Liberdade, abre as asas sobre nós!



Em 1989, entre batuques e alegorias, a Imperatriz Leopoldinense trouxe a inesquecível “Liberdade! Liberdade! / Abre as asas sobre nós / E que a voz da igualdade / Seja sempre a nossa voz”. Eu tinha lá meus oito anos de idade e lembro de como aquele carnaval foi marcante. Tão marcante que letra e música entoaram por outros diversos carnavais e rodas de samba, e ainda hoje são bem lembradas.

Começo minha reflexão baseando-me no fato de que, curiosa e cotidianamente, convivo com o tema liberdade. Ela é atualmente o tópico essencial do meu trabalho. Há algum tempo venho atuando na educação de jovens e adultos privados de liberdade, e dessa experiência tenho me feito um bocado visionário.

Por isso convido o leitor a retomarmos agora “privados de liberdade” numa perspectiva mais ampla. Imaginemos que estes jovens e adultos estejam, neste momento, tão presos quanto antes de cometerem seus delitos. Tão presos quanto nós. Então estamos todos presos por nunca encontrar a liberdade (agora sem aspas e sem destaque). Tudo porque partimos de um conceito limitado de liberdade, amalgamando-a com a condição de estarmos presos ou não a algo. Presos em um sistema político-econômico, presos em celas, presos em casas, presos em trabalhos, presos em trânsitos, etc. Estamos sempre indo de encontro à conquista da liberdade e nunca dispostos a tentar construí-la. E é justamente por esta conquista que, historicamente, temos tentado anular muitas formas de opressão que sofremos. Se tentar ser livre pela prática libertária fosse tão ideológico, não teríamos assistido muitos camponeses bolivianos entrarem para a luta armada sem nenhum outro motivo senão o da midiatização “Guevara, o herói libertador!”. Bastou o governo de Barrientos oferecer uma falsa liberdade, mais rápida e cômoda, para que Che fosse traído, preso e morto. Ou soldados japoneses obrigados a lutar contra americanos, presos em armas e bombas em nome de uma liberdade que não existia para eles. É isso, começamos sempre pelo final e a liberdade sempre acaba nos sendo contraditória. Ninguém liberta ninguém. No máximo, podemos ajudar alguém a se libertar.

O problema maior é que tentamos ser soberanos antes de sermos verdadeiramente livres. Apoderemos, então, das palavras de Leonardo Boff, que emergem da reflexão de que a verdadeira liberdade surge primeiro na mente, na consciência; depois na organização; por último na prática. Para tanto, precisamos reconhecer o principal: que nosso maior cárcere é a nossa ignorância. Ela que nos mantém nos subsolos ignóbeis da consciência. Ignorância que, no contexto léxico, é a falta de saber. Saber que vem de ter sabor, de ter gosto de expulsar a ignorância das nossas vidas. É essa liberdade que quando praticada pela maioria, em sua plenitude, abre as asas sobre nós e nos dá a voz da igualdade. Que nos liberta de nossos preconceitos, de nossas intolerâncias, de nossas leviandades e, sobretudo, nos brinda com um sentimento de paz. Que insurge dentro de nós o desejo de sermos demasiadamente humanos e de acreditarmos que somos parte de uma natureza extraordinária de possibilidades. Haja a Guerra! Nossa lista de armas é extensa. Os livros detonam o analfabetismo e a falta de informação; as culturas içam nossas histórias; as artes explodem a capacidade de criar em nossas mentes; as escolas se tornam nossos plenários e nossos campos de treinamento; e a ciência nossa fábrica de saberes.

*Harrison Rivello é biólogo e educador.


Autor: Harrison Rivello


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