POLÍCIAS MILITARES E SEGURANÇA PÚBLICA



Antonio Roberto Xavier*

*SGT da Polícia Militar do Ceará; Mestre em Políticas Públicas e Sociedade – UECE, Mestre em Planejamento – UECE, Especialista em História e Sociologia – URCA e Graduado em História – UECE

Resumo: Este artigo discute sobre os principais dilemas, dificuldades e contradições enfrentadas pelos profissionais das polícias militares do Brasil. Abordo as possibilidades e limites de policiais militares fornecerem um serviço a civis, a segurança pública, enquanto eles são militares e estão sob o crivo de Leis, Decretos, Códigos, Regulamentos e Normas do Exército. Reflito sobre os percalços, constrangimentos e negação de direitos a policiais militares de baixa graduação ou graduação nenhuma e a questão hierárquica. Com efeito, apesar de se buscar a consolidação do Estado Democrático de Direito, do avanço tecnológico e do modernismo, as polícias militares do Brasil continuam com suas estruturas e bases fincadas no século XIX.

Palavras-chave: Polícia militar, segurança pública, cultura policial

1. Paradoxos das polícias militares

As polícias militares no Brasil são consideradas forças auxiliares e reservas do Exército. O texto constitucional de 1988 deixa claras a subordinação e vinculação das PMs ao Exército, bem como define as incumbências das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares no Capítulo 144 §§ 5º e 6º:

Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

As corporações militares são os organismos mais significativos de segurança pública no Brasil, não somente pela quantidade de efetivo (cerca de 70% dos agentes policiais, conforme Mariano, 2004), mas, sobretudo porque são as primeiras ou até mesmo as únicas a atenderem solicitação de ajuda ou socorro das pessoas contra perigo atual ou iminente, diariamente.

As polícias modernas foram criadas com a missão específica de manter a ordem pública e proporcionar segurança, servindo ao regime político e evitando levantes públicos. Com efeito, a origem das polícias modernas está na gênese do advento do Estado-Nação, pós-revoluções Americana (1776), Francesa (1789) e ajusta-se com a consolidação ideológica vinculada à proteção dos direitos fundamentais no Estado contemporâneo. Todavia, apesar de importante função na modernidade a polícia é excluída das histórias políticas ou de estudos de administração estadual. Neste sentido, é que os organismos policiais só passam a ser objeto de estudos das ciências humanas, a partir da década de 1970 (Bretas, 1997a, 1997b).

As polícias militares estão sob parcial controle do Exército. Isto ocorre em razões de algumas preocupações das próprias Forças Armadas. Conforme Zaverucha (2001), a quantidade do efetivo das polícias militares no Brasil é o dobro do efetivo das tropas do Exército. Deste modo, é por demais estratégico que o Exército mantenha ideologicamente o controle tanto do material bélico como exijam que as PMs estejam sob o crivo de seus ordenamentos jurídicos, códigos e regulamentos. Um dos dilemas visíveis das polícias militares reside no fato de ter como missão proporcionar um serviço público de caráter civil, a segurança, porém ter de subordinar-se parcialmente aos critérios administrativos e jurídicos das Forças Armadas. Um exemplo disso são os Códigos Penal e de Processo Penal Militares que foram criados com base no Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969, pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, com base no artigo 3º do AI nº 16, de 14 de outubro de 1969, combinado com o § 1º do artigo 2º, do AI nº 5, de 13 de dezembro de 1968. Até aos dias de hoje esses Códigos são utilizados para apurar delitos de policiais militares, através de Inquérito Policiai Militar – IPM. O IPM é o instrumento investigativo utilizado para apurar possíveis crimes cometidos por policiais militares no âmbito militar e que deve ser julgado pela justiça militar estadual.

Com efeito, apesar das polícias militares servirem aos governos civis de seus respectivos Estados, elas não têm normas, códigos e regulamentos próprios, mas estão sob os auspícios normativos do Exército. Em outras palavras, as PMs pertencem, simultaneamente, aos civis, isto é, aos governantes das unidades federadas e ao Ministério do Exército. Isto, inclusive, pode significar um grave risco constitucional. Este risco pode ser percebido nas jornadas de trabalho que ultrapassam a carga horária estabelecida na CF (CRUZ E BARBOSA, 2002).

Essas questões explicam o paradoxo da própria formação dos agentes de segurança pública das polícias militares. Deste modo, os agentes de segurança pública pertencente às polícias militares têm em seu período de formação ensinamento restrito das Forças Armadas. Entretanto, sabe-se que a missão das Forças Armadas é de preparar o militar para a guerra e deixá-lo apto para a eliminação do inimigo. Com relação à função dos policiais militares, o objetivo nem é a guerra e nem tampouco a eliminação do próximo, mas a defesa e proteção das pessoas, conservando-lhes suas vidas. Assim, as polícias militares se tornam uma anomalia diante da Constituição Federal e do Estado Democrático de Direito.

Exageros a parte, pode-se constatar que as Polícias Militares foram devolvidas, apenas nos últimos dezoitoanos, à sua condição efetiva de uma agência policial ostensiva que ainda encontra-se estruturada em moldes militares, mas que presta essencialmente serviços civis à população. Vê-se que, como organizações de emprego militar, a tradição das PMs é bicentenária. Mas, em contrapartida, a sua história como Polícia é extremamente jovem. Em verdade, a identidade policial das PMs está por se institucionalizar. Sobretudo, se consideramos que foi somente após a promulgação da constituição democrática de 1988, que as questões de segurança pública e, por sua vez, os assuntos policiais, passaram a receber um tratamento próprio, dissociado das questões mais amplas da segurança nacional É evidente que as transformações ocorridas no mundo das leis não se traduziram automaticamente em mudanças nas realidades do mundo policial. As polícias militares, afastadas por mais de um século das suas atribuições policiais, têm procurado aprender de novo a "fazer polícia". Elas têm tentado "voltar a ser polícia de verdade" com todas dificuldades que resultam de uma frágil tradição em questões propriamente policiais. De fato, este tem sido um dever de casa difícil, tardio, porém, indispensável. A retomada de sua identidade policial, isto é, a reconstrução do seu lugar e de sua forma de estar no mundo tem se dado dentro de um processo inevitável de revisão de seus valores institucionais, dos seus fantasmas, enfim, de seu passado paradoxal (MUNIZ, 1999, p. 184).

Outro paradoxo visível no seio das PMs é o fato de seus integrantes pertencerem às camadas sociais mais baixas e terem que isolá-las ou afastarem-se delas pós-ingresso nas fileiras dessas corporações, por exigência da própria formação e de seus Códigos, normas e regulamentos. Neste sentido, o Código Disciplinar da PMCE e CBMC (Lei Nº 13.407, de 21.11.03), classifica como transgressão média "freqüentar lugares incompatíveis com o decoro social ou militar", (ART. 13 § 2º, letra L).

A formação e inclusão de policiais militares têm em sua historicidade a imposição de variadas normas de comportamento cujo paradigma de polícia moderna é a inglesa que adotava disciplina militar rígida, a fim de condicionar os integrantes das forças policiais como trabalhador padrão, exemplar.

Todo esforço era feito para isolar o policial de seus pares trabalhadores, controlando seus locais de moradia, investigando as candidatas a esposa dos policiais, proibindo a freqüência a bares e a contração de dívidas. Ainda assim, a queda do número de demissões que se percebe no último quarto do século indica ao mesmo tempo um a conformação à norma e o desenvolvimento de formas de contorna-las que tiveram de ser toleradas... A relação entre os policiais e os trabalhadores, que se revelou explosiva e marcada por dificuldades na fase de implantação das forças...foi pouco a pouco se estabilizando, na medida em que as próprias direções policiais foram percebendo determinados limites de ação, reduzindo a ingerência policial sobre os 'maus hábitos' da população trabalhadora e estabelecendo normas de convivência com o jogo e a prostituição que evitavam o confronto permanente... (BRETAS, 1998, p. 04).

As PMs brasileiras são de características completamente militares. Aos seus componentes são negados direitos civis, como liberdade de expressão e direitos políticos (Arts. 14, §8º; 42, §1º, combinado com art. 142, §3º, incisos IV e V da CF). Com efeito, aos policiais militares resta-lhes uma cidadania de segunda ou terceira categorias, em razão da negação de direitos civis e políticos, mesmo no atual Estado Democrático de Direito. Nos países de tradição democrática como os europeus e EUA, as organizações policiais são de cunho paramilitar, o que as tornam mais flexíveis e mais próximas da sociedade civil, bem como uma organização mais integrada.

Há hoje no Brasil, um consenso quanto à necessidade de se promover mudanças substantivas no nosso atual sistema de segurança pública. Os políticos, independente de suas orientações político-partidárias, assim como os segmentos civis organizados, os formadores de opinião, os cidadãos comuns e os próprios profissionais de polícia, são unânimes em reconhecer a imperiosa necessidade de se buscar adequar o sistema policial brasileiro às exigências do estado democrático de direito. Afinal, o divórcio estabelecido entre a consolidação da nossa jovem democracia e os assuntos relativos à segurança pública tem custado muito caro a todos nós. O histórico desinteresse, intencional ou não, da classe política e das nossas elites quanto à importância estratégica das organizações policiais na sustentação das garantias individuais e coletivas, há muito já não tem sido uma postura defensável na arena pública. Ele sucumbiu forçosamente às pressões da sociedade brasileira por uma prestação de serviços de segurança pública capaz de acompanhar os imperativos de uma cidadania estendida a todos os brasileiros. Contudo, esse desinteresse não deixou de contribuir para a cristalização de uma crise institucional sem precedentes. E isto, de tal maneira, que pode-se afirmar, sem correr o risco das falsas generalizações, que atualmente temos tudo por fazer neste campo(MUNIZ, 1999, p. 177).

Os policiais militares são os únicos funcionários estaduais que podem ser presos sem ordem judicial, sem estarem em estado de flagrante delito, conforme art. 5º, inciso LXI da CF e sem direitos a habeas corpus (art. 42, §1º, combinado com artigo 142, §2º, da CF). Além disso, como observou Julita Lemgruber (2003) há um distanciamento excludente e discriminador muito profundo entre as praças (de Soldado a Subtenente) e oficiais (de Tenente a Coronel). Além do desnível salarial, as atividades criam um aparthaid enorme entre as duas categorias. Aos oficiais cabem o gerenciamento e a administração com base nos preceitos dos Códigos e Regulamentos, às praças, cabe a execução das ordens emanadas pelos oficiais sem questionamento algum, sob pena de punição disciplinar. Às praças, a ascensão hierárquica é demorada e depende de vagas, aos oficiais, além dos prazos previstos nos Regulamentos serem cumpridos, podem ascender hierarquicamente, dependendo de merecimento apontado por seu superior hierárquico ou por um político. "Muitos soldados têm formação superior, no entanto, não existe nenhuma perspectiva de crescer na instituição; entram soldados e morrem soldados, e apesar de haver oportunidade, é extremamente difícil alcançá-la" (OLIVEIRA, 2002, p. 88).

Este desprezo na carreira policial militar das praças tem proporcionado uma anomia profunda no seio da tropa, o que respinga num serviço despersonalizado e desqualificado. Sem falar que no caso das polícias militares, não existe planos de cargos e carreira para ascensão funcional ou salarial.

Indubitavelmente, as estruturas das polícias militares mantidas até hoje no Brasil e no Ceará necessitam de mudanças significativas. Bayley (2001) aponta que a tendência para o futuro das polícias é: 1) diversificação do formato institucional das corporações, com crescimento de polícias privadas e agentes de segurança, além daquela subordinada ao Estado; 2) aumento do policiamento devido ao crescimento demográfico; 3) manutenção da estrutura dos sistemas de polícia, pela resistência da tradição burocrática, com uma pequena tendência da centralização entre as forças policiais em alguns países; 4) maior publicização das ações policiais e responsabilização da polícia, com maior supervisão externa; 5) aumento do papel político das forças policiais; 6) extensão do trabalho policial – aplicação da lei, investigação criminal, prestação de serviços – permanecerá tão variada quanto o é na maioria dos países atualmente, mantendo a tensão entre a aplicação da lei e a prestação de serviços; 7) aumento dos requisitos profissionais e mudanças na administração para efetividade das polícias; e, 8) as estratégias de policiamento no controle da criminalidade vão variar de acordo com a incidência de violência coletiva, preocupação da população com os crimes comuns e a visão do indivíduo dentro da comunidade.

É evidente que as transformações ocorridas no mundo das leis não se traduziram automaticamente em mudanças nas realidades do mundo policial. As polícias militares, afastadas por mais de um século das suas atribuições policiais, têm procurado aprender de novo a "fazer polícia". Elas têm tentado "voltar a ser polícia de verdade" com todas as dificuldades que resultam de uma frágil tradição em questões propriamente policiais. De fato, este tem sido um dever de casa difícil, tardio, porém, indispensável. A retomada de sua identidade policial, isto é, a reconstrução do seu lugar e de sua forma de estar no mundo tem se dado dentro de um processo inevitável de revisão de seus valores institucionais, dos seus fantasmas, enfim, de seu passado paradoxal. É claro que não poderia ser diferente: as PMs ultrapassaram recentemente os muros seguros de seus quartéis e encontraram uma realidade urbana, social e política radicalmente distinta e muito mais complexa do que aquela que talvez tenha ficado romantizada em suas antigas memórias institucionais. Por outro lado, nos últimos trinta anos, o Ocidente assistiu a uma verdadeira revolução em termos de conhecimentos, práticas e tecnologias de polícia: de um lado, foi consolidado um volumoso acervo científico sobre as questões relacionadas às organizações policiais contemporâneas; de outro, alteraram-se as filosofias, o ensino e a instrução, os meios de comunicação adotados, os tipos de veículos, os armamentos, as estruturas organizacionais, as técnicas de emprego de força, os expedientes estratégicos e táticos, etc. No nosso caso, toda esta modernidade dos assuntos de polícia não foi imediatamente transposta para a realidade das PMs. A transição para a consolidação da vida democrática também se faz sentir, de forma aguda, nas PMs que, até os dias de hoje, estão tentando superar o descompasso entre as missões contemporâneas a ela atribuídas e a sua capacidade de poder respondê-las de forma efetiva nas ruas de nossas cidades (MUNIZ, 1999, p. 185).

Bayley (op. cit.), conclui com uma discussão central de como é possível o uso dos organismos policiais no controle e combate à criminalidade sem criar um Estado autoritário e respeitando os direitos de liberdade humana num Estado de relações desiguais entre seus habitantes e de caráter patrimonialista que privilegia uma classe elitista em detrimento da grande massa do povo? Neste sentido, como aponta Bretas (1997a, 1997b), as polícias no Brasil foram criadas para controlar os movimentos sociais da grande massa pobre, garantir a ordem pública e proteger as classes elitistas, sobretudo a partir do Império. Todavia, para se adequar às mudanças e transformações da sociedade atual, as polícias militares necessitam de profundas reformas.

2. Cultura policial e "espetáculo"

Quem pensa que as práticas policiais características de uma sociedade de espetáculo são coisas do passado está equivocado ou equivocada.Segundo Fernandes (1989), as práticas policiais de esquadrinhamento do espaço, o olhar profilático discriminador, suspeito, móvel, adestrado, intimidador, o linguajar evocativo machista, durão e a dramaturgia teatral e ritualística com que as personagens exibem seus distintivos e executam suas abordagens revelam o quanto o espetáculo está presente na sociedade atual. Essas práticas denotam também certa coreografia do poder e dos micros-poderes distribuídos e alimentados no seio do aparelho repressivo que se acha, no momento de sua ação, um legítimo representante e representador do poder do Estado. Todavia, como adverte Fernandes (1989, 1974), se esses organismos a serviço do Estado como máquina panóptica representam uma face do poder, não se pode esquecer que essa mesma máquina tem outra em face de perquirir: a sua paixão pelo espetáculo, mobilidade e visibilidade que se ostenta no espaço público sob o regime do terror por meio de dois dispositivos: o escópico e o exibicionista ambos vinculados ao espetáculo.

As práticas reveladoras de uma sociedade de espetáculo não significam que a população desfruta de uma segurança pública adequada, eficiente e eficaz, mas certa sensação de terror ou estado de sítio. Tais práticas são incoerentes e inadequadas para uma sociedade que pretende respeitar, garantir e efetivar os direitos constitucionais próprios de um Estado Democrático de Direito. Não raro, os espetáculos praticados pelos organismos policiais estão mais preocupados em aparecer para a mídia como um aparelho ideal do Estado capaz de sufocar qualquer conduta que por ventura se desvie das normas padrões estipuladas pelo governo e pela classe dominante. Deste modo, se entende que as chamadas tropas de "elite" das polícias são sempre toleradas pela classe média e alta, pois normalmente, sua atuação violenta e ilegal ocorre nas áreas mais pobres da cidade, nos bairros periféricos e nas favelas, áreas consideradas "perigosas" tanto pela polícia como pelos chamados "cidadãos de bem". Desta forma, criou-se no Brasil um modelo de polícia discriminador e dicotomizador para duas classes de pessoas: os "foras-da-lei" (pobres e à margem de poder usufruir seus direitos constitucionais até em função do analfabetismo jurídico) e os "cidadãos de bem" (os letrados ou quem tem recursos para contratar serviço advocatício competente). Este modelo persiste e é alimentado tanto pela classe dominante quanto pelo poder público (CARVALHO, 2004).

A questão do continuísmo das práticas policiais é cultural e mesmo diante de pressões por mudanças essas práticas tentam resistir de maneira contundente. Conforme Reiner (2004), a cultura da polícia não é monolítica, muito embora alguns estudos a apontem deste modo. Assim como as demais culturas, a cultura policial sofre pressões constantes pelos autores, mídia e sistema operacional político-mercadológico nas democracias liberais para que se efetive um processo de aculturação ou até de desaculturação por parte das agências policiais que trabalham com a missão da preservação da ordem e da promoção da segurança pública. Há no seio policial a produção de "subcultura" ou por orientações especiais ou advindas da própria experiência profissional. Internamente, sobretudo para os homens de linha de frente, que trabalham na atividade "fim" ou serviço de rua existem pressões por parte de seus comandos ou chefias que também são exigidos pela mídia e outros órgãos na produção de maiores resultados, sempre. Diante dessas pressões, o poder discricionário de polícia tende sempre a aumentar e ultrapassar a barreira do legal ou do permitido e aceitável, socialmente.Seguindo o raciocínio de Reiner (op., cit.), além das regras legais, a atividade policial é exercida também dentro de três outras regras: as "regras de trabalho" – aquelas que os policiais têm interiorizado como princípios guiadores de suas ações – as "regras inibidoras" – regras externas que os policiais hão de considerá-las na sua conduta, por que são específicas e referem-se ao próprio comportamento visível e as "regras de apresentação" – regras usadas para divulgar uma aparência externa aceitável às ações levadas a efeito por outras razões (p.133-134).

Não sendo a cultura da polícia monolítica, nem universal, nem imutável, significa que existem diferenças das mais diversas entre as forças policiais de acordo com variáveis dos indivíduos que a compõem. Todavia, existem algumas características comuns dentro da perspectiva policial originárias de problemas constantes enfrentados pelos policiais no exercício, a qualquer preço, de suas obrigações profissionais nas atuais sociedades industrial-capitalistas de ethos político liberal-democrático.

Conforme Bretas (1997), os estudos sobre as instituições policiais devem se centrar nas questões pertinentes à cultura e mentalidade policial, haja vista ser possível identificar como se relacionam características mais ou menos comuns no imaginário e nas ações desenvolvidas cotidianamente pelos membros destas instituições em diversos países. Assim, "apesar de toda a variação institucional, porém, parece haver a formação de uma cultura profissional coletiva, o que David Bayley chama 'Zeitgeist internacional e profissional'" (BRETAS, 1997, p. 81).

A cultura policial desenvolveu-se como uma série padronizada de acordos que ajudam os policiais a superar e a ajustar-se às pressões e tensões com que ajudam os policiais a superar e a ajustar-se às pressões e tensões com que a polícia se confronta. Gerações sucessivas são socializadas nessa cultura, mas não como aprendizes passivos ou manipulados de regras didáticas. "O processo de transmissão é mediado por histórias, mitos, piadas, explorando modelos de boa e má conduta que, através de metáforas, permite concepções de natureza prática a serem exploradas a priori" (REINER, 2004, p.134).

A continuação das práticas policiais autoritárias, subversivas no âmbito cultural da polícia é desenvolvida com algumas características comuns. O sentido do trabalho policial de ser encarado como uma missão, o transforma não apenas num trabalho, mas como um meio de vida que alguns chegam a segui-lo como se fosse uma religião, uma seita (Reiner, 2004). Neste sentido, para se compreender o trabalho policial é preciso entendê-lo como mais que uma missão, mas um imperativo moral, e não apenas como um outro trabalho qualquer, o que lhe transforma mais resistente a reformas e mudanças. Em virtude de estar constantemente em alerta, face à possibilidade de ocorrência de um delito penal a qualquer momento, o policial desenvolve a característica da suspeição permanente o que não descarta a possibilidade de se criar no seio policial um padrão de discriminação implícita.

Segundo ainda Reiner (2004), outras características comuns como o isolamento em função dos turnos de trabalho, da falta de horário, das dificuldades em se desligar das tensões geradas pelo serviço, de aspectos do código de disciplina, e da hostilidade e do medo à polícia que os cidadãos podem mostrar e a valorização criminal expressa no linguajar policial como considerar "ladrões com categoria", "bagunceiros", "lixo", "provocadores", "bonzinhos, "benfeitores", são práticas recorrentes. Além disso, a cultura machista no âmbito da polícia é algo muito forte. Conforme Reiner (op.cit.) é consenso entre os pesquisadores que o mundo da polícia continua sendo, agressivamente, um mundo masculino, apesar da promessa de igualdade de oportunidade no Estado-liberal democrático. As mulheres permanecem de forma inaceitável nas forças policiais, apesar de algumas dessas forças terem incluído em seus quadros o acesso ao sexo feminino, estas continuam destinadas a atividades burocráticas e assediativas. Essas mulheres continuam enfrentando obstáculos intransponíveis para "invadir e entrar" nessa reserva masculina. Conforme Rodriguez (1998, p. 94) "o paradigma masculino do Humano implica uma hegemonia do poder patriarcal, que se expressa não só na linguagem, mas também no invisível exercício cotidiano do poder de opressão sobre as mulheres e na sutil aceitação cultural da subordinação".

A realidade da cultura ou da subcultura machista impera nas diversas profissões, inclusive na área da segurança pública que se arrasta no panorama das polícias brasileiras, sobretudo nas militares. O pano de fundo ideológico dessa situação é legitimar a divisão social do trabalho entre os sexos, deixando às mulheres destinadas as profissões de caráter privado.

Com efeito, o papel da mulher com relação às suas atribuições somente no âmbito do privado foi estratégico e ideologicamente pensado. O objetivo idealizado pelo sexo masculino foi deixar a mulher fora do domínio político-administrativo. Desta forma, incorporou-se a idéia da submissão e da inferioridade da mulher em relação ao homem. Excluída do domínio público, a mulher passou a ser oprimida com todo tipo de privações, pois, seus direitos passaram a ser invisíveis no âmbito público e também privado. Como conseqüência dessa situação de opressão é que se desenvolveu uma violência sempre crescente contra mulheres e meninas no âmbito doméstico que é praticada pelos pais, maridos ou companheiros. Além da violência sexual doméstica (violência física, psicológica, estupro, incesto), existem outros tipos de violências comumente praticados contra as mulheres, como o assédio sexual nos locais de trabalho, nos ônibus, nas ruas, nos meios de comunicação, nas músicas e na violência institucionalizada.

Com a finalidade sustentadora desse discurso ideológico fundamentado na desigualdade entre os sexos há sempre outro discurso homogeinizador no tocante às ideologias sexuais que definem sistemas de crenças visando explicar como e o porquê das diferenças entre homens e mulheres. A partir desses parâmetros diferenciais definem-se direitos, deveres, responsabilidades, restrições e retribuições, inevitavelmente desiguais no sentido negativo para o sexo feminino, o que também provoca reações daqueles ou daquelas que não concordam com essas diferenças verticais e discrirninadoras do sexo masculino em relação ao sexo feminino (FROTA, 2004; PULEO, 2000 & SCOTT, 2002).

 

3. Considerações finais

As estruturas organizacionais dos organismos policiais, sobretudo das polícias militares do Brasil continuam resistindo, apesar de suas práticas obsoletas, autoritárias e inadequadas no Estado Democrático de Direito. Desde a abertura política iniciada a partir de 1985, o País experimenta a chamada Nova República ou Redemocratização com a perspectiva de consolidar o Estado Democrático de Direito. Após a Constituição Federal de 1988, também chamada de Constituição cidadã, as tentativas de efetivação dos direitos civis individuais e coletivos, dos direitos políticos e dos direitos sociais vêm sendo uma peleja constante. Essas garantias constitucionais somadas ao direito à vida, à liberdade, à propriedade, à paz social, enfim, ao respeito aos direitos humanos somente são possíveis se houver a garantia da segurança pública nos mais diversos espaços sociais.

A falta de reformas significativas no âmbito dos organismos responsáveis diretamente pela promoção da segurança pública parece ter sido o "calcanhar de Aquiles" dos governos pós-ditadura militar tanto no âmbito federal como estadual. A herança da Doutrina de Segurança Nacional autoritária de práticas ilegais, truculenta e voltada para relações de mando e de desmando no seio social resiste ao tempo. Esse passado que nem passado pode ser considerado ainda tem comprometido o desempenho dos governantes ante aos órgãos de promoção da segurança pública. Este comprometimento tem ressoado de forma negativa tanto no aumento da violência criminal convencional como na persistência de práticas delituosas institucionalizadas. Isto emperra ou atrofia as reais funções das instituições e dificulta a consolidação do Estado Democrático de Direito. O peso das heranças deixado pelos regimes autoritários sobre os órgãos responsáveis pelo controle repressivo não pode ser menosprezado. Urge optar-se por outras estratégias de caráter preventivo no controle da violência criminal.

As políticas públicas de segurança devem prescindir objetivamente pela identificação das causas e conseqüências do aumento da violência e da criminalidade e não apenas por seus efeitos. Desta forma, é possível se avaliar a gravidade do problema que reivindica traçar estratégias e ações concretas visando alcançar o combate e o controle da violência criminal. Neste sentido, as políticas públicas de segurança necessitam basear-se por objetivos e metas claras e definidas com medidas de ações estratégicas e avaliações periódicas confiáveis. Um dos primeiros passos são as políticas sociais de inclusão dos jovens no mercado de trabalho, educação de qualidade, esporte cultura e lazer. Outras objetivas podem estar na inclusão de uma política educacional voltada para uma cultura de paz e cidadania que deve está prevista nos currículos escolares desde a educação infantil. Essas ações proporcionam perspectivas e estímulos a desenvolver papéis de segurança e tranqüilidades públicas.

A segurança pública no Brasil melhorará na medida em que haja mais esforços e trabalho conjunto dos governos federal, estadual e municipal, sobretudo o municipal que tem acesso mais direto aos problemas sociais comunitários. Para isso é preciso que os governos e sociedade trabalhem uma urbanização integrada, cuidando não somente da infra-estrutura, mas também de programas de geração de renda, treinamento profissionalizante nas várias áreas do esporte e cultura e, sobretudo com investimento maciço na educação. Referindo-se às crianças de favelas que convivem desde cedo com a violência e a criminalidade e que ficam expostas ao recrutamento por parte de bandidos experientes, faz-se necessário possibilitar outras oportunidades e outros modelos de adultos bem sucedidos no esporte, na cultura, no mercado de trabalho. O bandido não pode ser o único exemplo de herói para esses jovens. É preciso haver investimento não somente para o jovem adolescente, mas esses programas devem ser iniciados desde a tenra idade, já no ensino infantil. É preciso priorizar definitivamente o trabalho preventivo com políticas públicas de inclusão social. Para isso, o poder público tem de ir até essas pessoas e não afastá-las ou ignora-las. A falta da presença do Estado junto às massas tem contribuído, sobremaneira para a insegurança pública.

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II – Legislação/Doutrina

ATO INSTITUCIONAL Nº. 05 – AI 5.

__. Nº 16 – AI 16.

BRASIL. Ministério do Exército. Decreto-Lei nº. 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar).

Lei Estadual nº. 13.407/03 (Código Disciplinar PM/BM).


Autor: Antonio Roberto


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