Pequenos Corações De Sabonete



Fui surpreendido positivamente pela visão de pequenos corações de sabonete. Acabara de entrar esta manhã no banheiro de casa, para a higiene matutina, quando se deu tal fato. Lá estava no lavabo uma coleção deles: brancos, rosas e azuis. Tão lindos e tão delicados, que funcionariam mais como enfeite do que como objetos de uso. Sabia, porém, que minha esposa os tinha posto ali, na noite anterior, para as duas finalidades. Ela era cuidadosa com o ambiente da casa e primava pelas pequenas novidades do dia-a-dia que encantavam a família...

Após escovar os dentes, tomei um deles em minhas mãos e pus-me a lavá-las. Senti-o pequeno, desengonçado, desaparecendo em minhas mãos e dificultando a higiene. Tomei mais dois, e os pequenos sabonetes de coração deslizavam soltos em minhas mãos enormes, produzindo a espuma necessária para a limpeza.

Foi assim que os vi desaparecendo lentamente, dia após dia, sendo consumidos pelo uso freqüente e intensivo. Mas, como por milagre, semana após semana, novos sabonetes de encanto eram colocados no recipiente, de modo que havia sempre a beleza daqueles coraçõezinhos coloridos na pia do banheiro.

Os que tinham mais tempo de uso iam apequenando-se lentamente, até ficarem todos disformes sem o contorno característico dos corações. Os que assim perdiam sua forma eram depositados por minha esposa num copo, pois dariam origem a um novo sabonete, agora, com outra forma, para uso posterior.

Este acontecimento caseiro do cotidiano me fez refletir sobre os relacionamentos humanos. Há corações pequenos que são tornados brinquedos nas mãos de pessoas inescrupulosas. Como joguetes nas mãos de pessoas mal intencionadas, estes corações passam de mão em mão e vão se tornando prisioneiros de uma sociedade utilitarista que odeia coração e ama o capital.

Aqueles pequenos corações de sabonete me fizeram lembrar deste fato. Quando alguém se sujeita a tornar-se joguete nas mãos de outrem, acaba por assumir uma postura de total desinteresse pela vida, pois a tendência é que venha a desaparecer. E este minguar paulatino, representa o esvaziamento, a desimportância, o aniquilamento a que muitos seres estão sujeitos neste sistema-mundo em que vivemos.

E como nos similares cosméticos apresentados, corações pequenos, quando usados, tornam-se gastos, e são substituídos tão logo deixam de cumprir o papel para o qual seus usuários os queriam.

É por isso que vivemos uma geração de gente triste e depressiva. Muitos se sentem usados pela máquina capitalista e se rebelam contra o sistema. Outros se deixam usar pelos manipuladores de consciência e mesmo pelos escravizadores de corpos, arrastando-se pela vida sem determinação, sem vontade, sem sentido de existência que os empurre para frente, os impulsione para o amanhã.

E nesta plêiade de massa de manobra tem gente bonita, assim como os pequenos sabonetes de coração coloridos, mas que são somente aparência. Vivem da estética e se esquecem da ética, do conteúdo, da essência.

Tem gente útil, que tem valor, que tem capacidade, mas que já perdeu a auto-estima e se deixa agora usar-se sem pudor. São os autômatos úteis. Prestam-se ao sistema apenas para perpetuar um modus vivendi.

Têm, ainda, os escorregadios como os sabonetes. Lisos. Camuflados. Não criam raízes, não se fixam, pois estão sempre escorregando de um lado para o outro e com isso vão desaparecendo no cotidiano da vida sem deixar marcas profundas nas pessoas e na existência.

Os pequenos corações de sabonete tinham perfume e deixavam as mãos macias e cheirosas. As vidas apequenadas têm valor, mas não reconhecem. Têm importância, mas preferem o ostracismo da pequenez que a busca incessante pela vitória.

Pequenos corações de sabonete me fizeram refletir a humanidade. Não deixe seu coração desaparecer no meio da turbulência da vida. Ganhe sentido na existência. Você está nesse mundo para deixar marcas, nem que sejam cores, perfumes, sabores, amores...

Autor: Josué Ebenézer de Sousa Soares


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