, que o capacitará a interpretar essa mesma realidade. Todavia, formação de espírito crítico não significa, necessariamente, levar alunos a posições ideológicas extremadas, mas capacitá-los a discernir as várias linhas e correntes de interpretações, que se podem dar aos fatos históricos, em seus devidos contextos, e, a partir daí, permitir aos discentes realizar suas escolhas políticas, sociais, econômicas e culturais. Por outro lado, a ciência histórica tem seus métodos e instrumentos de análise que se querem respeitados. O ensino de História, necessariamente, deve levar em consideração essas premissas, também, com a finalidade de estimular vocações para esse ramo do conhecimento humano. Assim, o estudo de documentos e as várias interpretações, suscitadas pela História, são pontos fundamentais no estudo dessa disciplina. É neste sentido que Selva Guimarães Fonseca em seu texto “A constituição de saberes pedagógicos na formação inicial do professor para o ensino de história na educação básica” afirma que:

 

Do movimento historiográfico e educacional, nesse período, é possível aprender uma nova configuração do ensino de História. Houve uma ampliação dos objetos de estudo, dos temas, problemas e fontes históricas. Os referenciais teórico-metodológicos são diversificados, questões, até então, debatidas apenas na universidade chegam à educação básica, mediadas pela ação pedagógica de professores que não se contentam mais com o papel de reprodução dos velhos manuais. (FONSECA, 2004, p. 149)

 

                  Nesta afirmação, o movimento historiográfico no contexto educacional está muito difundido, por certas correntes, segundo a qual, a educação não é neutra; no fundo, embute a idéia segundo a qual História deveria ser desenvolvida a partir de uma linha ideológica vinculada à realidade social, injusta e exclusiva, da qual são vítimas, vastas parcelas da população brasileira e mundiais. Ora, tal interpretação tende a criar a idéia, segundo a qual, somente ações radicais teriam o condão de eliminar tais desigualdades e injustiças, o que desqualifica a possibilidade da existência de vias democráticas de transformação nos países que enfrentam tais problemas. Até aí nada demais, posto que, num sistema democrático, no qual vivemos, os professores têm o direito de adotar essa ou aquela linha de interpretação histórica, em sala de aula. Ocorre que, ao adotar "uma linha" de interpretação dos fatos históricos", negam-se aos alunos os instrumentos necessários para desvelar o outro ou os outros lados da questão, ou seja, deixam-nos impossibilitados de refletir sobre outras interpretações, que poderiam enriquecê-lo culturalmente. Por outro lado, a linha única no desenvolvimento de conteúdos históricos, cria, na mente dos jovens, um preconceito odioso contra formas políticas, sociais e econômicas vigentes e um sectarismo, extremamente, perigoso.

                  Quando os pensadores de esquerda criticam o capitalismo, por exemplo, alguém poderia objetar que o socialismo constituiu-se, comprovadamente, em experiências fracassadas, em países cuja ineficiência econômica e totalitarismo político acabou por fazê-los ruir, totalmente, nas últimas duas décadas do século XX, e que o segundo, ainda que imperfeito, criou as mais sólidas economias e democracias mundiais, além de sociedades de elevado bem-estar social do mundo contemporâneo. Seriam verdadeiras as afirmações acima expostas? É o que deveriam perguntar-se os professores de História, quando de discussões sobre o tema com suas classes, normalmente, os do ensino médio, realmente, interessados em formar o espírito critico dos alunos, oferecendo-lhes diversificadas bibliografias e diferentes instrumentos de análise histórica. Podemos perceber que a questão do ensino da história do Brasil, no Ensino Fundamental e Médio muito se discute, sobre a importância de os alunos conhecerem a realidade brasileira. Todavia, sem um estudo do Brasil contemporâneo, a partir de suas estruturas sociais, políticas econômicas e culturais, isso se torna de difícil concretização.

                 Qualquer estudo de História do Brasil, nos ensinos Fundamental e Médio, deveria começar pela situação atual do país a partir de noticiários televisivos, pesquisa em jornais, revistas, livros didáticos e para-didáticos, filmes históricos, entrevistas com membros de determinados segmentos sociais, de acordo com a localização e possibilidades de cada escola. Buscar as conexões entre presente e passado da História brasileira, enriquecerá, sobremaneira, os conhecimentos dos alunos dos vários Ciclos do Ensino Básico. Entretanto, o que se observa, é o hábito de muitos professores montarem seus programas utilizando-se da cronologia tradicional, Colônia, Império e República, selecionando excessiva quantidade de conteúdos, durante o planejamento. Em decorrência desse fato, os alunos nunca chegam a estudar o Brasil, no qual estão, realmente, inseridos.

Dada a liberdade de construção dos currículos de História, durante o planejamento, nada impede que os professores iniciem seu trabalho em História do Brasil a partir da análise das estruturas: sociais, políticas, econômicas sociais e culturais, atuais para, a partir daí, estabelecer as conexões necessárias entre o presente e o passado.

                 Assim procedendo, o professor teria a oportunidade de selecionar os aspectos mais significativos dos diversos períodos da História do Brasil, explorando-os com a necessária pertinência. Essa seleção eliminaria os conteúdos supérfluos e enxugaria os programas, tornando-os factíveis para o ano letivo. Mas ao propor o ensino de História como tema de discussão na abertura e no encerramento dos eventos realizados em uma semana que se volta para a reflexão acerca do curso de História, penso que se abre um canal para que todos os envolvidos com o ensino da História se inscrevam em uma dada ordem e se autorizem a produzirem as suas falas. Sentindo-se, portanto, autorizada, elege a pesquisa e a prática do professor de História para refletir sobre a historicidade deste ensino por acreditar que as temáticas presentes nas investigações indicam uma dada relação tanto com a concepção de história quanto com o fazer cotidiano do professor. Muitos debates e inúmeros estudos sobre a história ensinada nas universidades brasileiras e escolas serviram de subsídios para publicações de livros, teses, dissertações e artigos especializados. Ocorreram apresentações em simpósios, congressos, seminários e encontros, com o foco centrado para o ensino de História. É neste sentido que Maria Auxiliadora Shmidt e Marlene Cainelli argumentam o seguinte:

 

[...] As reflexões apresentadas nesse período apontam a existência de diversas abordagens e temáticas para o ensino de história, além de questionamento acerca dos conteúdos curriculares, das metodologias de ensino, do livro didático e das finalidades do ensino. As questões epistemológicas do conhecimento histórico e a problemática da reprodução do conhecimento no ensino da História para a escola fundamental e média também tornaram-se objeto de discussão [...] (SCHMIDT, CAINELLI, 2004. p.11).

 

                  As disputas acirradas nos debates e reivindicações feitas por alguns historiadores permitiram que especialistas diagnosticassem as condições do ensino de história em escolas brasileiras, como também possibilitou traçar um perfil do professor de história, cuja formação era dividida, nesse período, entre os cursos de graduação, de licenciatura em História curta ou plena, além do curso de Estudos sociais. Criou-se um dilema sobre a maneira reprodutivista de se trabalhar a história, criticou-se a atuação do professor de mero transmissor e o aluno como receptor passivo do conhecimento histórico, bem como o conteúdo programado do livro didático, o qual é material de estudos e críticas até hoje. Travou-se um embate contra o ensino do conhecimento histórico, anacrônico, positivista e temporalmente estanque.

                 A década de 1980, ficou marcada pelo propósito de debater e reivindicar a retomada da disciplina de história, voltada para temáticas sobre o cotidiano do aluno, seu trabalho e sua historicidade, objetivando fazer do aluno sujeito produtor da História. A eminência de novas perspectivas para o ensino de história foi surgindo com as mudanças e transformações ocorridas ao longo do processo. O ensino de história brasileiro abriu precedência para um novo enfoque almejado com a contribuição da memória, quando colocou nas tendências atuais como função do ensino, a apreensão da pluralidade de memórias e não somente da memória nacional, a visão da ciência fez a análise do fato histórico ser substituída por outras possibilidades, como análise do processo histórico e da experiência dos sujeitos da história, incorporou novos temas e objetos como o da história das mulheres, a das crianças e a dos movimentos sociais.

                 Nessa temática o professor deixa de ser o transmissor da história verdadeira e acabada para ser o mediador entre aluno e conhecimento histórico, passa a ser o responsável na orientação do percurso, pela produção do conhecimento histórico e fica comprometido com o aluno. Já o aluno de mero ouvinte expectador assume a função de sujeito da história, do próprio conhecimento e do conhecimento histórico. Em relação ao ensino de História, a redefinição do papel do professor a partir dos anos 80, fora uma das mudanças mais aparentes na questão do trabalho pedagógico, pois conferiu aos educadores e educadoras mais autonomia no trabalho, não os deixando sumariamente presos a um rol de conteúdos. É interessante assinalar que o objetivo era recuperar o aluno como sujeito produtor da História, e não como mero espectador de uma história já determinada, produzida pelos heróicos personagens dos livros didáticos. Advindo os anos 90, o ensino de História tem novos paradigmas teóricos que são propostos e incorporados às produções historiográficas, respondendo assim, aos temas mais significativos da sociedade. Para a historiadora e pesquisadora Circe Bitencourt:

 

"um dos objetivos centrais do ensino de história na atualidade, relaciona-se à sua contribuição na constituição de identidades. A identidade nacional, nessa perspectiva, é uma das identidades a ser constituída pela história escolar, mas por outro lado, enfrenta o desafio de ser entendida em suas relações com o local e o mundial"(BITENCOURT, 2004, p. 121)

 

                  Portanto, a constituição das identidades está totalmente relacionada com a questão da cidadania, que é um problema essencial na atualidade brasileira. Nesse aspecto, fundamentalmente, é que se encontra nos PCN's a afirmação de que a História deve contribuir para a formação do "cidadão e cidadã críticos" mostrando a importância política da disciplina. Nesses aspectos discutidos e tendo como fundamento todo o debate teórico intrínseco nos PCN's, é que devemos repensar a questão de como os professores e professoras irão trabalhar com esse material, principalmente, pelo fato de quê muitas vezes a realidade encontrada nas escolas dificulta-lhes muito o trabalho.

 

"As mudanças curriculares devem atender a uma articulação entre fundamentos conceituais históricos, provenientes da ciência de referência, e as transformações pelas quais a sociedade tem passado em especial as que se referem às novas gerações. Diversidade cultural, problemas de identidade social e questões sobre as formas de apreensão e domínio das informações impostas pelos jovens formados pela mídia, com novas perspectivas e formas de comunicação, têm provocado mudanças no ato de conhecer e aprender o social "  (BITTENCOURT,  1992, p. 135)

 

                  A proposta do PCN's acabou por deixar de lado algumas questões de ordem primordial na questão da prática, pois faltou uma abordagem mais incisiva sobre a realidade das escolas, dos professores e das professoras que colocam em prática cotidianamente, as teorias de ensino referentes aos conteúdos propostos nos Parâmetros Curriculares, principalmente no que refere-se à questão de infra-estrutura e no perfil psicológico dos próprios alunos e alunas que serão responsáveis por disseminar estes conhecimentos no decorrer da vida escolar. Trabalhar fundamentalmente com base na experiência do aluno e aluna, valorizar o conhecimento espontâneo, sem ser espontaneista, isto é, considerar-se-á a importância de relacionar os acontecimentos históricos cotidianos, vinculando-os com o conhecimento da História Contemporânea, elaborada e sistematizada. Não deixar de trabalhar com cronologia, mas, inseri-la gradativamente de acordo com os conteúdos estudados, principalmente no que refere-se à inter-relação com os acontecimentos cotidianos e experiências pessoais do alunado.

                 Quando começamos a refletir sobre o ensino de História, lá pelos idos dos anos de 1980, tínhamos um argumento indefectível para justificar o “receio de iniciar” a escassez de estudos e de pesquisas que tomassem aquela temática como objeto e que pudessem se constituir em fundamentação teórica para nossas próprias investigações. Então, sempre que discutíamos aquele ensino nos valíamos dessa litania e iniciávamos nossas falas pela constatação de uma ausência, qual seja a falta de bibliografia específica sobre o ensino da História. É claro que a estratégia justificava-se, de fato, pelo estado da arte de nossas pesquisas naquele momento, quando o ensino da História e a reflexão sobre esse ensino eram temáticas que ainda não se faziam presentes de forma efetiva em nossas pesquisas. Lembro-me, ainda hoje, que as referências mais constantes que empregávamos para fundamentar nossas análises eram buscadas em Cabrini, Silva e Fenelon. Pode ser que alguns tenham sido esquecidos, mas, em geral, eram a esses autores que recorríamos para refletir sobre o ensino de História. Mas, por outro lado, é indubitável, igualmente, que o discurso acerca da escassez de pesquisas na área era um argumento indefectível para eximir-se de responsabilidades maiores, argumento da mesma natureza daquele que discutimos no início desse texto, ou seja: não temos bibliografia suficiente para refletir sobre o ensino de História, portanto não esperem muito desta comunicação.

                 Bem, depois que fazíamos as advertências e que “iniciávamos”, havia, naquele momento, um outro problema com o qual nos debatíamos e que, igualmente, se fazia presente em nossas análises como uma salvaguarda para nos inscrevermos em uma dada “ordem do discurso”, ou seja, uma cisão entre o ensino de história e a pesquisa e, por conseguinte, o afastamento entre o ensino da História, ministrado pelos professores do 1º e 2º graus e a produção do saber histórico que se dava no interior das academias. Subjazia aos textos relativos ao ensino da História, nas mais diferentes perspectivas, bem como às discussões entre os professores e entre nós, à época alunos da graduação e estagiários, a constatação de uma profunda dissensão entre o que aprendíamos na academia e o que deveríamos ensinar aos nossos alunos.

                 Desta maneira, a dimensão crítica que perpassava o ensino da História nos cursos superiores era obliterada no âmbito do 1º e 2º graus. Nestes níveis, em lugar da problematização entrava em cena a história ordinária dos fatos, da linearidade, dos “nomes próprios”, como a definiu Rancière. Por conseguinte, os primeiros contatos com o ensino da História, sobretudo para aqueles egressos dos cursos de licenciatura plena, eram seguidos por esta desestimulante constatação, que ensinar História no 1º e 2º graus significava romper com o que se apreendera na academia. Decorria desta cisão, uma outra segmentação: aquela que mantinha o ensino de História afastado do cotidiano dos alunos. As queixas sobre a monotonia das aulas de História e sobre a falta de sentido de se estudar apenas o passado eram freqüentes por parte daqueles que estavam sentados nos bancos escolares.

                 Portanto, a relativa carência de publicações sobre o ensino de História não significava, evidentemente, a ausência de problemas. Deve-se atentar para o fato de que o recorte cronológico empregado para realizar esta reflexão inicia-se na década de 1980, período marcado no âmbito da formação dos professores de História pelas discussões acerca dos problemas emanados dos cursos de Licenciatura Curta em Estudos Sociais e Licenciatura Plena em História. No que diz respeito ao ensino da História em nível de 1º e 2º graus, o mesmo período marcou o início das propostas de reformas curriculares que conferiam à história ensinada uma dimensão crítica. O momento caracterizava se pelas influências na academia, de um lado, do pensamento crítico de conotação marxista e, de outro, pelas inovações advindas da historiografia francesa, em particular das contribuições do movimento dos Annales e por sua conseqüente penetração nas discussões acerca das mudanças que se faziam necessárias na História ensinada, fosse nas Universidades fosse nas escolas de Educação Básica.

                 Na década seguinte, anos de 1990, começaram a se produzir deslocamentos tanto no que diz respeito à ausência de pesquisas sobre o ensino de História quanto no que concerne à cisão entre a academia e o ensino desta disciplina. Ou seja, estas duas realidades produziram desdobramentos que imprimiram marcas na trajetória do ensino de História. Será justamente sobre essas implicações que passaremos a discorrer. Nesse sentido, transcorrida uma década, aproximadamente em meados dos anos de 1990, já não podíamos nos valer mais, sob pena de sermos desmascarados, da justificativa da carência de estudos e de pesquisas sobre o ensino de História.

                  Era necessário “iniciar” sem a salvaguarda daquela proteção, pois, gradativamente, esta temática começou a se insinuar em nossas pesquisas, tanto em nível nacional quanto em uma perspectiva mais restrita, situada localmente. Data deste período a emergência de teses e de dissertações relativas ao tema, bem como a publicação e divulgação destes estudos em forma de artigos, livros, revistas e assim sucessivamente. As pesquisas começaram, então, a ser produzidas e divulgadas. Os temas emergentes naquele momento se caracterizavam primeiramente pelas preocupações em analisar a história do ensino de História e, por conseguinte, em discutir o currículo do ensino desta mesma disciplina. Conforme ressaltado anteriormente, o contexto justificava a emergência dessas modificações. Ao lado dessas discussões, uma outra preocupação, já antiga, começou a adquirir visibilidade como campo de pesquisa, como no caso a relação entre a formação do professor e a História que este ensinava aos seus alunos.

                  Via de regra, o enfoque aí recaía sobre uma suposta defasagem existente entre os conteúdos ensinados em nível de 1º e 2º graus e a produção acadêmica do saber histórico. De um lado, estes estudos, que buscavam apreender a relação entre a concepção de História do professor e sua formação, possibilitaram o aprofundamento da crítica no que diz respeito à formação do professor, sobretudo aquela realizada nas licenciaturas curtas. Em virtude da escassez de tempo para se formar o professor, da diversidade de conteúdos presentes na grade curricular e da própria concepção de História subjacente aos cursos ministrados na modalidade de licenciatura curta, os professores daí egressos apresentavam, de fato, uma enorme fragilidade teórico-conceitual, que os impossibilitava de superar a História “tradicional” e de empregar criticamente bibliografias e recursos didáticos.

                  Em pesquisa realizada na segunda metade da década de 1990 foram entrevistados professores de História oriundos das licenciaturas curta e plena e constatou-se que entre os primeiros persistia a concepção de uma história linear e factual, além de uma dependência do livro didático. O mesmo não se verificava entre o segundo grupo, pois os professores demonstravam a tentativa de superar concepções tradicionais de História e de trabalhar em uma perspectiva “renovada”. Esses docentes revelavam iniciativas de empregar esta concepção em suas aulas tanto no que diz respeito ao conteúdo “mais crítico” quanto no que concerne a uma maior autonomia em relação ao uso do livro didático.

                  Mas, de outro lado, as pesquisas que tomavam como objeto de investigação os liames existentes entre a formação do professor de História e os conteúdos que este ensinava em sala de aula partiam do pressuposto de uma defasagem destes em relação àquela. Nesse sentido, fundamentava a análise uma compreensão hierarquizada que submetia o conteúdo “transmitido” nas aulas de História do ensino fundamental e médio ao saber produzido na academia; o que se fazia nas escolas era avaliado em termos de alinhamento ou não com as pesquisas produzidas. A partir daí:

 

O ensino seria aperfeiçoado na medida em que mais semelhante, coerente e atualizado fosse em relação à produção científica. (...) Ao ser radicalizada, esta crítica levou muitos a considerar o saber escolar um saber “de segunda classe”, inferior ao conhecimento científico, porque resultante de simplificações necessárias para o ensino de crianças e adolescentes, ou adultos ignorantes. (MONTEIRO, 2005,  p. 439)

 

                 Perpassava, portanto, a noção de que o conteúdo trabalhado com os alunos dos ensinos fundamental e médio deveria estar subordinado ao que se produzia academicamente e, quando isto não se verificava, recaía sobre o professor a responsabilidade pelo distanciamento existente entre o que ele fazia em suas aulas e o que teria aprendido na academia. Os indícios de superação destas abordagens começaram a aparecer ao final dos anos de 1990, quando mais pesquisas foram sendo produzidas e o ensino de História passou a ser apreendido em uma dimensão mais ampliada. Para tanto, concorreu a aproximação das pesquisas com os pressupostos da História Cultural. Decorre daí, por exemplo, o emprego das noções de representação e apropriação, tomadas de empréstimo a Chartier.

                 Nestas pesquisas, o ensino da História analisado sob o prisma do aspecto cultural emerge como objeto privilegiado de investigação, sendo abordado nos mais diferentes ângulos: a avaliação, o currículo, a formação docente, o emprego de novas tecnologias, etc. A crescente publicação de artigos em revistas especializadas, que também tomam o ensino de História, a partir da dimensão cultural, como foco privilegiado de análise e discutem o emprego nas aulas de História de recursos alternativos ao livro didático, tais como linguagens tomadas de empréstimo da literatura, do cinema e das artes plásticas, da música e outros. As preocupações deslocaram-se, pois, das questões relacionadas à hierarquização entre a produção do saber acadêmico e sua transmissão na educação básica para os aspectos que apreendem o fazer do professor, no caso em particular, do professor de História como elemento constituinte de uma dada “cultura escolar”. Como conseqüência, as pesquisas têm buscado compreender o ensino de História em uma dimensão que incorpora a prática docente a partir das noções de representação, apropriação e das diferenças.

                 Desta maneira, os estudos sobre a produção e os usos do livro didático, assim como de outros manuais escolares, gradativamente abandonam as perspectivas ora de condenação a priori do seu emprego ora de mimeses, para tentar compreender como a comunidade escolar o utiliza, quais os significados que lhe atribui, quais sentidos constrói a partir de suas leituras. Seguem nesta mesma perspectiva os textos que discutem o emprego de recursos didáticos alternativos aos impressos. Refiro-me aqui, em particular, aos estudos sobre a dimensão pedagógica que se pode verificar nas letras de músicas, nos ritmos e até mesmo em artefatos que povoam o universo das crianças. Tornou-se fundamental incorporar aos conteúdos trabalhados em salas de aulas elementos do cotidiano das crianças tais como as músicas escutadas e dançadas, os programas de TV, manifestações culturais e, até mesmo, as charges. Neste aspecto, configura-se uma tentativa de acolher o saber que o aluno incorpora, produz e leva para o interior das escolas.

                Acreditamos que a aproximação com a História cultural tem implicado para a pesquisa sobre o ensino de História, uma renovação na problemática discutida, que agora enseja um reposicionamento do papel do professor desta disciplina nas escolas do ensino fundamental e médio. Esse redirecionamento implica olhares diferenciados tanto para as temáticas quanto para as fontes empregadas. De acordo com o referencial tomado de empréstimo da História Cultural, pode-se pensar na superação das concepções hierarquizadas entre o ensino e a pesquisa em História; pode-se apreender o fazer cotidiano do professor como constituinte da própria História e não como um desvirtuamento de princípios e de pressupostos colocados por outras instâncias.

                 O alargamento da análise e da prática docente poderá se efetivar por meio do emprego de categorias como, por exemplo, cultura escolar, entendida na acepção que lhe atribui Julia, “... como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos”(JULIA, 2001, p. 9). Assim, pode-se olhar para as escolas e apreendê-las como universos multifacetados que se compõem de normatizações, de elementos oriundos da formação docente assim como de apropriações cotidianas que alunos e professores fazem do conhecimento.

                Pensamos, em suma, que a compreensão desta trilogia, qual seja, normas, formação docente e representações e apropriações do saber, como elementos indissociáveis da constituição da escola, está sendo transposta para as análises e discussões acerca do ensino da História. Desta forma, interessa estudar e criticar os currículos, assim como é imprescindível sugerir mudanças; mas importa, igualmente, não ignorar as particularidades que conformam a formação do professor de História e, sobretudo, compreender a relação desse professor com o conteúdo ensinado a partir das noções de representação e de apropriação.

                 Desta feita, mais do que colocar o ensino de História e seu professor no banco dos réus, a fim de que se defendam contra as acusações de defasagem, impostura e outros pecados cometidos contra a academia, o momento convida para uma reflexão que leve em conta a noção de saber histórico como saber escolar que se fundamenta não apenas nas produções oriundas da academia, mas que se constitui também a partir da imbricação entre os valores que conferem sentido à vida coletiva e se expressam na e pela escola e os saberes que os sujeitos produzem cotidianamente.

                Em nossas considerações finais dentro dessa discussão nos posicionamos de forma favorável ao dever da escola e principalmente, do ensino de História em dar sua contribuição para a formação de pessoas que realmente venham a se tornar agentes históricos, cidadãos, ao longo da história o conceito de cidadania foi ampliado, passando a englobar um conjunto de valores sociais que determinam o conjunto de deveres e direitos de um cidadão, e não apenas reprodutores de uma realidade vigente, mas, transformadores desta mesma realidade. O ensinar História é exclusivamente trabalhar com a cidadania em diferentes tempos e espaço. Ensinar alunos e alunas a pensar criticamente, questionando a cultura de massas que lhes é transmitida gratuitamente, é um dever da escola enquanto instituição de ensino, portanto a formação ética, moral e de consciência política, vem à frente de uma formação unicamente técnica. É nesse sentido que o ensino de História torna-se fundamental, pois é dialogando com o passado que entendemos melhor nossa própria realidade atual.

                  O ensino da história, portanto é um processo em contínua transformação e adaptação à realidade dos alunos e da sociedade como um todo. Neste processo, é indispensável que o professor acompanhe as transformações e procure continuamente se adaptar as novas demandas do ensino. Par isto o professor deve procurar desenvolver novas competências para ensinar. Dentro desta conjuntura as contribuições exclusivas do ensino de História, na formação da cidadania, ultrapassam a questão cívica e de valorização de heróis fabricados.  A História ensina a conhecer, entender e pensar o presente com olhos no passado, afinal, entender as transformações ocorridas tanto no campo estrutural como no campo das ideologias é fundamental para a consolidação de uma sociedade mais justa. Uma proposta pedagógica para o ensino de História que não se prenda apenas aos fatos, e que tenha como objeto principal o estudo dos conceitos, certamente, proporcionaria novas possibilidades, além de um processo de evolução no ensino e aprendizagem dos alunos e alunas no ensino básico, afinal, através de uma visão crítica dos conceitos presentes na experiência pessoal de cada um, nasce uma maior compreensão da própria realidade.

                 Cabe ao professor e professora de História, resgatar estas experiências, dar-lhes sentido concreto e, possibilitar a apropriação, tanto por parte de alunos e alunas, possibilitando-lhes a compreensão de tais conceitos para a vida e, não simplesmente para preparar alunos e alunas para ingressarem nas Faculdades. Ensinar História é trabalhar com identidades, com cultura e, por que não com a formação dos cidadãos e cidadãs que exercem papeis distintos na vida e na sociedade brasileira. Portanto, é indispensável o empenho de todos na formulação de uma nova educação no Brasil. Uma educação que contemple todas as áreas do conhecimento e não apenas o setor técnico que é a única preocupação da sociedade neoliberal.

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA 

 

 

 

  • ALMEIDA, Maria de Fátima Ramos. Saber e prazer no ensino de história. Cadernos de História. Uberlândia, v. 2, n. 2, p. 33-6, jan. 1991.

 

  • BITENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004, p. 121

 

  • BITENCOURT, Circe Maria Fernandes. Os confrontos de uma disciplina escolar: da História sagrada à História profana. IN: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH. V. 13; n. 25/26; set. 1992/ago. 1993.

 

  • FONSECA, Selva Guimarães. A construção de saberes pedagógicos na formação inicial do professor para o ensino de história na educação.; In: Ensino de história: sujeitos e práticas/ Ana Maria F. C. Monteiro, Arlette Medeiros Gasparelho, Marcelo de Souza Magalhães, organizadores. – Rio de Janeiro: Manud X: FAPERJ, 2007. Trabalhos apresentados no V Encontro Nacional Perpectiva de Ensino de História, Ensino de história: sujeitos, saberes e práticas, realizado no Rio de Janeiro, de 26 a 29 de julho de 2004. p. 149 – 156)

 

  • JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Trad. Gisele de Souza. Revista Brasileira de História da Educação, n. 01, Sociedade Brasileira de História da Educação SBHE, jan-jul. 2001, p. 9.   

 

  • MONTEIRO, Ana Maria F.C. Ensino de História e história cultural: diálogos possíveis. In:

 

  • RANCIÈRE, Jacques. Os nomes da história: um ensaio de poética do saber. São Paulo: EDUC; Pontes, 1994.           

 

  • SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História, SP, Scipione, 2004.

 

  • SOIHET, Rachel; BICALHO, Mª. Fernanda Baptista; GOUVÊA, Mª. de Fátima Silva (Orgs.). Culturas Políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005, p. 439.

 

 

 

 


Autor: Luciano Agra


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