SÓ A METADE



Meu caro amigo Padre, vou-lhe confessar os meus míseros pecados, mas por favor não me condene antes de me ouvir e nem me condene depois de me ouvir também. Sou um pobre coitado precisando de ajuda. O meu caso, seu padre, é meio complicado e não sei mais onde buscar ajuda.

Imagine o Senhor, seu padre, queestava eu dormindo, tranquilamente em meu pobre barraco, quando lá por volta das duas da madrugada me apareceu um espírito enorme, de uns dois metros de altura por dois de largura. É isto mesmo que o senhor está ouvindo, seu padre. Não estou inventando nada, não sou sonâmbulo, nem foi um sonho. O caso aconteceu de verdade. Fiquei assustadíssimo, seu padre, mas o espírito me disse educadamente:

- Não precisa ficar com medo de mim, seu palerma. Tenho um presente para você, mas você vai fazer exatamente o que eu lhe mandar. Se cumprir tudo direitinho você se tornará um homem muito rico, mas se não cumprir vou-lhe esmagar pedacinho por pedacinho.

- Com aquela bondade toda, seu padre, respondi com o coração batendo 200 vezes por minuto. Pode ter certeza que vou cumprir tudo direitinho.

- O negócio é o seguinte, eu fui um escravo muito forte de um senhor miserável e avarento. Eu trabalhava de sol a sol num rico garimpo de diamante no norte de Mato Grosso num lugar chamado Sant"Ana. Pois bem, ali eu trabalhei por 30 anos. Como o garimpo dava muito diamante, eu escondia mais da metade numa caverna onde só eu poderia encontrá-lo. O meu patrão era muito ruim e não merecia todo aquele diamante. De modo que depois de todo aquele tempo eu tinha em mãos dois quilos de diamante da melhor qualidade. Consegui um cofre de cobre, coloquei ali toda aquela riqueza e a enterrei perto de uma grota a 5 metros de fundura. Nunca, ninguém jamais descobriu nada, mas eu morri de tanto trabalhar e aquela imensa riqueza está ainda no mesmo lugar. Quero que você viaja até aquele lugar, arranque aquele cofre, pegue os diamantes, mas atenção, você só vai ficar com a metade deles. Venda a outra metade e dê tudo para as instituições de caridade. Só assim para eu me sentir feliz aqui deste outro lado do mundo, visto que eu também não era boa peça quando vivo. Você vai fazer isto por mim... e por você?

Eu que vivia na maior pindaíba, seu padre, ergui bem as orelhas e prestei bem atenção no espírito. Era uma oferta muito boa e falei rapidamente:

- Farei isto com muito gosto, basta você me indicar o local e me ensinar a maneira mais fácil de arrancar aquela riqueza. O que eu tenho que fazer?

- Em primeiro lugar você vai arrumar algum dinheiro, pois vai precisar, isto não quero saber como você vai conseguir. Depois você vai viajar para Sant'Ana, procure dormir uma noite num cerrado qualquer. Lá eu apareço e lhe ensino como fazer. Não precisa ter medo de mim. Não vou conseguir falar com você em um hotel, pois alguém pode ouvir a conversa.

- Humildemente, seu padre, vendi meu barraco e todos os bagulhos que eu tinha e viajei para Sant'Ana. Lá chegando, procurei um hotelzinho de 5ª. Categoria, já que não possuía tanto dinheiro. Dormi uma noite no hotel e no outro dia percorri a cidade de cabo a rabo para conhecê-la melhor.A noite fui a um cerrado e sentado a uma pedra, esperei, quase morrendo de medo que o espírito aparecesse. Não demorou muito e ele apareceu e me falou:

- Sei que você andou pela cidade inteira e passou bem perto do local. Viu aquela transportadora com vários caminhões a beira do grotão?

- Vi, sim. Estava cheio de caminhões lá, mas tinha pouca gente.

- É isto mesmo, ali sempre tem pouca gente, pois só deixam os caminhões ali e vão para as suas casas. Só voltam no outro dia. Não vai ser fácil, você vai falar com o prefeito da cidade e diz que é um pesquisador e está fazendo uma pesquisade minerais e que descobriu um tipo diferente de mineral naquele lugar. Peça uma autorização do prefeito para cavar naquele local. Diz que é uma pesquisa muito importante para todo o Brasil. Faça aquela choradeira que você sabe fazer. Com a autorização na mão, vá até a transportadora e converse com o gerente. Diz que você fará o buraco e depois deixará como estava antes. Não fale nada sobre o tesouro. O local onde está o tesouro é o seguinte: O terreno tem um declínio para o grotão. Vá descendo a rua e quando chegar bem na esquina, meça um metro de cada ládo da rua, dentro do terreno da transportadora. Tenha como referência o canto da cerca de arame. Meça um metro quadrado de terreno e vá furando. Deixe que o povo veja, mas quando tiver cavado 4 metros, pare e cave somente a noite, pois estará chegando nos diamantes. Pegue o cofre, embrulhe num saco de estopa e vá para o hotel. Coloque o embrulho dentro de outro saco velho. No outro dia, vá lá, tape todo o buraco, agradeça o gerente e vá embora. Vá a um banco, venda tudo, dê a metade para as instituições e fique com a outra metade. Se não fizer isto já sabe.

Voltei para o hotel e quase não dormi nada a noite pensando como seria no outro dia.Levantei cedo, esperei dar o horário do prefeito chegar e lá fui eu. O cujo não tinha chegado ainda, esperei um pouco até que o homem entrou em seu gabinete. Pedi uma entrevista com ele e fui logo recebido. O prefeito foi muito gentil e não fez muitas perguntas, só quis saber que tipo de mineral eu estava pesquisando. Eu disse que não sabia direito ainda, pois precisava de uma prova material e só conseguiria com a escavação. Ele disse que isto não era bem com ele, mas com o dono do local. Em seguida pediu à Secretária para bater uma autorização de pesquisa mineral na cidade, onde eu quisesse e eu que me arranjasse com o dono do local.

De posse do papel na mão, fui até a transportadora, mas o dono só faltou me enxotar de lá. Disse que era um absurdo eu cavar um buraco ali, pois logicamente iria provocar um grave acidente.

A noite voltei ao cerrado e esperei o espírito. Eu ia abrir a boca, mas ele disse que não precisava falar nada. Ele já sabia de tudo. Deu-me então um conselho:

- Como você viu existe algum mato no local. Pegue algumas tábuas velhas que estão perto do grotão e vá cavando a noite e carregando a terra e jogando longe. Em seguida cubra com as tábuas para ninguém desconfiar. No outro dia a noite faça a mesma coisa. Vai demorar mais, mas se não há outro meio...

No outro dia, seu padre, fui até o grotão e encontrei o monte de tábuas velhas. Arrumei algumas e deixei perto. Cavei a noite toda naquele local, mas o chão era muito duro e precisava carregar toda aquela terra em pequenos sacos e jogar do outro lado da rua. O serviço não rendia muito, além do mais foi descoberto a trama. O gerente mandou soterrar o buraco e jogou as tábuas do outro lado. Em seguida colocou 5 guardas para vigiar durante a noite.

Fui novamente ao cerrado falar com o espírito. Desta vez o escravo estava um pouco desanimado, mas teve uma idéia.

- Na beira do córrego existe uma zona de mulheres novas, todas estão doidas por dinheiro. Vá lá, contrate as 5 para passar a noite na transportadora. Cada um com um guarda. Assim enquanto eles tiverem nas orgias, você aproveita e cave muito, já tem um bom pedaço cavado, pois a terra recolocada está bem solta. Mas tem que ser rápido para cavar o máximo possível.

- Mas senhor, disse eu, você está aí do outro lado e ainda está pensando nisto?

- Estou pensando nada. Não quero saber o que vai acontecer lá com aquele bando de safados. Preciso é que me arranque aquilo de lá.

No outro dia fui até o local indicado, foi muito difícil contratar as donzelas, pois diziam que o serviço delas era só ali e não fora da boate, mas rapariga por dinheiro, seu padre, mata até a mãe, com perdão da palavra, seu padre. Sei que o senhor é muito ingênuo sobre estes assuntos delicados.

Assim feito, seu padre, comecei o meu plano. As donzelas foram para lá e deram um jeito de entrarem na transportadora. Elas disseram que estavam passando por ali e perguntou se eles não queriam passar algumas horas se divertindo, seu padre. O senhor já pensou, seu padre, que um homem no seco e um bando de mulheres fofinhas todas preparadas, não vai rolar nada? Desculpe, seu padre, com o senhor não rolaria nada, mas homem é bicho safado. O truque deu certo e os guardas esqueceram do serviço e eu me meti no buraco, da terra, é claro. Cavei a noite inteira aquele chão duro.

Não deu tempo de cavar tudo, pois o dia amanheceu. O gerente chegou e os sem vergonhas dos guardas estavam todos bêbados e as mulheres também. Foi um quebra pau danado, seu padre e o tal gerente veio olhar o buraco. Arrancou as tábuas e jogou fora novamente. Mandou os guardas e as mulheres as favas e ficou o dia inteiro andando pra lá e pra cá. Eu não imaginava o que o homem iria fazer.

No outro dia voltei durante a noite, mas ele tinha amarrado 3 cachorros valentes bem próximos ao buraco, de modo que não pude nem chegar perto.

Voltei a ir falar com o escravo e ele me disse que agora estava mais fácil. Que na farmácia havia um soníforo forte. Que eu comprasse o cujo, comprasse três quilos de carne, abrisse no meio e colocasse o sonífero, Jogasse cada um para um cachorro. Assim que eles dormissem eu teria alguns minutos para amarrar os pés deles e arrastá-los para longe dali.

Foi o que eu fiz, e deu certo, mas deu muito trabalho para carregar aqueles bichos gordos. Cavei mais um pouco e o buraco já estava com 4 metros, mas amanheceu o dia, fugi dali e o gerente apareceu. Ficou fulo de ódio. Novamente andando pra lá e pra cá, até que teve uma idéia.

Quando anoiteceu voltei lá, mas vi que desta vez ele tinha arrumado dois policiais e assim que me viram mexer no mato, soltaram balas pra todo lado.Por duas noites seguidas tentei me aproximar, mas as balas comiam.

Voltei a falar com o espírito e ele então disse que a coisa era com ele. Que eu ficasse perto do buraco, no mato, no outro lado da rua e ele iria assustar os policiais. Que eu também não ficasse com medo e aproveitasse o momento em que os policiais saíssem correndo dali para cavar, pois já estava bem próximo.

Assim eu fiz. Fiquei escondido no mato. Deram 10 horas da noite e nada, tudo calmo, 11 horas e nada, 12 horas. De repente deu um redemoinho na transportadora, as coisas voavam de um lado para outro. Eu conseguia ver pela luz fraca do local, de repente apareceram umas 10 assombrações, umas de branco, outras com asas, outras com chifres e algumas caveiras. Os policiais atiraram pra todo lado, mas as coisas se complicavam, de modo que os dois saíram correndo e abandonaram o local.

Morrendo de medo, seu padre, fui lá e cavei o resto. Achei a coisa, botei no saco e fui para o hotel. Ninguém sabia que eu estava no hotel.

No outro dia bem cedo peguei o primeiro ônibus que apareceu e parti para minha cidade.Fui para o barraco do meu irmão e disse que precisaria ficar ali por uns dias até arrumar outro barraco. Assim quando todos dormiram consegui abrir o cofrinho , cuja fechadura já estava bem gasta, e o céu brilhou diante de meus olhos. Nunca vi coisa mais linda, seu padre. Peguei um daqueles diamantes pequenos, escondi o cofrinho.

No outro dia vendi o pequeno diamante ecomprei outro barraco, com mais segurança. Peguei o cofre novamente e o abri. Estendi numa mesa velha todo aquele produto e fiquei maravilhado. Parecia que o céu tinha descido sobre a mesa. Agora é que vem o dilema, seu padre. Preciso de um meio para enganar aquele espírito escravo, seu padre. Foi muito sacrifício para mim, como é que eu agora vou dar metade do dinheiro do diamante para instituições de caridade? Para que aquele espírito quer dinheiro? Por favor, seu padre, veja aí na sua liturgia se não há um meio de me safar desta. Que tal fazermos aquele escravo de Santo? Preciso de um meio urgente, é muito dinheiro. Dá mais de 50 milhões. Estou até com dor de cabeça de tanto pensar. Por favor, seu padre, mande logo a resposta, antes que aquele escravo me massacre de vez.

Obrigado, seu padre. Muito gentilmente, seu humilde servo: Francisco José da Silva.


Autor: Henrique Araújo


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