A Gruta



Por Marcos José Santos Pereira (Professor Especialista em Literatura, Cultura e Semiótica).

Vede o Coronel Guimarães. Estava sentado na escadaria da capela, quando pensou em comprar mais um escravo para ser o reprodutor de sua fazenda (lavoura de cana-de-açucar), no entanto, havia um empecilho que era justamente a pecúnia que o mesmo disporia, haja vista, na mesma época teve que comprar algumas máquinas, ou melhor, moendas para tornar o trabalho mais eficaz. Como os senhores de engenho tinham uma força política muito grande, Guimarães cogitou ir a Salvador e usar toda a sua influência, pois se tratava de um dos maiores produtores de cana daquele ano de 1684, porém descarta a possibilidade. De repente, surge sua filha, Dona Maria Eleodora, uma senhorinha de encher os olhos de qualquer homem e um dos motivos de alegria do coronel:

— Papai, quando é que o senhor vai comprar uma mucama para mim? — retrucou a jovem.

— Eleodora, não quero você às voltas com uma negrinha!

Nisso, a jovem se retirou e Guimarães levantou-se olhando fixamente para as palmeiras imperiais e disse:

— É necessário comprar uma mucama e bom negro para cruzar!

Com a aproximação do mês de junho, a Casa Grande era uma alegria só. A esposa do coronel encomendou aos (seus) escravos uma roça de milho que estava uma formosura só, preparava-se para começar a festa de São João em grande estilo e, finalmente, entregar a filha mais velha para o filho do comendador Sobral, rapaz fino que estudou lei na Europa e retornava a pouco para Laranjeiras. Com isso, Dona Isaura era um poço de ansiedade, vê a jovem Elisa se casar com um herdeiro de um dos maiores patrimônios existentes na província naquela época, porém tinha um detalhe que faria a esposa do coronel se irritar, Elisa por ocasião da quermesse na cidade, se apaixonara por Duarte, um mestiço que era filho do comendador Henrique e morava próximo da Vila de Maruim, este era riquíssimo, mas a jovem tinha certeza que seus pais não aceitariam tal relacionamento, haja vista o rapaz ser filho de mãe negra.

Os encontros aconteciam sempre às escondidas, envolviam mentiras de todos os gêneros, colocava em perigo a vida da escrava Joaquina, pois a mesma servia de alcoviteira. No entanto, a sinhazinha respeitava e tratava a mucama com urbanidade e carinho, coisa que na época não era comum. O palco dos encontros amorosos se dava na gruta da matriana. Geralmente, nos dias em que seu pai saia com o capataz para passar os olhos nos escravos e ver como ia sua plantação de cana, mas o principal motivo era passar num alambique que o próprio Guimarães projetou para pegar uma garrafa de aguardente das boas, como ele chamava e, logo após se dirigia para uma pequena vila que se encontrava em suas posses, com o intuito de cortejar e ter uma vida extraconjugal com uma cabocla, esta era uma formosura e biótipo muito apreciáveis, cabelo liso de cor negra, quase chegando a cintura, já se sabe de quem a jovem Elisa herdou o senso de aventuras perigosas, do velho Guimarães. Sua mãe era uma carola que não largava da igreja e, por causa disso, o coronel mandou construir uma capela na frente da casa grande por acreditar que cavalo apeado também come, era assim que se referia ao padre jesuíta quando subia ao púlpito para celebrar a missa.

Era domingo e na cidade toda enfeitada de bandeirolas, as senhoras todas debruçadas na janela, ouviam a retreta que tocava na praça onde estava acontecendo uma quermesse. Júlia, por ser muito ativa estava toda ouriçada com o clima de festa no ar. Elisa ao ficar sozinha enquanto se dirigia a uma barraquinha de comidas típicas esbarraçou-se com um jovem mestiço de cabelos lisos com traços que lembravam um índio e o mesmo com toda a educação familiar que recebera disse:

— Desculpe, jovem senhorita, não tive a intenção.

— Elisa, disse sorrindo que não tinha problema.

— Qual o seu nome? — Perguntou a jovem.

— Duarte. E o seu?

— Elisa.

Neste ínterim sua irmã Eleodora a chamou e Elisa despediu-se do jovem e um pedaço do seu coração ficara com Duarte e a recíproca aconteceu, surgindo assim um relacionamento que se tornaria no fim de seu pai, o Coronel Guimarães. Decidido em comprar o escravo forte que viu em Aracaju Del Rey, o Coronel foi à sua velha arca que media 40 cm X 40 cm, colocou-a na charrete e se deslocou, passando uma semana fora da casa grande e ao retornar trouxe consigo um escravo oriundo do Sudão, este era o mais e mais alto que já chegara na região, o coronel, contente da sua aquisição, fez um sarau para demonstrar o “animal” que adquirira, indagando aos convidados que aquele seria o melhor reprodutor de todo o império e chegou a forçar o negro a transar com suas escravas de uma só vez para testar a virilidade de Bento, pois assim o batizara, fazendo menção ao Santo para que o escravo fosse bastante viril.

Ao retornar para casa, Elisa não pára de pensar em Duarte e se arrisca pedindo a um escravo de confiança para que ele fosse à fazenda onde o rapaz morava e lhe levasse um bilhete com a seguinte frase:

— Estou ansiosa em ver-te, se for da sua vontade esteja na gruta da matriana no próximo domingo às nove e meia da manhã.

O escravo saiu às escondidas numa noite chuvosa de uma quarta-feira, onde pairava no ar uma sombra sinistra, com um tom macabro, mas o escravo em pagamento às interdições que a jovem teria feito junto ao coronel pedindo-lhe benevolência ao pai em relação a Justino, foi sem pensar nas conseqüências que o ato lhe traria se por ventura fosse pego pelo capitão do mato, com certeza seria considerado como fujão e não escaparia do pelouro para ser açoitado até a morte para que servisse de exemplo para os outros escravos. Justino conseguiu chegar à fazenda por volta das 23:45h e entregou o bilhete a um escravo que tinha acesso a Duarte e retornou cortando o vento, chegando à senzala sem terem sentido sua falta, fez o combinado com Elisa, imitou um gato sendo mordido por um cachorro e, em seguida imitou um galo carijó. Elisa, ao escutar os sons emitidos por seu “cupido”, foi dormir grata e feliz, sem se dar conta que estava amanhecendo.

O dia tão esperado chegou e Elisa já tinha planejado tudo para que não ocorresse nenhuma falha, por volta das oito da manhã, ela chamou sua mucama e pediu a mesma distrair todos que estavam em frente à capela e assim sendo a escrava fez, Elisa saiu pelos fundos se esgueirando entre as duas charretes que se encontravam ao fundo, foi quando Justino fez o sinal para a mesma pegar o cavalo no local combinado e com toda a esperteza que só as mulheres têm quando querem algo, saiu em disparada, como uma boa amazona, chegando na gruta com uma hora de antecedência. Lá chegando colocou o cavalo embaixo de uma pitombeira por onde passava um pequeno riacho de águas cristalinas para fazer confundir quem por perto passasse e tivesse a curiosidade de constatar se não estava acontecendo um encontro amoroso naquele local. A ansiedade da jovem era tamanha que os minutos se transformavam em longas horas e quando a jovem se desligou um pouco do que estava fazendo, escutou uma voz falar no seu ouvido.

— Elisa.

Ela virou e ao ver Duarte, jogou-se em seus braços.

— Pensei que não viria

— É verdade que cogitei não vir, no entanto meu coração ia de encontro a esse pensamento e aqui estou.

— Você é linda! Indagou Duarte.

Elisa ruborizada fica sem graça e faz um sorriso pueril.

Naquele instante se concretizava o início de um dos mais bonitos romances da região, onde ambos eram ricos, porém o peso da discriminação se abateria sobre os ombros deles de forma ferrenha, desumana e irracional. Continuaram se encontrando e lá pelo terceiro encontro começaram a se conhecer como homem e mulher. Neste dia Elisa ao chegar em casa teve a notícia que seria apresentada ao filho do comendador Sobral e a mesma soube disfarçar e fingiu ficar muito feliz, só que naquele momento se preparava para fugir com Duarte no próximo encontro. Na mesma noite ela colocou todas as suas jóias e algum dinheiro que conseguira guardar, algumas roupas e sua boneca italiana, guardando em seguida tudo embaixo da cama. Na manhã seguinte, acertou com Justino que no sábado à noite ele levaria suas coisas até a gruta e colocasse junto à pitombeira em uma moita de hortelã que serviria de camuflagem.

No dia da fuga Elisa conversou com mãe de Duarte e disse que amava muito os pais, reconhecia com gratidão ser filha de quem era e pediu ao sogro para procurar os pais dela e dizer que ela estava bem, mas não lhe revelassem o destino dos dois, a cidade de Salvador. No entanto, o comendador não fez o prometido e os pais de Elisa, ao sentirem dela à noite, colocaram gente para procurar, mas não lograram êxito e deram-na como morta.

Dez se passaram e numa tarde de domingo o coronel Guimarães estava sentado na escadaria da capela e vê uma luxuosa charrete se aproximar e ao parar desce uma formosa mulher com um garoto, o coronel ao levantar a cabeça vê uma criança que é a sua imagem e semelhança e com lágrimas nos olhos recebe a filha Elisa e o seu neto Pedro Joaquim. Duarte teria morrido de uma doença que Elisa pensa ter sido pneumonia, entretanto a deixou rica e com o fruto de um amor fiel, honrado e sincero.
Autor: Marcos Pereira


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