Saúde E Sociedade: A Realidade Brasileira



SAÚDE E SOCIEDADE: a realidade brasileira

“As pessoas pensam que fizeram muito por não terem matado alguém, mas em verdade nenhum homem pode morrer em paz, se não fez todo o necessário para que os outros não morram.”.
(Albert Camus)

Nunca se falou tanto sobre o setor saúde em nosso país, como agora. É que a gravidade e complexidade dos problemas não permitem mais protelações. A falência dos serviços públicos de saúde é um fato quase consumado... e nós assistimos a tudo passivamente, sem nada fazer.
A qualidade mínima necessária para o atendimento à população mais carente precisa ser resgatada. Afinal, cerca de 100 milhões de brasileiros dependem exclusivamente dos serviços públicos de saúde. Um terço destes são absolutamente miseráveis, sem nenhum recurso, abandonados à própria sorte: eles não podem pagar com suas vidas só porque vivem num país onde a saúde ainda não é prioridade de governo.
Uma decisão política firme e corajosa deve ser tomada pelas autoridades constituídas. Da mesma forma, outros segmentos da sociedade civil organizada precisam oferecer parcela de contribuição crítica e responsável. Parece-nos muito claro que o poder público sozinho não conseguirá tirar o Brasil dessa crise social, ética e até moral.
Os serviços médico-hospitalares da rede pública e privada vivem ho-je o espectro da falta de recursos, desmotivação dos prestadores e descrédito geral da população. Os atendimentos são precários, a qualidade está comprometida e por isso, os pacientes passeiam de posto e posto, de hospital em hospital. Os casos recentes de Pernambuco e Alagoas são exemplos lamentáveis.
As endemias ressurgem, ameaçando muitos milhares de brasileiros, como se não existissem órgãos públicos encarregados de protegê-los. É a tuberculose, a malária, a hanseníase, que já pareciam erradicadas ou no mínimo controladas, dentro das estatísticas epidemiológicas. Agora, o Brasil começa a viver uma epidemia de dengue hemorrágica que está se tornando calamidade pública podendo provocar alta taxa de mortalidade. Além da presença dos três sorotipos (1,2 e 3) deve entrar, com certeza, o sorotipo 4 tornando a situação ainda mais preocupante.
A saúde, há anos, vem sendo relegada a um segundo plano de prioridades. Os recursos a ela destinados sempre foram e continuam escassos. Recentemente, os ministros da Fazenda e da Saúde “acertaram” um adiantamento de dois bilhões de reais para minimizar a situação caótica em que se encontra a Saúde no Brasil. Espera-se que não fique só no “acerto” e sejam bem aplicados pelos gestores.
O ex-presidente Kennedy definiu bem estas questões quando disse: “A saúde de um povo é uma das chaves para seu futuro, para sua vitalidade econômica, para a moral e eficiência dos cidadãos no sentido de alcançar suas próprias metas e mostrar aos outros uma sociedade livre” e con-cluiu “Saúde é problema de uma nação”.
As políticas de saúde até agora definidas e executadas não apresentaram nenhum resultado importante. Nunca houve tanto descrédito dos serviços públicos de saúde como nos dias atuais. A Constituição Federal de 1988 definiu um novo sistema: o SUS – Sistema Único de Saúde, sancionado dia 20 de setembro de 1990 pelo então presidente Collor. Foi o terceiro em menos de cinco anos. Até agora não disse a que veio. Assim, ficar doente hoje no Brasil e depender do atendimento da rede pública, é quase sempre uma situação humilhante.
Esse caos precisa ser urgentemente revertido para que a população brasileira volte a acreditar nos serviços públicos de saúde que, em anos passados, eram considerados por todos como de primeira categoria. Os médicos e demais profissionais da área sentiam-se felizes e estimulados. O resultado era expresso na qualidade, atenção e resolutividade. Hoje, a insatisfação é geral. Os baixos salários, o sucateamento dos hospitais e a conseqüente falta de condições ideais para o trabalho resultam negativa-mente.
Tancredo Neves dizia: “A miséria e a injustiça são os grandes aliados da morte, e não adianta distribuir pastilhas a quem tem fome, nem pregar preceitos de higiene a quem está mergulhado nas trevas da igno-rância”. Qualquer cidadão brasileiro, por mais pobre que seja, tem o direito de receber uma medicina digna e com qualidade.
O governo deve dirigir prioritariamente suas atenções e recursos aos seus próprios hospitais, postos de saúde, ambulatórios e prontos-socorros já existentes. Recuperá-los significará um salto histórico para o resgate da dignidade dos serviços públicos em nosso país. De nada valerá investir, pelo menos no momento, em novos projetos, tendo a atual rede pública desacreditada, quase que destruída.
Vale lembrar sempre as palavras de J. Calvet: “Nunca deveríamos transpor a porta de nossa casa sem pensar naqueles que têm apenas um teto vacilante, uma lareira fria, ou que nem sequer têm uma morada.”.
________________________________________________Prof. Dr. Antonio Celso Nunes Nassif, Doutor em Medicina, foi presidente da Associação Médica Brasileira. [email protected]



Autor: Antonio Celso Nunes Nassif


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