Participação Democrática Através do Voto Compulsório



Participação democrática através do voto compulsório

Palavras inicias

Pode-se dizer que o princípio básico do sistema democrático é a participação popular, exercida, deste modo, através do sufrágio. Entretanto, o acesso ao sufrágio em alguns lugares é um direito do cidadão e, em outros, uma obrigação. Conforme Soares (2004), determinados países adotam o voto facultativo para eleger seus representantes políticos, tais países – geralmente com um sistema democrático bem consolidado – argumentam que o voto é um direito e não uma obrigação. Por outro lado, nos países dos quais o voto é obrigatório, ou seja, compulsório, argumenta-se que todos precisam participar do processo eleitoral porque todos devem ter responsabilidade com a escolha dos seus governantes.

De acordo com Bobbio (1987, p.32), a extensão do sufrágio traz o indivíduo para o interior do debate político, construindo, assim, cidadãos conscientes. Porém, quando a participação deste sufrágio se torna um exercício obrigatório, pode-se dizer que todos estão comprometidos com suas decisões? Essa obrigatoriedade de votar pode resultar em uma participação democrática responsável?

Este artigo se propõe a discutir como o voto obrigatório pode trazer interferências no comprometimento das decisões dos eleitores e se isso interfere também na participação democrática responsável. Portanto, o presente artigo não tem a pretensão de buscar entender a legitimidade e as contradições do sistema democrático como um todo – tal como quem é apto a tomar decisões em nome da coletividade e sobre quais procedimentos. Este estudo se propõe a discutir apenas as interferências de um modelo democrático de voto compulsório. Há inúmeros argumentos pós e contra o voto obrigatório, mas este estudo tem como objetivo apenas citar alguns pontos mais relevantes para chegar as considerações finais aqui propostas.

Para a construção teórica deste presente estudo, apresentam principalmente os seguintes autores: Noberto Bobbio com sua obra "O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo" e o artigo de Paulo Henrique Soares (2004) "Vantagens e desvantagens do voto obrigatório e do voto facultativo", estudo publicado na Revista de Informação Legislativa do Senado Federal brasileiro.

Geografia do voto compulsório

Brevemente Bobbio (1987, p.18) descreve uma definição básica de democracia, para ele este sistema é "um conjunto de regras (primárias e fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos" (grifo do autor).Existem inúmeros países democráticos, portanto, cada um tem sua constituição – seu conjunto de regras. Um país nunca é igual a outro, mas algumas constatações podem ser feitas ao comparar países muito diferentes ou similares – mas, sempre levando em conta o contexto social histórico de cada.

A primeira comparação, inevitavelmente, se faz entre as nações em desenvolvimento e as nações desenvolvidas. Para este estudo comparam-se as diferenças entre o voto facultativo – adotado na maioria das vezes em países desenvolvidos – e, o voto obrigatório – adotado geralmente nos países em desenvolvimento em especial os da América do Sul.

O Brasil adota o voto obrigatório "desde que [instituíram] o voto direto, secreto e universal [...], essa tradição já vem desde 1932" (SOARES, 2004, p.109). Na América do Sul, exceto na Colômbia que, segundo Soares " adota o voto facultativo, foi o único país de colonização ibérica do continente que não sofreu intervenção militar quando, na história recente desses países, praticamente todos os seus governos foram tomados por regimes antidemocráticos" (2004, p.112). Para o mesmo autor:

Os países que adotam o voto compulsório têm sua história associada a intervenções militares, golpes de estado e autoritarismo político, com exceção de Costa Rica; no Brasil, o instituto do voto obrigatório esteve a serviço do autoritarismo político, seja na longa ditadura de Getúlio Vargas, seja no recente ciclo de governos militares que sufocaram as liberdades políticas no Brasil, bem como em quase toda a América Latina. (2004, p. 112).

Apesar de tais constatações, não é certo afirmar que atualmente a Colômbia tem um sistema democrático mais consolidado que o brasileiro. Conforme o estudo Democracy Index[1] (Tradução livre: Índice de Democracia) realizado em 2008 pela revista britânica The Economist, o Brasil ocupa a 41ª colocação – de uma escala até 167 – possuindo 7.38 pontos. Enquanto que a Colômbia ocupa a 60ª colocação, possuindo 6,54 pontos. O país mais bem colocado da América do Sul é o Uruguai, que também adota o voto compulsório, este país está na 23ª colocação com 8.08 pontos – uma colocação acima da França.

Educação para a democracia

Conforme Bobbio (1987), para uma nação ser democrata deve apresentar as três seguintes características: Primeira – como já visto anteriormente –, as decisões devem ser tomadas em regras. Segunda característica; as decisões políticas devem estar de acordo com a maioria, "ou seja, a regra à base da qual são consideradas decisões coletivas – e, portanto, vinculatórias para todo o grupo – as decisões aprovadas ao menos pela maioria daqueles a quem compete tomar decisões" (1987, p.19). E a terceira, de acordo com o autor (1987, p.19) "é preciso que aqueles que são chamados a decidir ou a eleger os que deverão decidir sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma e outra". Bobbio não argumenta como característica da democracia a participação facultativa, no entanto, parece algo contraditório a obrigação de participar da agenda política, em um sistema que prevalece a liberdade individual.

Segundo Soares (2004), os teóricos que defendem o voto compulsório no Brasil argumentam que essa imposição não constrange os eleitores.E também defendem que o exercício de votar contribui para a educação política do eleitor, "A participação constante do eleitor no processo eleitoral torna-o ativo na determinação do destino da coletividade a que pertence" (SOARES, 2004, p. 108). E assim, a maioria dos eleitores participa do processo eleitoral.

Em contrapartida, os defensores do voto facultativo argumentam que é uma ilusão acreditar que este voto possa gerar cidadãos politicamente evoluídos; e mais, ressalvam que o voto facultativo melhora a qualidade do pleito eleitoral pela participação de eleitores conscientes e motivados, em sua maioria (SOARES, 2004). Esses eleitores estariam conscientes que o voto é apenas um direito, uma oportunidade de mudar ou conservar determinada política pública.

Considerações finais

Bobbio (1987, p.17) já argumentava que "o ofício do profeta é perigoso" tão perigoso como tentar deduzir aqui como seria o Brasil de hoje e como poderia ser o Brasil do futuro se o voto fosse facultativo.

De acordo com o mesmo autor (1987, p.32), nas democracias mais consolidadas – onde o voto é facultativo – há uma apatia política "que chega a envolver cerca da metade dos que têm direito ao voto". Tal apatia é mensurada através das estatísticas de abstenção de votos. Já para os países que adotam o sistema de voto obrigatório apesar dos números de abstenção, como no caso dos países com voto facultativo, ainda existem os números de votos em branco, nulos e, em alguns casos, votos em forma de protesto – votando em candidatos sem nenhum comprometimento com a política.

Bobbio (1987) e Soares (2004) afirmam, um fruto benéfico da democracia é a educação para a cidadania. Porém, através do voto compulsório, o cidadão não estaria praticando um ato de livre e espontânea iniciativa, mas estaria assim, cumprindo um dever legal.

A obrigação de votar não cria uma consciência cívica, e isso compromete diretamente as decisões do eleitor – e facilita, conforme Soares (2004), o discurso vazio dos políticos. E mais, um determinado eleitor não se sentirá responsável pela a conduta do seu candidato, uma vez que foi obrigado a votar. E isso acaba resultando em uma participação democrática não responsável.

Deve-se dizer que este estudo foi elaborado a partir de comparações e suposições, no entanto não se sabe precisamente quais seriam as conseqüências se o voto facultativo fosse adotado no Brasil, nada melhor que a prática para aprender. Mas pode-se dizer que a abolição do voto compulsório e a adoção do voto facultativo cria a oportunidade de conscientizar o eleitor – deixando o cidadão livre para refletir, optar e agir livremente. Além do papel de conscientizar, esse modelo abre espaço para a participação popular mais responsável.

Bibliografia consultada

BOBBIO, Noberto. O futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

REVISTA THE ECONOMIST. Disponivel em: < www.economist.com > Acesso em: 19/05/2009

SOARES, Paulo Henrique. Vantagens e desvantagens do voto obrigatório e do voto facultativo. Revista de informação legislativa, 2004. Disponível em: < www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/principal.htm > Acesso em: 19/05/2009




Autor: Eduardo Mauro Rosa


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