O Encontro



 

O ENCONTRO

 

A palavra chave é VIRTUAL.

Virtual é a comunicação, a notícia, a amizade; até a conta no banco.

Aliás, no meu caso, ela não poderia ser mais virtual.

Está seca há um ano, mais vazia que barriga de pobre, mais triste que coração abandonado.

Mas me mandam toda semana longos relatórios, sugerindo aplicações maravilhosas para o meu rico dinheirinho; em alguns folhetos, o banco até agradece a força que estou fazendo, usando-o como única fortaleza de minhas posses; felizes daquele que nada sabem !....

 

Mas não é disso, que queria falar.

É da minha última experiência na Internet.

Na mágica Internet, onde tudo é Virtual.  

 

Sou uma senhora capaz de manter uma conversa inteligente, tenho uma aparência agradável e boa saúde. 

Quanto à idade, bem, já passei dos “.. inte”  e também dos “.. inta”; estou estacionada nos  “... enta” (que, como sabem, vão dos 4 aos 9), mas ainda me falta muito para dobrar o Cabo da Boa Esperança.

O que quero dizer, é que não sou um transatlântico de luxo, nem mesmo um iate de cruzeiro; posso comparar-me apenas a um bom veleiro de alto mar: conservado, simpático, equilibrado, com um leme firme e seguro, ainda capaz de memoráveis travessias, se puder contar com um piloto experiente.

Acredito que haverá ainda muito vento de popa, para enfunar minhas velas.

Mas a solidão é uma grande inimiga.

Amigas minhas velejam pelos shoppings, de caniço ao ombro.

Nas iscas vistosas que carregam, escondem anzóis perigosos.

Tudo para fisgar um lambari ou uma tilápia qualquer.

Não sou deste tipo. Não tenho paciência para isso.

Ou talvez me falte coragem e me sobre vergonha para procurar um amigo, um confidente, um amante. Alguém que me complete.

Finalmente chegamos ao ponto: Internet . E à palavra chave: Virtual.

Fiquei semanas peneirando alguém na Internet , como todos parecem fazer hoje.

Aos poucos, de decepção em decepção, acabei separando  uma dúzia de candidatos, e entre esses, acabei escolhendo dois, que me pareceram maduros, sérios, dignos de uma aproximação.

Tudo foi virtual: as apresentações, o currículo, as fotos; passado, presente e futuro; gostos, pretensões, propostas de vida.

Não nos vimos uma única vez; não sei, de verdade, com quem estou falando, me correspondendo, me abrindo: pode ser uma garota travessa, um menino sabido, um velhote maluco; até uma senhora como eu, brincando de esconde-esconde.

A foto que recebi parecia do Antonio Bandeiras.

Mandei de volta uma da Caterine – não da Deneuve, mas da Zeta-Jones.

O virtual tem isso de bom: nunca se sabe de nada ao certo.

Você pensa que está falando com o banco na esquina – e está em ligação direta com o celular do bandido, dentro da penitenciária de segurança máxima de Quixeramobim. 

Mas é tudo virtual, tente não se assustar.   

Agora estou no café, enquanto vai chegando o momento aguardado há tanto tempo.

 No que vai dar isso, não sei; mas me sinto como uma menina de colegial ao primeiro encontro. Eu sei, eu sei,  que agora o primeiro encontro é no segundo ano do primário; mas eu sou da velha escola.

E agora aqui estou eu, tensa, nervosa, esperando que o primeiro candidato chegue.

Com vontade de conhecê-lo  e ao mesmo tempo, louca para fugir.

Combinamos vários sinais, para evitar mal entendidos desagradáveis: ele deve entrar pela porta lateral do café, trazendo um livro de capa vermelha sob o braço, e usar uma gravata verde claro . Deve sentar na segunda mesa à esquerda, virado para a parte interna do salão.

Eu estou sentada num canto com pouca luz, com todas as condições favoráveis, para examiná-lo antes de decidir se vale a pena me aproximar e me apresentar.

Se o achar aceitável, tenho vinte minutos para conversar e despachá-lo, antes que chegue outro. Se não gostar, nem vou aparecer.

Tudo previsto, tudo calculado.

E eis que – surpresa! – me aparecem três – digo três -  senhores, distintos e elegantes, todos com um livro de capa vermelha debaixo do braço, e uma gravata verde claro; sentam na segunda mesa à esquerda e começam a acenar com três rosas vermelhas.

Eu tinha sido descoberta.  

Fiquei.... fiquei de tudo:,  no primeiro momento, surpresa; logo depois, ofendida, chocada, aborrecida – tudo junto,.  

Devo ter ficado de todas as cores, estava zangada e afogueada; queria sair daí e bater em todo o mundo.

Ou então, bater em retirada,  sair de fininho, apesar de já ter sido descoberta; percebi que faltava uma rota de fuga – erro gravíssimo nas táticas de grandes manobras.

Para encurtar, em cinco minutos voltei a comandar minhas emoções.

Respirei fundo, atravessei o salão e me apresentei com toda a pompa e estilo que as circunstâncias requeriam; e com o meu melhor sorriso também: Sou Madalena, como já sabem;  muito prazer!

Agora os surpresos, confusos e chocados eram eles, todos sem jeito, atrapalhando-se um ao outro.

Quando começavam a apresentar-se, mais uma vez me adiantei e disse: ‘Não, não digam nada; deixem-me adivinhar; são os irmãos Marx, não é? “.

Estava quebrada a incerteza do instante mais crítico.

Confirmaram que eram mesmo três irmãos, e já de início os achei simpáticos e bem humorados.

Logo me ofereceram uma cadeira e um flute de espumante.

Pegaram meu casaco e conseguiram encontrar até um finíssimo leque chinês de marfim, para arrefecer o calor do meu rosto, que parecia estar queimando em brasas.

Ficaram “dominados” como diriam os jovens de hoje; e quem “dominava” era eu, a senhora Madalena.

Lembrei-me das estratégias de Von Clausewitz e reconheci que ele, mais uma vez, estava com a razão:

O ataque rápido é  melhor que qualquer defesa.

Refeitos da surpresa, começaram a justificar-se.

Minha personalidade os havia conquistado e queriam conhecer-me.

Os três tinham acompanhado as longas conversas pela Internet.

Então, era eu de um lado, e os três marmanjos do outro, o tempo todo, por uns dois, quase três meses.

Fiz que não perdoava a malandragem, mas devo admitir que saber desta competição me atiçara.      

Está claro que não arranjei um amante, nem um marido; mas três ótimos amigos, agradáveis, inteligentes,  cultos, bons para as noites frias de inverno – mas só até antes de ir para a cama.

Na qual a senhora Madalena continua sozinha, mas com grandes esperanças nas futuras amizades virtuais, pela Internet

                                                                                                                                                                                                                                                                                                             


Autor: Romano Dazzi


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