Moral e Ética São a Mesma Coisa?



Atualmente, a palavra ética é um termo bastante utilizado pelas sociedades no mundo inteiro. Ouvimos nos discursos médicos; lemos nos jornais e revistas; encontramos em sites e blogs de internet e assistimos nos debates políticos, o apelo à tomada de uma conduta ética que vise estabelecer a harmonia e a justiça no convívio social.

Num passado não muito distante, ao invés de se falar em Ética, a palavra-chave para as relações socialmente aceitáveis, era o termo Moral. Mas, o que é a Moral? E o que é a Ética? Sendo ambas entendidas como formas de conduta que primam pela harmonia e o equilíbrio da convivência em sociedade, elas devem ser tidas como termos diferentes, mas utilizados para designar a mesma coisa? Neste trabalho, vamos procurar fazer a distinção entre essas duas expressões à luz do pensamento do filósofo Adolfo Sánchez Vásquez e do filósofo alemão Immanuel Kant, ao passo que utilizaremos cenas e fatos do curta-metragem "Bilú e João", uma produção brasileira dirigida por Kátia Lund, e do curta-metragem chinês "Song Song e a Gatinha" para exemplificarem situações alusivas ao entendimento do conceito de Ética e ao conceito de Moral.

A Moral são regras de conduta que organizam as relações interpessoais forçadas pelo hábito e que ordenam nossos comportamentos. Ela surge a partir da realidade individual, sendo um julgamento valorativo-subjetivo. O filósofo contemporâneo, Adolfo Sánchez Vásquez acrescenta que os princípios morais não apresentam rigor e coerência das proposições científicas. Vasquez define que a Moral está sujeita à variação de época e de sociedade e remonta às origens do homem como ser social. É sempre vivida intimamente pelo sujeito em um processo subjetivo. Ele diz que a Moral é um fato histórico que obedece ao aspecto da realidade humana de ser mutável. As medidas tomadas no que fazer em cada situação concreta cria um conjunto de normas ou regras adquiridas por hábito. No curta-metragem chinês,no momento em que a mãe abandona o bebê no lixo, por ela ser mulher e deficiente, evidenciamos a variação de época e de sociedade, posto que para a sociedade chinesa, tal prática é aceitável. Ainda quanto ao citado curta, quando o senhor olha o bebê abandonado e decide levá-lo para casa assumindo uma obrigação de cuidar do próximo, apontamos uma situação concreta moral, ou seja, uma decisão Moral. Essa mesma decisão moral é encontrada no curta nacional nas seguintes cenas: quando o rapaz disponibiliza à Bilú e João o aluguel do carrinho para colocar o material para reciclagem; quando o motociclista se sensibiliza com a situação das crianças e dá carona para João até o borracheiro; quando Joãopaga o prejuízo do seu freguês de frete por ter ele mesmo perdido a mercadoria (frutas) que estava carregando, e também quando o funcionário do ferro-velho aceita receber o material (papelão, latinha, vidro) mesmo depois do depósito já estar fechado. Outra característica da Moral, a saber, sua sustentação nas atitudes habituais em específicos grupos sociais, é visto na comunidade onde Bilú e João moram, em que é comum todos se ajudarem, bem com esse hábito na comunidade dos catadores de papel.Todas essas atitudes foram de cunho Moral, pois são decisões, ações, medidas individuais.

Para Kant, as leis morais são necessárias e universais, mas ao mesmo tempo derivam dos próprios homens. Esse pensamento kantiano no que diz respeito à necessidade, é bem aproximado ao de Vásquez, divergindo significativamente no tocante a essa tênue linha, visualizada por Kant, que separa o valorativo-subjetivo (individual) com o valorativo-universal (coletivo). É o teor generalizante da ação moral kantiana que vai dar embasamento a sua teoria ética.

A Ética para Kant, então, é o agir por dever porque para ele o dever é uma forma que deve valer para toda e qualquer ação moral e não de acordo com o dever. O senhor que acolheu a garota abandonada no lixo, agiu por dever e não porque alguém mandou que assim o fizesse. Agir por dever é o que Kant chama de imperativo categórico. O homem não deve agir porque, de acordo com o dever, isto ou aquilo é o certo ou é o bom, mas sim, por dever. Uma ação moral condicionada (imposta) ele chama de imperativo hipotético. Se o garoto pagasse ao seu freguês porque este exigiu que ele cumprisse com o seu dever, a ação teria sido condicionada, portanto um imperativo hipotético. Bem, vemos que no pensamento kantiano fica um tanto difícil distinguir Ética e Moral porque ele diz que as leis morais são necessárias e universais, mas, ao mesmo tempo, derivam dos próprios homens e que, portanto, apesar de agir por dever, o homem é livre, pois deve seguir as leis que ele próprio criou. Tomando as mesmas cenas que utilizamos para identificar as ações dos personagens dos longas-metragens como sendo de cunho MORAL, agora em Kant, identificamo-las como sendo também ÉTICAS. O problema aqui em Kant é porque esse agir livre criaria nas sociedades uma grande dificuldade de erigir regras para todos, porque todos seriam livres para cumpri-las ou não de acordo com seus intrínsecos princípios morais. Acreditamos que vivendo em sociedades tão multiculturais como as atuais, essa universalidade moral geradora da Ética kantiana, seria impossível.

Vásquez diz que a Ética é o legislador do comportamento moral caracterizado pela generalidade. Acrescenta que ela é um comportamento pautado por normas – ÉTICA NORMATIVA. É a Ética que vai definir o que é bom e investigar princípios da moralidade de uma sociedade. Ela fundamenta e justifica certos comportamentos, mas não cria a moral, sendo a ciência do comportamento moral. A Ética é a Teoria ou Ciência do comportamento moral dos homens em sociedade que explica a moral efetiva e tende a estudar o que se verifica na vida do homem como ser social, criando um conjunto sistemático de conhecimentos racionais e objetivos a respeito do comportamento humano moral. Contudo, uma definição mais contemporânea da Ética, apresentada na literatura do próprio Vasquez, diz:

"Assim como os problemas teóricos morais não se identificam com os problemas práticos, embora estejam estritamente relacionados, também não se podem confundir a Ética e a Moral. A Ética não cria a Moral. Conquanto seja certo que toda Moral supõe determinados princípios, normas ou regras de comportamento, não é a Ética que os estabelece numa determinada comunidade. A Ética depara com uma experiência histórico-social no terreno da Moral, ou seja, com uma série de práticas morais já em vigor e, partindo delas, procura determinar a essência da Moral, sua origem, as condições objetivas e subjetivas do ato moral, as fontes da avaliação moral, a natureza e a função dos juízos morais, os critérios de justificação destes juízos e o princípio que rege a mudança e a sucessão de diferentes sistemas morais". (VÁSQUEZ, Adolfo Sanches, pág. 22. 1969).

Segundo Vasquez, sendo uma ciência, um ramo da Filosofia, a Ética deve se afastar do pensamento ético tradicional (Ética Normativa) e se dedicar a investigar ou explicar as experiências da ação humana, as formas do comportamento humano, especificamente o comportamento moral considerado na sua totalidade, variedade e diversidade sem jamais imprimir juízo de valor ou julgar a moral de qualquer povo ou sociedade, renunciando a discussão sobre questões como a definição do bom, a essência da moral ou o fundamento da consciência moral. Nos curtas, identificamos poucas atitudes de cunho Ético, partindo do ponto vista das personagens, pois estes agem a partir de seus princípios morais intrínsecos e inconscientes sem fazer reflexão de suas ações. Já, do ponto de vista de nós, espectadores do filme, podemos fazer reflexões éticas a respeito das atitudes morais das personagens. Visto que se trata de produções que pretendem alertar, ou mesmo denunciar, a falta de conduta ética, tanto do ser humano, mas, mais especificamente das instituições governamentais ou não governamentais, nós espectadores lançamos um olhar crítico à luz da Ética. Dizemos isto, porque se a Ética é uma convenção, uma normatização para promover a justiça e o bem-estar no convívio social, onde as individualidades morais devem dar lugar a uma moralidade coletiva. Ou, ainda mais condizente com as práticas éticas atuais, a Ética é uma ciência que almeja investigar e explicar os tipos de experiência do comportamento humano moral. Concluímos, então, que a não garantia de escola e educação para menina chinesa abandonada; o trabalho infantil evidenciado no curta "Bilú e João"; a precariedade das condições de moradia na comunidade onde Bilú e João vivem, são situações onde o mínimo ético não se apresenta. Podemos chamar até mesmo de situações anti-éticas, na medida em que a constituição (uma convenção de viés também ético (ética normativa), no que diz respeito ao cuidado com o interesse da coletividade, pautado na jurisprudência e no direito), determina que a educação, a moradia e a proibição do trabalho infantil sejam garantidos, e o que se vê nos curtas, é a não efetivação desses direitos.

A filosofia de Vásquez define e distingue Moral e Ética de forma bem clara. A Moral é valorativa-subjetiva, vivenciada por hábito. Um bom exemplo para identificar um princípio moral são as regras que pais e mães ensinam aos filhos no convívio doméstico e que, comumente se tornam habituais a eles, ou mesmo os ensinamentos religiosos. É comum se ouvir falar em moral cristã, por exemplo. Por sua vez, a Ética é legisladora do comportamento humano e um conjunto sistemático de conhecimentos racionais e objetivos a respeito do comportamento humano moral. A Ética é a ciência que investiga o comportamento moral dos homens. Um exemplo de conduta Ética são as regras sociais estabelecidas por lei que cumprimos, como por exemplo, oferecer dados reais de nossos rendimentos na declaração do imposto de renda, sabendo que nossa contribuição será repassada para ações do estado que atenderão as necessidades da coletividade. É ética a atitude do funcionário público que não faz uso de um bem público em seu favor, como por exemplo, material de expediente ou veículo oficial. A Ética não imprime juízo de valor a esse funcionário, mas avalia sua ação. Um comportamento não ético, por exemplo, é o do homem que ao ser obrigado a pagar pensão alimentícia aos filhos num processo de separação conjugal, pede demissão do emprego simplesmente para não cumprir tal obrigação. A Ética não julga a moral desse cidadão, apenas investiga e explica sua ação como não ética no momento em que entende que é da responsabilidade do pai a manutenção da vida de seus filhos. Nos curtas que assistimos nos aventuramos a identificar uma nova Ética, a da solidariedade, que nos parece celebrar o encontro da Moral com a Ética, de forma aproximada ao pensamento de Kant. As ações do senhor que acolhe o bebê; do motociclista que ajuda o garoto e do funcionário que num primeiro momento aluga o carrinho de coleta de material reciclável e, num segundo momento recebe o material, mesmo o depósito estando fechado, nos parece ser a Ética da qual o mundo está carecendo e que deve ser disseminada entre as famílias, os religiosos, os juristas, os cientistas e os políticos do mundo inteiro que tanto remetem seus discursos a uma conduta Ética como saída para os desequilíbrios planetários.


Autor: Renato Gomes


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