Crime, Criminalização E Controle Social



1. INTRODUÇÃO

O crime acompanha a sociedade desde sua formação. Condutas reprováveis foram punidas das mais diversas formas no caminhar da humanidade. Teorias surgem, ressurgem e se insurgem nessa realidade do crime, mostrando um processo dinâmico de análise da sociedade.

Como realidade inquestionável da conjuntura atual, ou irrealidade indesejável da sociedade, o crime figura em todos os momentos de discussão. As soluções surgem de forma desesperada, num apelo angustiado da sociedade acuada. É também o momento oportuno para discutir essas soluções e esses apelos. As soluções até hoje apresentadas servem, efetivamente, para algum tipo eficaz de combate à violência? Ou prestam-se à dominação de uma parte da sociedade? O sistema penal e a prisão apresentam-se como elementos solucionadores ou subjugadores? É o que se analisará nas próximas linhas.

2. O CONTROLE SOCIAL

Apesar de figurar, no título do artigo, na última posição, o controle social será o primeiro elemento a ser tratado. Isso por um motivo lógico, crime e prisão serão abordados como elementos do controle social. Não seria lógico falar das partes, dos instrumentos, sem falar do todo, do objetivo. Para Molina (2002, p. 133), controle social é o “conjunto de instituições, estratégias e sanções sociais que pretendem promover e garantir referido submetimento do indivíduo aos modelos e normas comunitários”.

Sobre o controle social Zaffaroni (2004, p. 60) afirma que:

“O certo é que toda sociedade apresenta uma estrutura de poder, com grupos que dominam e grupos que são dominados, com setores mais próximos ou mais afastados dos centros de decisão. De acordo com essa estrutura, se controla socialmente a conduta dos homens, controle que não só se exerce sobre os grupos mais distantes do centro do poder, como também sobre os grupos mais próximos a ele, aos quais se impõe controlar sua própria conduta para não debilitar-se (mesmo na sociedade de castas, os membros das mais privilegiadas não podem casar-se com aqueles pertencentes a castas inferiores)”.

Pode-se dividir o controle social em informal e formal. O primeiro tem como agentes a família, a escola, a profissão, a opinião pública, a religião entre outras. Os agentes do segundo são a polícia, a justiça, a administração penitenciária, Ministério Público entre outros. Molina (2002, p. 134) apresenta, de forma clara, a dinâmica do controle social:

“Os agentes de controle social informal tratam de condicionar o indivíduo, de discipliná-lo através de um largo e sutil processo (...). Quando as instancias informais do controle social fracassam, entram em funcionamento as instâncias formais, que atuam de modo coercitivo e impõem sanções qualitativamente distintas das sanções sociais: são sanções estigmatizantes que atribuem ao infrator um singular status (de desviados, perigoso ou delinqüente)”.

É possível perceber, a partir do apresentado, como a prisão e o processo de criminalização são eficazes meios de controle social, utilizados pelos agentes de controle para dominar a população. Esse controle é seletivo e volta-se para determinada camada da população (pobres) e para determinada raça (negros, eminentemente).

3. CRIME E CRIMINALIZAÇÃO

O decreto-lei nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941, a Lei de Introdução ao Código Penal no seu artigo 1º, conceitua crime da seguinte forma: Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas alternativa ou cumulativamente. Cezar Roberto Bittencourt (2003, p. 145) acredita que é um conceito “sem nenhuma preocupação cientifico doutrinária, limitou-se apenas a destacar as características que distinguem as infrações penais consideradas crimes daquelas que constituem contravenções penais”. A doutrina penalista, em sua maioria, conceitua crime como a conduta típica, antijurídica e culpável. A tipicidade será o norte, neste momento, da análise do trabalho. A conduta é típica quando está descrita na lei penal. É a moldura na qual uma conduta tem de se “encaixar perfeitamente” para que possa ser considerada crime. Zaffaroni (2004, p. 421) conceitua tipo penal como “um instrumento legal, logicamente necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de condutas humanas penalmente relevantes (por estarem penalmente proibidas)”.

Do que se viu até este momento pode-se chegar a duas conclusões: em primeiro lugar é o Estado que cria as condutas criminalizáveis, que criminaliza. Em segundo lugar, deduz-se que, na verdade, não existem criminosos e sim criminalizados. Esse processo de criminalização pode ser dividido em dois. A criminalização primária e a secundária. Segundo Zaffaroni (2003, p. 43) criminalização primária “é o ato e o efeito de sancionar uma lei penal material que incrimina ou permite a punição de certas pessoas” e a criminalização secundária “é a ação punitiva exercida sobre pessoas concretas, que acontece quando as agências policiais detectam uma pessoa que supõe-se tenha praticado certo ato criminalizado primariamente”. A primeira é realizada pelos legisladores e a segunda por agências estatais como Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário etc.

Essa distinção é imprescindível para a compreensão da dinâmica do sistema penal e como atua, promovendo o controle social. A atuação da criminalização primária é mais limitada, pois ela se dá no processo de criação das condutas tipificadas, não tendo mobilidade nem poder para agir na sociedade e aplicar suas próprias criações. Já as agências da criminalização secundária têm uma atuação mais efetiva, real e eficaz. Elas são o verdadeiro instrumento de controle social. Novamente, Zaffaroni (2003, p. 44) esclarece:

“Apesar da criminalização primária implicar um primeiro passo seletivo, este permanece sempre em certo nível de abstração porque, na verdade, as agencias políticas que elaboram as normas nunca sabem a quem caberá de fato, individualmente, a seleção que habilitam. Esta se efetua concretamente com a criminalização secundária”.

Essas duas agências são as que “escolhem” quem será criminalizado. Como a agencia de criminalização secundaria é aquela que vai à busca, na sociedade, dos criminalizaveis, é ela quem efetivamente realiza o processo de controle social. O que se busca são fatos facilmente identificáveis como crime, cometidos por aqueles que têm menos poder de reação e com poucas possibilidades de se utilizar de meios para escapar ou esquivar-se da atuação do controle social.

4. O ESTADO PENAL

Com o advento do neoliberalismo, o Estado do bem-estar social cede seu lugar a uma nova forma de administrar a sociedade, o Estado penal. Wacquant (2001, p. 7) afirma que:

“A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um ‘mais Estado’ policial e penitenciário o ‘menos Estado’ econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo”.

Esse Estado caracteriza-se pelo recrudescimento das leis penais, da repressão policial, do investimento em prisões em detrimento do investimento em programas de apoio social. A lógica dessa nova forma de estado é simples e cruel. Deixa-se de investir naqueles que necessitam do Estado, como carentes e pobres, para colocá-los nas prisões.

O que se verifica em todos os países, e principalmente nos países desenvolvidos, é a diminuição dos investimentos em programas sociais e a ampliação da população carcerária. Condutas, anteriormente consideradas de pouca gravidade, sequer objeto de preocupação por parte do sistema penal, atualmente tem o interesse desse sistema e são criminalizadas. Cada vez mais condutas menos graves são mais criminalizadas. Uma política que exemplifica bem essa tendência é a política da tolerância zero, implantada em Nova Iorque e posteriormente propagada ao redor do mundo. Com essa política, grande soma de investimentos foi revertida para a policia e para o sistema penitenciário que passou a se mostrar de forma radical na aplicação da lei. Condutas que em outros tempos gerariam no máximo multas, hoje geram fortes ações do poder armado estatal e prisões.

Por trás desse novo Estado Penal, existe, disfarçadamente, uma linguagem racista e preconceituosa. Nos Estados Unidos latinos e negros tornam-se, não só os maiores perseguidos, como também aqueles que são punidos mais gravemente, permanecendo nas estatísticas como a maioria da população carcerária e que mais tempo passam nas prisões. Na Europa, os que mais sofrem são os imigrantes, principalmente árabes e agora também africanos em geral.

No caso dos paises subdesenvolvidos, é inquestionável o pensamento apresentado por Wacquant (2001, p. 7):

“... a penalidade neoliberal é ainda mais sedutora e mais funesta quando aplicada em países ao mesmo tempo atingidos por fortes desigualdades de condições e de oportunidades de vida e desprovidos de tradição democrática e de instituições capazes de amortecer os choques causados pela mutação do trabalho e do indivíduo no limiar do novo século”.

Cumpre ressaltar que essa frágil estrutura democrática abre precedente para a arbitrariedade e para as injustiças, tirando da maior parte da população (que é pobre e sofre com a desigualdade) a possibilidade de defesa, de proteção e de resguardo de direitos e garantias sociais.

Vale, também, afirmar que, com o incremento dessa política penitenciaria, penalista, criminalizante, a ótica dos direitos humanos e garantias do cidadão vai sendo deixada de lado comprometendo a evolução do processo democrático.

5. A PRISÃO

Se as agencias de criminalização são instrumentos de controle social, a prisão é a instituição que serve para manter longe da sociedade aqueles considerados incômodos. É na prisão, também, que identifica-se a similitude do sistema penal nos diversos países. As condições da prisão sem dúvida variam. Em alguns países a situação dos presos é melhor que em outros, mas as características daqueles que as habita é semelhante.

Na análise comparativa feita entre o sistema penal dos Estados Unidos e do Brasil alguns dados se assemelham. Entre os presos, os homens superam as mulheres, os negros superam os brancos e os pobres são a esmagadora maioria. Uma interpretação limitada e irresponsável desses dados poderia levar à conclusão, pelos desavisados, que homens, negros e pobres teriam uma tendência inata à criminalidade. Se esse dados existem, a mídia é um dos instrumentos de propagação destes e do assentamento das idéias preconceituosas que cercam o sistema penal. Enquanto crimes ocorridos na classe média e alta (ou que as atinge) são considerados aberrações, causam comoção geral e um clamor por soluções imediatas, os crimes nas classes baixas são tratados como fatos corriqueiros e normais, quando são tratados de alguma forma. Essa situação contribui para o estereótipo preconceituoso e racista de que negros e pobres são propensos ao crime.

O que se deve discutir, quando se fala em prisão, é saber qual o real objetivo dela, ou qual o objetivo oculto no discurso da punição. De um lado verifica-se o discurso da contenção. A prisão, a repressão estatal, serve como um instrumento de contenção da população pobre, mais propensa à revolta, aquela que se encontra espremida nos morros e favelas, carente de todas as necessidades básicas. O Estado, que não tem condições de (ou não quer) promover o desenvolvimento social, se utiliza do sistema penal e todos os seus meios de repressão, quais sejam, a prisão, a polícia, a supressão de direitos e garantias para manter aqueles “abandonados” nos morros e favelas, sem invadir o espaço do “cidadão de bem”. Para essa população, “vítima do Estado”, esses instrumentos armados do Estado mudam de sentido. Se a polícia existia ou existe, em tese, para proporcionar segurança à população em geral, o papel dela, atualmente, é manter a ordem social vigente, mantendo ricos e pobres afastados. Se a prisão, antes, existia como forma de punição ou de ressocialização (se é que alguma vez se propôs realmente a isso) hoje existe para manter longe e controlados os indesejáveis e para servir, no imaginário geral, como algo que causa medo. Quando se fala em pobres, é importante estender esse discurso para todas as minorias, ainda que sejam maioria da população.

A prisão se apresenta ainda, como um elemento regulamentador do mercado de trabalho, uma forma de repreender aqueles que estão desempregados. O trabalho é elemento essencial na economia capitalista e diferencia o vagabundo do cidadão de bem. Quando se fala em população pobre, esse efeito é ainda maior, pois o desemprego os veste com as fardas do crime. Associa-se, imediatamente, desemprego, pobreza e crime. Rosalina Braga (1994, p.131) trata bem a questão quando afirma que:

“Os trabalhadores, no geral e em especial os mais pauperizados, os desempregados, são tratados como indivíduos perigosos, como uma população a priori ‘criminalizavel’, Cada pobre é tratado pela repressão policial como suspeito, até que prove o contrário e, às vezes, até mesmo depois de provado o contrário”.

Em continuação, Rosalina (1994, p.133) afirma, tratando da relação entre o Estado repressor e o mercado de trabalho e sua influência funesta nas atribuições de responsabilidade diante do desemprego, que “embora o mercado de trabalho não comporte toda a massa desempregada e subempregada, o Estado transfere ao individuo a culpa por não se haver inserido no trabalho e, a partir daí, assume como dever reprimir todos aqueles que, segundo essa lógica, vivem na vadiagem”.

Wacquant (2001, p. 106), sobre o mesmo tema:

“(...) o desemprego e a precariedade profissional são severamente julgados pelos tribunais ao nível individual. Resulta daí, tanto para o crime como para a contravenção, uma ‘sobrecondenação’ na reclusão dos indivíduos marginalizados pelo mercado de trabalho. Não ter emprego não apenas aumenta praticamente em toda parte a probabilidade de ser colocado em prisão preventiva, e por prazos mais longos”.

Saindo do indivíduo e passando para uma análise macro, é significativa a influência do sistema penal na regulação do mercado de trabalho. Nessa realidade, a prisão tem dois efeitos peculiares. De um lado retira do mercado uma parte do excedente repercutindo diretamente no nível de desemprego. Wacquant (2001, p. 97) exemplifica: “estima-se assim que, durante a década de 90, as prisões tiraram dois pontos do índice do desemprego americano”. Por isso a prisão surge como um bom instrumento para controlar o excedente de mão de obra.

Ainda com Wacquant (2001, p. 96), que sintetiza de forma brilhante:

“Em primeiro lugar, o sistema penal contribui diretamente para regular os segmentos inferiores do mercado de trabalho – e isso de maneira infinitivamente mais coercitiva do que todas as restrições sociais e regulamentos administrativos. Seu efeito aqui é duplo. Por um lado, ele comprime artificialmente o nível do desemprego ao subtrair à força milhões de homens da ‘população em busca de um emprego’ e, secundariamente, ao produzir um aumento do emprego no setor de bens e serviços carcerários, setor fortemente caracterizado por postos de trabalho precários”.

De outro lado, tem-se a produção de mão de obra barata. O preso, quando sai da prisão, seja em condicional seja depois do cumprimento da pena, carrega consigo estigma de ex-prisioneiro. Com esse estigma, perdeu o poder de negociar, sendo alvo de desconfiança geral e receptor de salários mais baixo que o da população em geral, se é que consegue emprego.

Quando essa população volta para as ruas, após cumprir suas penas ou parte delas, saem sem qualificação e serão sempre ex-presidiários, vítimas do preconceito e da perseguição, se expondo à tentação de partir para o crime novamente. Esse efeito “bola de neve”, que produz indivíduos funcionalmente “incapacitados”, é um problema que os Estados penitenciários deverão enfrentar, mas com o qual não se preocupam.

6. O SISTEMA PRISIONAL NO BRASIL E NOS ESTADOS UNIDOS

A comparação entre a realidade brasileira e a estadunidense pode parecer a principio esdrúxula, absurda, sem propósito. Os números, no entanto, comprovam o que alguns pensadores afirmam, o sistema penal é semelhante nos diversos países. Ora, se o sistema penal é um instrumento de dominação e de exclusão, é intuitivo concluir que realidades semelhantes serão encontradas nos diversos Estados, variando apenas as condições de acondicionamento dos presos e sua quantidade, sempre respeitando as peculiaridades sociais locais.

A população carcerária dos Estado Unidos é composta, entre os homens, por uma maioria de negros e latinos representando 821.700 do total de 1.291.326 de presos, o que significa aproximadamente 64% do total. Contudo, os negros representam apenas 12,9% da população norte americana e os latinos 12,5%. Com relação ao tipo de crime, mais negros estão presos por crimes violentos e mais brancos (com uma diferença pequena) por crimes contra a propriedade, entre os quais se encontra a fraude e o estelionato. Com relação aos crimes com drogas, os negros superam, em grande quantidade, o número de brancos na prisão, apesar de constituírem apenas 15% do total de consumidores, conforme afirma a revista Caros Amigos (2001).

No Brasil, a realidade não difere muito. Antonio García-Pablos de Molina (2002) apresenta alguns dados do censo penitenciário brasileiro de 1994. Apesar defasados, sabe-se que a realidade no país não mudou muito, e se mudou, infelizmente, não melhorou. O número de presos no país em 1994 era de 129.169, fazendo uma média de 88 presos por 100 mil habitantes. Desse total, tem-se 96,31% de homens e 3,69% de mulheres. Do total de presos, tem-se 43% de negros e mulatos; 55% sem qualquer atividade na prisão; 87% sem o 1º grau completo; 95% pobres. Esses números merecem alguns comentários. É preciso estar alerta para a diversidade de raças encontradas no país. Se nos Estado Unidos existem regras para determinar quem é negro e quem não é, e lá existem apenas negros, brancos e latinos (sem levar em consideração outras raças de menos expressividade na população americana), no Brasil é difícil determinar a diferença de raças de forma precisa, já que existe uma variação muito grande entre a raça negra e a branca e não existem regras precisas para determinar essas diferenças. No entanto, o preconceito não se importa com isso, tendo como alvo todos aquelas que não são brancos. Os dados em relação à raça no país não devem ser visto com rigidez. Ainda assim, a taxa de negros presos é semelhante à dos Estados Unidos. O mais chocante nos dados brasileiros é que 95% dos presos são pobres. Esse dado comprova a injustiça e a desiguladade da sociedade brasileira e a extrema seletividade do sistema penal. Aquele que não pode pagar advogado, que não é visto com “respeito” pela sociedade, que representa um peso para o Estado, que aumenta a fila dos desempregados é o principal cliente do sistema penal.

Apesar de andar a passos lentos, devido às peculiaridades da conjuntura política e social do Brasil, o discurso do Estado punitivo vem sendo introduzido no país. Atualmente são corriqueiras as discussões acerca da diminuição da maioridade penal, aumento do limite de cumprimento de pena, retirada de garantias dos presos, além do clamor por novas penitenciarias e pela privatização do sistema. Nos Estados Unidos, país com o maior número de presos no mundo, essa já é uma realidade assentada. Mais uma vez Wacquant (2001, p. 88) sintetiza bem a realidade prisional estadunidense e porque não, a mundial: “Os Estados unidos fizeram a escolha de construir para seus pobres, casas de detenção e estabelecimentos penais em lugar de dispensários, creches e escolas”.

7. CONCLUSÃO

Fica claro que o sistema penal é um instrumento ativo de dominação. Os números apresentados e os fatos demonstram essa realidade. É um sistema tão incongruente que esquece as vítimas das ações criminosas, relegando-lhes a posição de expectadores de sua ação, e transforma, com seu apetite voraz, seus destinatários, os taxados criminosos, em verdadeiras vítimas. Pode soar absurdo considerar como vítima aquele que ataca a ordem social. Ocorre que, a ordem social, utilizando um discurso de punição e recuperação lança mão do sistema penal para livrar-se daqueles que considera indesejáveis. Numa comparação chocante, mas que traduz bem o pensamento que motiva os defensores do Estado penal, o sistema penal seria o aterro sanitário que recebe o “lixo” produzido pela sociedade, e que a sociedade não quer ou não sabe o que fazer com ele. Uma pequena parte consegue ser reciclado e reinserido na sociedade, mas a maioria apodrece até se decompor no sistema injusto.

Correntes teóricas se arriscam, de forma justificada, a propor o fim do sistema penal. O abolicionismo penal afirma que o sistema penal é ineficaz, quase inútil ao fim que se propõe. Um número ínfimo de conflitos é resolvido por ele. Questionam os abolicionistas qual o objetivo de manter um sistema que maltrata o ser humano, não resolve da forma desejada os conflitos e ainda é instrumento de dominação, de controle social. Apesar de necessário, essas são perguntas que não devem ser esquecidas quando se discute os novos rumos desse sistema.

Não se pode negar que, apesar da evolução do Estado penal, a sociedade deve exigir uma análise fria e verdadeira desse sistema para que não seja vítima daquilo que a “protege”. Não se pode aceitar que o crime seja instrumento de dominação e que a prisão seja vista como um depósito de seres humanos “indesejáveis” a serviço da classe dominante e dos burocratas do Estado. Afinal, quando se fala de criminoso, criminalizado, prisioneiro está se falando em seres-humanos e é assim devem ser tratados.

8. BIBLIOGRAFIA

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Autor: Armindo Arruty


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