FAMÍLIA E GÊNERO NO DEBATE ATUAL



ANTONIO ROBERTO XAVIER*

*Mestre em Políticas Públicas e Sociedade e Mestre em Planejamento e Políticas Públicas pela UECE; Especialista em História e Sociologia e Licenciado pleno pela UECE; Professor dos Cursos de Pós-graduação (Lato Sensu) da FVJ e dos cursos de Licenciatura em História e Pedagogia da UVA

RESUMO

Este artigo discute a questão de família e gênero no debate atual. Comenta-se as diversas mudanças ocorridas com o modelo de família tradicional no Brasil, sobretudo a partir da década de 1980. Debate-se a questão de gênero na perspectiva da literatura atual e suas variadas abordagens. Por último, questiona-se sobre as mudanças e permanências na divisão sexual do trabalho e o papel social de homem e mulher no mercado de trabalho diante dos fatores culturais predominantes na sociedade brasileira.

Palavra-chaves: Família, Gênero, Cultura, Divisão sexual do trabalho


I - Introdução

Este pequeno artigo focaliza discutir nas suas variadas abordagens a questão Família e Gênero no debate atual. Sabe-se que o assunto é picante e, por isso, no contexto atual tem ganhado espaços amplos e dinâmicos, sobretudo no meio acadêmico. Neste artigo tem-se por meta realizar um breve resumo histórico-sociológico com o intuito de se explicitar, com brevidade, o debate atual acerca da temática com base em teóricos e teóricas especialistas na área. Compreende-se que a própria estrutura textual não permite uma análise com profundidade, pois, como é mencionado trata-se de um pequeno artigo. Inicialmente, se aborda a categoria família numa perspectiva conceitual voltada para a realidade brasileira. Num segundo momento, discute-se a categoria gênero de forma geral, visando correlacionar o entendimento universal com o local. Por último, baseando-se nas abordagens anteriores, busca-se discutir o assunto, a fim de se poder compreender de forma inequívoca o assunto abordado.

Como já foi dito no início, o assunto é de grande relevância para o debate atual e esta é uma abordagem resumida e de pouco fôlego. Portanto, fica em aberto um vasto campo para posteriores discussões em momentos mais elásticos. O que se pretende é apenas fazer um reluzir acerca da temática com intuito de se responder algumas indagações pertinentes a este trabalho. Não se pode negar que no momento atual, dado a relevância da temática em pauta, algumas questões precisam ser discutidas. Muito se tem falado a respeito das categorias Família e Gênero, seus conceitos, composições e, sobretudo, sua representação no espaço social. Percebe-se que esta discussão tem impulsionado, ultimamente, Institutos e grupos de pesquisas de diferentes academias.

II - História da família: conceitos e definições

A história da família definiu-se como campo específico no Brasil a partir da década de 1980, na busca de se responder alguns entraves existentes e foi ensejado com base em dois focos principais: a história da família do ponto de vista tradicional e do ponto de vista demográfico. Todavia, não se pode deixar de se ressaltar que essa abordagem sempre esteve sob a ótica da família moderna da História Cristã ocidental e como regulador o modelo de família europeu. Neste sentido evoca-se a necessidade precípua de pluralização do conceito de família, pois,

Tomar o comportamento familiar ocidental como modelo representa simplificar a evidente riqueza da realidade brasileira, em que coexistiram (e ainda coexistem) grupos de variadas origens étnicas, o que referenda de maneira absoluta a inclusão de um enfoque não excludente nos estudos sobre a família (FARIA, 1994, p. 258).

A categoria Família, como problema, aflorou enquanto tema atual e as questões sobre sua estrutura ou crise passaram a ser de interesse tanto para a pessoa comum como para pesquisadores do assunto. A mais antiga e mais definida unidade celular da sociedade (família), vem passando, ao longo do tempo, por diversas mudanças, definições e redefinições conceituais, levando-se em consideração a etnia, a cultura, a economia, o histórico-social e as variadas formas de agrupamento humano no decorrer do tempo e do espaço.

Independentemente do conceito dado à categoria família, seja o restrito, encontrado atualmente no vocabulário erudito ocidental, no qual o conceito de família está vinculado às relações biológicas, enfatizando o trinômio pai, mãe e filho (s) - família nuclear – e vinculado à coabitação, seja o definido em dicionários antigos – nos quais a família engloba todos os que são gente da casa, podendo se estender a criados, parentes etc. A história da família esteve sempre ligada ao espaço doméstico, indiferente do sentido público ou privado.

Atualmente, existe diversos modelo de família. Deste modo, a visão tradicional patriarcal ou nuclear de família, constituída hierarquicamente por pai, mãe e filho (s), com o pai no topo da pirâmide como provedor financeiro, a mãe como responsável pelas atividades domésticas (rainha do lar) e os filhos a obedecer aos papéis sociais definidos por ambos, não mais corresponde à realidade, embora se saiba que o modelo de família nuclear, ainda, seja o preferido quando o assunto é família. As mudanças do padrão doméstico com a vasta participação das mulheres no mercado de trabalho, no âmbito público e/ou privado confirma, do ponto de vista analítico-sociológico, a emergente transitoriedade desse modelo de família (BRAVO e PEREIRA, 2002).

Segundo Bruhl (1988) e Goldani (1991), essas mudanças estão relacionadas com alguns decisivos fatores, como: o aumento das taxas de divórcios e separações conciliatórias, aumento do concubinato e a crescente migração de famílias da zona rural para a zona urbana. As referidas mudanças, típicas da modernidade, possibilitaram transformações estruturais da família, o que resultou em crescentes opções individuais que responderiam pelos novos modelos de família. Outro fator contribuidor para as mudanças, acima, elencadas está relacionado à política econômica neoliberal. Essa política defende o afastamento do Estado dos sociais, inclusive, em prestar serviços sociais 'básicos' às famílias carentes. Diante desse fato, conforme Montano (2002) instalou-se uma instabilidade constante, mudanças demográficas enormes com o deslocamento de famílias pobres e miseráveis para os centros urbanos em busca de trabalho e a longevidade da população, aliada a falta de uma política pública definida e direcionada para a assistência familiar. Tudo isso respingou na estrutura tradicional familiar, que a partir de então, todos da família seriam obrigados a procurar meios de sobrevivência mesmo que miseravelmente.

No contexto atual, a discussão sobre 'família' não só é importante como toma dimensão ampla e provoca diferentes análises. Apesar da 'ideologia familística' nuclear de modelo ideal de família, além de qualquer outra coisa, restringe-se à esfera privada. Os trabalhos de análise precisam se aprofundar para se perceber as desigualdades de poder em seu interior, a violência, o contrato sexual e a família como palco de 'várias' economias que competem entre si, definindo o grau e a intensidade dos conflitos, os quais podem ser desnudados analisando-se a questão do gênero. Necessita-se lidar dialeticamente com as categorias gênero e família nas diferentes ralações e a partir de variados contextos de classe, etnia, raça, geração etc.

Na atual conjuntura, o estudo da família enquadra-se em um dos temas mais centrais de debates acadêmicos, Instituições Estatais, Organizações Não Governamentais (ONGs) e outras entidades feministas. O estudo da família em países profundamente marcado pelo autoritarismo, violência, conservadorismo e de intensa verticalização hierárquica nas relações sociais entre homens e mulheres como o Brasil, requer sempre uma análise apurada e cuidadosa. Vale dizer que no Brasil predomina uma cultura machista historicamente construída na qual é sempre evocado o homem como superior à mulher.

II – A Questão de Gênero

Segundo Scott (1990), o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais diversas e são baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e um primeiro modo de significar relações de poder. Embora essas condições sejam diversificadas dependendo do tempo e de cada época ou conforme seja a abordagem.

... o gênero é uma estrutura ampla, englobando a economia e o Estado, assim como família e a sexualidade, tendo, na verdade, uma dimensão internacional. O gênero é também uma estrutura complexa, muito mais complexa do que as dicotomias dos "papéis sexuais" ou a biologia reprodutiva sugeriam (CONNELL, 1995, p. 5).

A partir da década de 1970, as abordagens teóricas para a diferença sexual entre homem e mulher têm sido chamadas de gênero. Gênero foi inicialmente, utilizado pelas feministas Norte-americanas que insistiam em querer a distinção no caráter fundamentalmente social baseado na questão sexual. Até então, o conceito de gênero estava relacionado com os papéis sociais que homem e mulher desempenhavam na sociedade tomando por base o determinismo biológico do sexo. As primeiras investigadoras feministas empregaram o termo gênero para repudiar o determinismo biológico, demonstrando a gama de variação em construções culturais da feminilidade e da masculinidade. A partir desse marco suscitariam novos conceitos, novos problemas, novas abordagens e novos entendimentos.

O Gênero se torna, inclusive, uma maneira de indicar as "construções sociais"... a criação inteiramente social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres e os homens, ou seja, que nenhuma compreensão de qualquer um dos dois pode existir através de um estudo que os considere totalmente em separado. Vale frisar que esse termo foi proposto por aqueles que defendiam que a pesquisa sobre as mulheres transformaria fundamentalmente os paradigmas da disciplina; acrescentaria não só novos temas, como também iria impor uma reavaliação crítica das premissas e critérios do trabalho científico existente (FARIA, 1997, p. 279).

Os trabalhos de pesquisas mais recentes empregam o termo gênero para analisar a organização social das relações entre homens e mulheres; para conceituar a visão do corpo, do sexo e da sexualidade; para explicar a distribuição de responsabilidades e benefícios na sociedade; para investigar as metafísicas do poder e para explicar a identidade e os anseios individuais. Foi decorrentes de inúmeras e variadas abordagens que possibilitou escolhas práticas e teóricas e que permite uma superação tanto das abordagens exclusivistas e limitadas da categoria gênero quanto as que encaram como meramente adicionais.

A forma de tratar a categoria gênero a partir de então daria um outro rumo a esta nova abordagem histórica. Para isso, necessário seria articular gênero, classe e a raça. Neste sentido, o estudo destas três categorias proporcionaria ao historiador não somente o estudo dos oprimidos como também a compreensão das desigualdades construídas ao longo de toda a história.

A análise dos papéis sociais definidos para homens e mulheres, a partir do preconceito sexual, no qual o homem é evocado como superior em virtude, apenas de características físicas e biológicas não tem mais sustentáculo. Com o aprimoramento dos Direitos Humanos Nacional e Internacionalmente e com o advento da Constituição 'Social' de 1988, no Brasil, as mulheres começaram a conquistar efetivamente seus espaços no mercado de trabalho, na produção acadêmica e na administração pública, inclusive, ocupando cargos eletivos. Porém, faz necessário observar que essas conquistas, ainda, não são plenas, pois, o mercado de trabalho urbano continua organizado tomando como base hierárquica às categorias homem/mulher de forma verticalizada de primeira e segunda categorias, inclusive, na questão salarial.

... freqüentemente (o conceito) é utilizado com uma conotação simplesmente descritiva – há uma diferenciação entre os sexos nas atividades sociais ..., mas, falar em termos de divisão sexual do trabalho é, a meu ver, muito mais. É articular essa descrição do real com uma reflexão sobre os processos pelos quais a sociedade utiliza essa diferenciação para hierarquizar as atividades. A divisão sexual do trabalho está no centro (no coração) do poder que os homens exercem sobre as mulheres (KERGOAT, 1996, p. 75).

Vale ressaltar que mesmo as mulheres tendo conquistado seu espaço de trabalho, ainda perdura dentro da questão cultural que a mulher é responsável pelos afazeres de casa. A divisão social do trabalho, sobretudo nos países (ocidentais) subdesenvolvidos e que tiveram suas democracias retardatárias, por conta das diversas colonizações, continua apresentando traços profundos de desigualdades. Muitas vezes, mesmo trabalhando longas horas fora de casa, em variadas atividades, as mulheres, seguindo culturalmente as normas 'sociais' tradicionais e, obedecendo às exigências do marido têm de fazer suas tarefas domésticas para a família. Desta forma, as mulheres desempenham um esforço extra, como: acordar mais cedo para arrumar as crianças para irem à escola ou preparar o lanche para os demais da casa e dormir mais tarde para poder colocar a casa em ordem, etc. Deste modo percebe-se que a questão da divisão sexual do trabalho continua sendo uma arena para amplas e profundas discussões de gênero.

III – Considerações finais

Considera-se que já houve certo avanço com relação a desmistificação de que a mulher é naturalmente inferior ao homem a partir, exclusivamente, das características físicas e biológicas. Entretanto, é válido ressaltar que esse avanço é mais concreto nas famílias urbanas e de classe média. No âmbito familiar ruralístico ou no seio das famílias pobres e de baixa escolaridade, o modelo tradicional de família nuclear com os papéis hierarquicamente definidos na pirâmide pai, mãe e filho, ainda é prevalecente.

É notório o pensamento preconceituoso que paira na sociedade brasileira com relação ao papel emancipatório da mulher como sujeito ativo. Falar em machismo, dimensão cultural de inferioridade das mulheres ou em conquistas de direitos femininos não é o bastante. É preciso se ter planos e projetos de forma decisiva no contexto das relações de poder, sobretudo com relação à divisão sexual do trabalho. Neste sentido é que se reivindica o debate sobre a transitoriedade nas relações de poder entre homens e mulheres. É necessário criar estratégias pautadas em práticas e teorias legítimas das lutas sociais e democráticas femininas. Urge, a necessidade de conscientização extramuros acadêmicos de que as mulheres não somente necessitam de um nivelamento com os homens, mas, que são sujeitos fundamentais de transformação.

A discussão acerca da participação das mulheres na política precisa se ampliar muito mais com vistas às políticas de avaliações sobre questões de cidadania, direitos e conquistas femininas. A questão de gênero necessita de redimensionamento no tocante as relações de poder frente às desigualdades sociais. Nessas relações de gênero há de se levar em conta categorias como classe, raça, etnicidade e orientação sexual. É nesta linha de raciocínio que se entende gênero como uma estrutura além de simples relação entre homens e mulheres.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAVO, Maria Inês Souza e PEREIRA, Potyara, A. P. (Org). Política Social e Democracia. 2. ed. São Paulo. Cortez: Rio de Janeiro: UERJ, 2002.

BRUHL, D. A Família Pobre na Mudança do Campo para a Cidade: experiências nordestinas. Ciência e Cultura 40 (1): jan., 1988.

BRUSCHIN, C. Uma Abordagem Sociológica da Família. Revista Brasileira de Estudo de População. São Paulo, Nº 6, 1989.

CONNELL, Robert. Políticas da Masculinidade. Educação e Realidade, vol. 20, jul./dez., 1995, Porto Alegre

FARIA, Nalu e NOBRE, Mirian. (Orgs). Gênero e Desigualdade. Cadernos Sempreviva. São Paulo: SOF, 1997.

GOLDANI, A. M. A crise Familiar no Brasil Hoje. Travessia. Jan. - Abr /1991.

KERGOAT, Daniele. Da divisão do trabalho entre os sexos. Tempo social, v. 1, 2º semestre de 89, USP, São Paulo, 1989.

MONTANO, Carlos. Terceiro Setor e Questão Social. Crítica ao Padrão Emergente de Intervenção Social. São Paulo: Cortez, 2002.

SCOTT, Joan. Gênero: Uma categoria de análise histórica. Educação e Realidade, Vol. 16, n. 2. jul/dez. 1990, Porto Alegre.


Autor: Antonio Roberto


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