VERÔNICA



VERÔNICA

diálogo teatral

 

A traição é sempre uma atitude voluntária e denota falta de caráter e de respeito pelo parceiro.  Isto é verdade? – Ou uma mentira deslavada?

A maneira pela qual se encara o amor, a paixão, o sexo e o casamento (ou a união estável)  é completamente diferente no homem e na mulher

Mas a sociedade está de tal modo confusa, que as pessoas se juntam e se separam, sem o menor envolvimento, tentando tirar um do outro a maior satisfação possível

 

Primeiro Ato

Metade da cena para cada um dos atores

Enquanto um fala, o outro fica no escuro absoluto

 

Cena 1

 

Acende-se a luz do lado esquerdo do palco

Um vão pequeno, contendo os arquivos de uma sociedade.

Ambiente de escritório. Uma escrivaninha modesta. Um telefone.

Muitos armários de arquivo. Papéis sobre a mesa. Duas cadeiras.

Tem pouco espaço.

Um rapaz em trajes de executivo, paletó, gravata, sapato social, está

sentado à mesa.

 

Bom dia, pessoal! Meu nome é Felipe. Tenho 22 anos.

Sou estudante, ainda, mas vou me formar este ano.

Administração. Aliás, é a onda do momento.

Vai ter mais administradores que garis.

Me pergunto quem é que vai varrer as ruas, no futuro .

Digo, daqui a alguns anos.

Claro: Garis, com diploma de administradores.

Se estou trabalhando?

Lógico; terminando os estudos e trabalhando,

como o meu pai fez no tempo dele.

Não sou um filhinho de papai.

Pertenço a uma família de classe média.

Aquela classe que dentro de alguns anos não vai existir mais.

Ou viram milionários, ou favelados.

Sem alternativas.

Meu pai é quem diz. E ele raramente se engana.

 

Sou estagiário na Valemonte S/A, uma poderosa multinacional

Fui admitido depois de uma acirrada seleção.

Claro que umas palavrinhas do meu pai ajudaram um pouco.

Mas o mundo é assim mesmo: uma mão tem que lavar a outra...

Tenho ambições; já freqüento a casa do vice presidente,

Que é também um dos sócios. Tento firmar a amizade com ele.

Por enquanto, ganho pouco mas meu pai ajuda, pagando a Universidade;

Faço um trabalhinho de  meleca, (como vocês vêm,

esta espécie de banheiro é o meu escritório atual)

Mas estou subindo; e vou fazer tudo o que for preciso, para escalar até o topo.

Tenho muitas etapas para vencer, muitos concorrentes para derrotar.

 

Também namoro, porque quem tem família sobe mais facilmente na empresa.

Minha namorada, a Verônica, é uma das colegas mais bonitas da escola.

Vai se formar comigo, este ano. Não vemos a hora. Estudar enche!

Ela na verdade, nem precisaria ter estudado.

É inteligente, sabida, aplicada e responsável.

(Dito entre nós, mulher, quanto menos aprende, menos confusões apronta)

E tem uma ótima família.  Pai, mãe e duas irmãs.

Claro que, com quatro mulheres na casa, o pai está por baixo

Melhor dizendo: Faz tudo o que elas querem. Não o deixam abrir a boca.

Isso não vai acontecer comigo. Ah, não!

Eu, deixando minha mulher mandar em mim? Nunca!

A família da Verônica, como dizia,  é muito boa;

gente agradável, que sabe conversar. E também, são pessoas de posses;

Acho que vamos nos dar muito bem.

Já estamos conversando muito sobre o nosso futuro;

Porque as pessoas devem se entender desde o início

E decidir calmamente o caminho a seguir, quando se juntarem.

Se não fizerem isso, será mais um casamento arruinado.

 

Já nos entendemos sobre um monte de coisas.

 Às vezes eu ganho, às vezes deixo que ela decida.

Mas não descemos a detalhes;

Estamos mu9ito ocupados, nestes meses, com os estudos.

Não há tempo para quase nada.

Deixei de ir às baladas com os amigos, desde que “fiquei” com a Verô.

Só vou ao futebol, nas manhãs de domingo, porque é importante

Para conservar o ambiente dos amigos. Eles podem ajudar muito.

As depois de me formar, quero ter um pouco de vida própria

Acho que vou me dar bem com a Verô. Temos muitas coisas parecidas. 

E ela é muito compreensiva; por exemplo, se queremos ir a um cinema,

Vamos juntos, sem problemas;

Normalmente, sou  eu que escolho os filmes,

Porque não gosto de comédias românticas,

São só bobageiras inconsistentes, que me fazem dormir

Prefiro filmes de ação,  policiais, com bastante tiros e luta.

Minha adrenalina sobe, sinto-me poderoso..

Verônica não gosta muito, é verdade,

mas fica contente de ficar juntinho,

Abraçadinha comigo,  comendo pipoca.

É o máximo!! 

....................................................

 

A luz apaga-se do lado esquerdo, acende-se do lado direito.

 

Cena 2

 

Uma sala de visitas elegante mas contida , um sofá, duas poltronas.

Uma garota em traje social, bem vestida, penteada, maquiada, pronta para sair

Ela se levanta, anda pela cena,  amplia com gestos as suas falas.

 

Olá, meus amigos, boa noite!

Eu sou a Verônica. – Verô, para o meu amado.

Tenho 22 anos, sou solteira, estudante, já mais ou menos compromissada.

Formo-me no fim do ano, junto com o meu namorado, Felipe – um pão!

Vocês deveriam vê-lo: alto, forte, musculoso, bonito, moreno

E inteligente, também; já está trabalhando e fazendo o seu futuro.

Estamos namorando há três anos, mas minha família não admitiu

Que fossemos morar juntos.

São muito conservadores, atrasados. Religiosos demais. Tradicionalistas. Carolas.

Felipe sempre reclama, esbraveja, quer me convencer a fazer alguma bobagem.

Mas ainda não temos dinheiro suficiente para montar uma casa.

Eu gostaria demais, porque todos os dias é uma briga,

para manter afastadas as mãos dele.

Porque gosto muito dele. Já disse isso? Pois gosto dele demais.

Quando ele me olha, quando fala comigo, quando me beija, quando me abraça, quando se enrosca em mim, fico caidinha, tremendo, louca para.... Ah, vocês sabem, não?   Para ficar com ele, ficar junto, namorar, murmurar palavras doces, beijar, acarinhar,  arrulhar....cruu...cruu...crruuuuu!.

Não sei por quanto tempo serei capaz de resistir...

A voz da razão está cada dia mais fraca.

E aquele bastardo  não faz nada para se segurar, para me ajudar.

Apenas põe mais lenha na fogueira.

Ah, um dia desses!....     

 

Já conversei com as irmãs dele e até, uma vez, com a mãe.

Ela não pareceu muito contente com o namoro.

Acha que é cedo, que ainda não começamos a viver,

que não sabemos nada da vida,

das responsabilidades do casamento.

Falou de sacrifícios.

Mas existe sacrifício maior que se despedir na porta de casa

e ter que ir dormir sozinhos, sonhando de estar juntos?

Às vezes, ficamos uma hora nas despedidas... 

Eu não consigo entrar, ele não consegue ir embora...

 

E não é verdade, que não sabemos nada da vida.

Todos começam assim, sabendo pouco, aprendendo dia a dia.

Perguntei se ela já sabia tudo antes de casar.

Respondeu que eram outros tempos,  que tudo era diferente. 

Nós não sabemos tudo, não temos tudo, mas com amor

tudo se resolve, tudo se ajeita..

Porque será que todos meneiam a cabeça, incrédulos, céticos?

O que tem de errado na nossa maneira de pensar?

Nós vamos criar uma família. Vamos formar um elo.

Ou será que isso e tão difícil, que todos desconfiam de nós?

O comportamento dele é exemplar:

não dá atenção às moças na rua, às colegas na escola,

aos amigos que querem leva-lo

à quadra de tênis, ao bilhar, ou ao autódromo.

Nunca estivemos em uma balada. Eu não tenho vontade.

Fico tonta e acho que não faz nada bem.

Ele diz que sente o mesmo, ele também nunca

esteve em nenhuma daquelas loucuras;

mas eu dei-lhe liberdade para ir, uma noite dessas, se quiser,

só para experimentar...

Ele fica comigo, gosta de ficar comigo, quer ficar comigo.

Adoro esta sua maneira de ser.

Gostaria de ser sua esposa, hoje mesmo; não posso mais resistir.

 

A luz se apaga

 


Autor: Romano Dazzi


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