Teorias Linguísticas, Ensino de Língua Materna e Cultura de Paz



As grandes reflexões e conquistas na área dos estudos da linguagem notadamente nos contextos de aprendizagem de língua materna associados a questões relevantes de seu funcionamento, do seu uso e das suas contribuições em um número variado de situações sociais vêm trazendo inestimáveis ponderações acerca do impacto dessa na vida das pessoas. Por sua vez, a Linguística passa a oferecer novas perspectivas teóricas para repensar a educação e seu espaço institucional, com a finalidade de substituir as orientações que anteriormente predominavam no ensino de Língua Portuguesa na escola, sobretudo quando se vislumbra uma ‘dimensão humanizadora da educação’ (Gomes de Matos, 2002), corroborada sob a ótica de uma Cultura de Paz. Este artigo foi elaborado com o intuito de iniciar uma ampla reflexão, juntamente com a comunidade acadêmica dos estudos sobre a linguagem, acerca da importância da formação de uma perspectiva mais humanizadora e pacífica no ensino da língua materna.

A segunda metade do século XX foi marcada por grandes reflexões e conquistas na área dos estudos da linguagem, notadamente nos contextos de aprendizagem de língua materna associados a questões relevantes de seu uso como prática social. Em uma 'perspectiva indutiva' (Kaplan, 1985), passou-se a verificar o uso da linguagem no mundo real, em oposição à língua idealizada (esta ainda sob forte influência do estruturalismo saussuriano e do behaviorismo comportamental). Segundo Kleiman (2004), as novas abordagens de leitura, por exemplo, tomam como objeto de pesquisa "a leitura como prática social, específica de uma comunidade, os modos de ler inseparáveis dos contextos de ação dos leitores, as múltiplas e heterogêneas funções da leitura ligadas aos contextos de ação desses sujeitos." Entrementes, os estudos britânicos Edinburghianos acerca do funcionamento, do uso e das contribuições da linguagem em um número variado de situações sociais, igualmente ponderaram sobre o impacto dessa na vida das pessoas.

Por sua vez, a Linguística passa a oferecer novas perspectivas teóricas para repensar a educação e seu espaço institucional, novas propostas de ensino começam a surgir com a finalidade de substituir as orientações que anteriormente predominavam no ensino de Língua Portuguesa na escola. Nesse contexto, Geraldi, Silva & Fiad (1996) destacam o que eles denominaram de "quatro aportes da Linguística para o ensino de língua materna": 1) A concepção sociointeracionista ou sócio-histórica de linguagem inspirando as atividades de ensino; 2) a noção de texto como um produto do trabalho interativo com vínculos às suas condições discursivas de produção; 3) a noção de variedade linguística como própria de qualquer língua, deslocando a noção de certo/errado e definindo-se pelo ensino da chamada língua padrão; 4) e a reorganização das práticas de sala de aula em torno da leitura, da produção de textos e da análise linguística.Obliteram-se, assim, a miopia e a incipiência conceituais existentes - em que a linguagem era tida apenas como 'expressão do pensamento' ou 'instrumento de comunicação' - e passa-se a considerá-la como uma 'forma de ação', um lugar de interação humana em que se pressupõe a ação do falante sobre o ouvinte a partir de compromissos e vínculos os quais não pré-existiam à sua fala.

Faz-se mister ratificar que, com o advento dessas novas propostas sociointeracionistas, o ensino de língua passa a ser considerado dentro de um espaço sócio-histórico e cultural específico. Paralelamente, os trabalhos linguístico e epilinguístico tornam-se mais valorizados, em detrimento da abordagem metalinguística do ensino tradicional e em significativa consonância com o relevante papel social que a escola tem a cumprir. Em princípio, o espaço escolar é - ou pelo menos deveria ser -, por excelência, o lugar institucionalmente constituído para o ensino de língua materna. É importante recordar que, em seu mais amplo e expressivo sentido, a língua assume um caráter identitário perante o indivíduo, no que concerne aos seus próprios atos e a sua fala, conferindo a eles significação e reconhecimento tanto em sua vida pessoal quanto profissional. Em nosso entendimento, tal relevância do papel escolar, bem como do ensino de língua se configura como ainda mais eminente, quando se vislumbra uma 'dimensão humanizadora da educação' (Gomes de Matos, 2002), corroborada sob a ótica de uma Cultura de Paz, em uma sociedade pós-industrial cuja crise de valores tem fragilizado as bases da solidariedade, do respeito e da tolerância entre as pessoas, muitas vezes subjugando-as numa 'onda' de terrorismo, violência, divergências culturais e religiosas que ameaçam a ordem estabelecida e a paz social.

Assim como Barbosa (1981),entendemos que"Língua, sociedade e cultura são indissociáveis, interagem continuamente, constituem, na verdade, um único processo complexo[...]". Tanto é assim que o léxico reflete - e, por vezes, refrata - não somente os sistemas de valores, as práticas socioculturais e a cosmovisão das múltiplas comunidades humanas, bem como as suas próprias ideologias, uma vez que a palavra é um fenômeno ideológico por excelência. E é nesse contexto que o ensino de língua materna pode também se configurar como um importante aliado na construção de uma Cultura de Paz na sociedade, a partir do contexto escolar, em consonância com o que preceituam os PCNs. É oportuno recordarmos que, notadamente no âmbito educacional, mais precisamente no contexto da educação brasileira, a reformulação do ensino médio no Brasil - consignada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), regulamentada em 1998 pelas Diretrizes do Conselho Nacional de Educação e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais - visava a uma atualização necessária para impulsionar uma democratização social e cultural mais efetiva, sugerindo uma abordagem intercultural e pacífica em todas as áreas ou componentes curriculares, sobretudo no campo Linguagens, Códigos e suas Tecnologias.

Ademais, para onde caminhará a humanidade se não houver uma reversão da intolerância e da violência instaladas em nosso cotidiano, estimulando o respeito aos direitos humanos e a 'valorização da diversidade cultural' (Araújo, 2001), seja através de um diálogo inter-religioso e intercultural, seja através uma reflexão sobre a implementação de novas práticas pedagógicas no contexto escolar para a formação de uma Cultura de Paz? Não intentamos com este breve artigo aprofundar esta ou aquela abordagem científica ou mesmo perspectiva teórica já 'consagrada'. Todavia, propusemo-nos apenas a chamar a atenção da comunidade acadêmica dos estudos em Linguística, convidando-a a refletir conosco acerca deste importante questionamento: de que maneira o ensino de língua materna poderá contribuir para a formação de uma cultura de paz na sociedade a partir do contexto/ambiente escolar? Eis a questão!
Autor: Marcelo Bernardo


Artigos Relacionados


O Ensino Da Língua Portuguesa

A ImportÂncia Do Ensino Da Libras – LÍngua Brasileira De Sinais Nas Escolas De Ensino Fundamental

Escola, Variações Lingüísticas E Sociolinguística

Um Olhar Sobre A Literatura E O Silêncio.

Variação Linguística, Letramento E Prática Docente: (des)caminhos Para Um Ensino Mais Produtivo

A Variação Lingüística

A Diversidade Lingüística Na Sala De Aula (por Tathiany Pereira De Andrade)