PERÚ COM LIMA



Peru com Lima[1]

Noelio D. Spinola[2]

Estamos em Lima, Peru.

É final de julho e faz frio. Para nordestinos e ainda por cima baianos habituados ao cuscuz climático nativo, que é uma temperatura de 29° com umidade de 90%, aqui os 18° com a mesma umidade baiana, dói nos ossos. E como doem os ossos de velhos. Sofridamente estamos, pois, na idade do com dor, que também (o Condor) é um dito cujo alado, um urubu pernóstico, [3] que é a ave de estimação dos povos andinos, entre estes os peruanos.

E por falar em aves, ficávamos pensando por que deste topônimo para o País. Será que foi humor negro do Pizarro, um aventureiro espanhol que além de matar os nativos incas saqueou todo o ouro disponível à época para ser gasto perdulariamente pelos piedosos hermanos da metrópole? Ou seria porque aqui encontraram muitas dessas aves que os falantes portugueses devoram no Natal e os "gringos" norte-americanos no dia em que fazem a sua "ação de graças" por serem cercados de tantos otários nas latitudes do Sul? Afinal os peruanos, ao que nos consta, apesar de terem sido depenados ao longo da sua história, não são aves e o peru aqui não existia quando da invasão espanhola. A ave é nativa do México, e foram os astecas os primeiros a domesticá-la, denominando-a "simpaticamente" de guajolote. Os espanhóis batizaram-na de pavo e assim ficou conhecida em todas as suas colônias.[4] Segundo pescamos no Yahoo o nome "Peru" tem origem controversa: há quem diga que vem de um rio chamado Pelú, descoberto por Vasco Núñez de Balboa. Na língua quíchua, a palavra peru significa "terra de riquezas e esperanças". Outra versão aponta uma adaptação do nome de um importante cacique inca - Birú.

Assim sendo fica-se definitivamente sabendo que no Peru (país) é que ela, a ave, não existia, nos princípios da colonização, e que os peruanos ficam pasmos e muito indignados quando dizemos que no Brasil gostamos muito de comer peru.

Quanto à capital, Lima, também nada tem a ver com o famoso fruto asiático da família das rutáceas, tão bem aclimatado no Brasil. A cidade foi fundada pelo precitado Pizarro (Francisco) em 1535 como Ciudad de los Reyes. Constituiu um caso exemplar da sobrevivência do topônimo nativo que vem provavelmente do idioma aimará (lima-limaq, ou flor amarela) ou do quíchua, como corruptela do nome do seu rio, o Rimac.

Preferimos a interpretação dos aimarás. Pois a cidade de Lima é uma flor, amarela e de outras cores, nos seus inúmeros e bem cuidados parques e jardins.

A cidade é espanhola e toda plana, beleza para quem detesta ladeiras. Igrejas em cada esquina (no centro), barrocas e bonitas. A maioria, como a catedral, fechadas, só abrindo em horas e dias preestabelecidos. Depois os padres se queixam da queda da religiosidade popular. O país, apesar das estatísticas oficiais, torna-se gradativamente evangélico, abandonando o catolicismo que perde espaços em toda a América.

Os limenhos gostam muito de vivendas pintadas de amarelo, deve ser herança aimará. Ou nostalgia do ouro que os espanhóis levaram. A cidade não possui belezas naturais como o Rio de Janeiro, nem grandes e majestosos edifícios como São Paulo. Os terremotos não deixam. Antiga na sua parte central, onde se conservam belos balcões castelhanos, é moderna em bairros (aqui são municipalidades de acordo com a organização administrativa do país) como Miraflores, San Isidro, Barranco etc.

Três coisas que mais chamaram a nossa atenção em Lima foram a limpeza, a comida e a segurança pública.

A cidade é muito bem cuidada. Diríamos até, com carinho.[5] Em matéria de ordem e de limpeza nenhuma capital brasileira se lhe compara, e olhem que conhecemos praticamente todas. Com certeza, nestes quesitos, Lima também ganha de muitas cidades européias. É (segundo dizem os orgulhosos guias turísticos) a 4ª maior cidade da América do Sul, perdendo apenas para São Paulo, Rio e Buenos Aires. Com cerca de 9 milhões de habitantes, 1/3 do total do país, tudo (o que vimos) funciona na mais perfeita ordem. Sem muros pichados, sem bancos de praça e de ruas quebrados (e como velho gosta de um banquinho aqui e outro ali...), passeios largos (sem carros estacionados em cima), sem buracos e sem aquelas malditas pedras portuguesas de Salvador da Bahia, só apreciadas pelo Caetano Veloso que ficou rico, não anda a pé e nem por lá. Muitos sanitários públicos, o pessoal não precisa "se aliviar" nas ruas.

Lima é uma lição de que é possível arrumar e bem apresentar uma cidade aos seus visitantes, mesmo em um país pobre. E o Peru pareceu-nos muito pobre. Porém pobreza não é desculpa, o que é necessário é vergonha na cara dos gestores dos recursos públicos, uma virtude que nunca existiu no Brasil, notadamente em Salvador da Bahia. [6]

Muitas boticas (farmácias). Para hipocondríacos Lima é o céu. A medicina Inca é riquíssima. Ela é exercida em três níveis. Você vai primeiro ao xamã da planice. Caso ele não lhe cure, encaminha-o ao xamã do meio, nos Andes (em torno de 2000 metros), caso este também não resolva, lhe envia para o xamã do terceiro estágio (uma espécie de UTI acima de 3000 metros) que não resolvendo o problema de uma forma, resolve de outra, atirando você lá de cima.

O  chá de coca é uma beleza para todas as idades, mais ainda para velhotes aventureiros.[7] Não serve apenas para combater o "soroche" (mal das alturas). Tem outras aplicações... Em matéria de chá () Lima tem para tudo, até para "olhado", igual à Bahia, porém muito mais desenvolvido. Boa parte é produzida e industrializada em associação com comunidades de baixa renda e outras instituições vinculadas ao campesinato.

Um belo e bem sortido comércio. São poucos os "shoping centers". Conhecemos na verdade apenas um chamado Lacomar, bonito e caro, em Miraflores; além de algumas lojas de departamento (no estilo El Corte Inglês da Espanha) como a Riplay. De modo geral encontram-se milhares de lojas e galerias espalhadas pela cidade. Fontes de numerosos empregos para a população. Como praticamente não chove as pessoas podem "pernear" à vontade. Os preços são para todos os bolsos e equivalem aos do Brasil. Exceto as boticas que madrugam, abrem as lojas por volta das 11:00 horas e fecham entre as 8:00 e as 10:00 da noite. Ruas de pedestres, como a Union, no centro, são uma festa. Os peruanos, como os espanhóis, são notívagos. Zanzam pelas ruas até tarde da noite. Mas parece que não fazem a siesta, pois o comércio pelo menos não fecha.

O artesanato peruano é simplesmente fantástico. Metais, pedras, cerâmica, madeira e tecidos. Arte popular pura[8]. Lima é a vitrine do país. Não precisa ficar batendo cabeça como cabra cega pelas montanhas para comprar uma peça aqui e outra ali. Mas, o que mais nos impressionou foi a organização. Tanto no centro como em Miraflores os comerciantes do gênero estão arrumados em boxes instalados em prédios que parecem shopings. Não são "camelodromos" escondidos do público, nem estão confinados em sítios remotos. Estão nas rotas do público passante. São importantes para a economia urbana e parece que o governo dá muita atenção a isto.

O ponto negativo da cidade é o transporte de massa. Não existem metrô, nem bondes elétricos e toda a locomoção é feita através de microônibus, vans e similares, normalmente abarrotados, pilotados por motoristas tresloucados, que correm de um lado para o outro. Os táxis são numerosos mas não usam taxímetro. Alguns possuem uma tabela. É engraçado, você antes de entrar deve negociar a corrida. Pelo mesmo trecho uns lhe pedem 10 soles[9] e outros 5. O trânsito é intenso. Muito fiscalizado. Muitas sinaleiras e faixas para pedestres. Guardas de trânsito em cada canto, uniformizados como se fossem para desfile. Mas, ao contrário de Val Paraíso (no Chile) onde respeitar o pedestre na faixa branca é uma questão de honra nacional, aqui se cuide, se o sinal estiver aberto para eles saia de baixo, pois passam por cima.

A frota de carros é, de modo geral, velha. Sintoma de que a classe média não vai bem [10]. Comparada à do Brasil estimamos que a média dos carros sejam da década de 1990. Em pior estado estão os táxis (principalmente os pintados de amarelo), parecem não ter amortecedores. Lemos, em jornal local, que o governo vai financiar a troca desses veículos. O Peru não fabrica carros e os importa principalmente do Japão e da Coréia.

Sentimos-nos seguros em Lima. Andamos muito, pois uma cidade só se conhece de pés. Vocês dirão que foi só em zona turística. Mas não foi não! Visitamos todo o centro. Evidente que não fomos para a periferia, onde instalaram os pobres, pois ficava longe. Porém não acreditamos que os pobres sejam sinônimos de insegurança.

Lima possui a maior concentração de policiais por metro quadrado entre a cidades que conhecemos. Muita polícia nas ruas parece até que esperam por uma guerra. Armados até os dentes. Motorizados (em carros e motocicletas novos), orientando e até fiscalizando as crianças nos parques.

Não vimos pedintes e miseráveis. Nenhum trombadinha ou criança fazendo malabarismo no meio do trânsito; pouquíssimos pedintes (em 7 dias só fomos abordados por três, assim mesmo timidamente, sem insistência). Não fomos importunados em nenhum momento. São pouquíssimos os ambulantes, circulando, oferecendo algum produto.

A cidade está toda embandeirada. É a semana da independência. Vermelho e branco para todos os lados. Não sabemos se os peruanos são tão patriotas como pensávamos, pois os guias turísticos nos disseram que colocar bandeiras nos prédios é obrigatório por lei. Quem não coloca paga multa...

O país vive uma democracia (política) que parece plena. Pelo menos a imprensa é livre e fala o que lhe dá na telha. Agora mesmo, em alguns tablóides radicais, o Presidente está sendo xingado de ! Asesino! Vende Pátria! e estão pedindo o paredão para ele, devido ao massacre de centenas de indígenas na Amazônia Peruana.[11]

O povo que vimos é simpático, gentil e educado. Não é feio como os mexicanos nem obeso como os norte-americanos. Muita influência de imigrantes chineses, japoneses, italianos e negros. Estes últimos escassos em Lima. São baixinhos e as chicas são uns doces. Pequeninas e bonitas, quando jovens, apreciáveis calipígias e peitos pequenos. Falam muito, como é da espécie, porém com um estilo meigo e suave, como o das baianas (inexcedível) e diferente do gralhar das argentinas e do rouquenho pré-enfisema das espanholas. Os homens são circunspetos.

Em Lima se come muito bem. A mistura da culinária dos imigrantes com a cozinha crioula gerou pratos deliciosos. Entre todos os pratos o Ceviche (ou Cebiche) é irrecusável. Quem não o provar não foi ao Peru.

A bebida nacional é o pisco. Aguardente derivado do mosto da uva. É forte, porém misturam-no com limão, clara de ovo e outras coisas e surge o "pisco sour". Ao que tudo indica o produto é peruano legítimo. Apesar de também ser produzido pelos chilenos, uns hermanos pedantes e mal criados que reclamam da originalidade peruana. É o que dá não se possuir um sistema de regulação da denominação de origem demarcada como na Europa, por exemplo.

Atenção velhinhas viciadas em bingos. No Peru o jogo é livre. Segundo versão dos locais somente em Lima funcionam cerca de 2 mil cassinos.

Não entendemos por quais motivos, numa cidade tão úmida, existem tantas fontes e chafarizes. Que funcionam !E, no dia nacional do pisco, em algumas, no lugar da água, jorra o pisco. Viva los borrachos!

Muitos museus. Razoáveis. Lima é o maior cemitério da América do Sul (do ponto de vista arqueológico). Visitamos a Igreja de São Francisco e nos mostraram as catacumbas com os ossos de 70 mil espanhóis e peruanos ilustres ali hospedados desde o século XVII. Tudo muito organizado em depósitos abertos no solo e cobertos por um tampo de vidro que possibilita ver no fundo, partes dos inquilinos. O interessante é que os distribuíram por seções anatômicas (ou ortopédicas?). Ou seja, seções só para tíbias; outras para perônios; e mais outras para bacias e colunas. Quando perguntamos se os de cujus não possuíam crânios, nos levaram a um setor dedicado apenas a este apêndice corpóreo. Por fim nos mostraram uma assembléia de franciscanos dispostos em círculos, crânios e tíbias. Bem organizados. Compramos um postal (anexo) deste macabro fantástico. Aos turistas não permitem fazer fotos, pois os flashes podem perturbar o sono ou estragar a maquiagem dos distintos.

Aliás, parece que este necroturismo é explorado em todo o mundo. Os americanos enterram seu guerreiros em Arligton, inclusive, mais recentemente, os jovens que vão morrer em terras extranhas e por causas absurdas, transformando tudo, posteriormente, em faturamento para o trade turístico. Os ingleses são bizarros. Levaram-nos para ver um cemitério de cachorros e o túmulo de um distinto Lord Dog onde sua lacrimosa ex-dona (esposa?) dizia na lápide que ele lhe havia sido mais fiel do que os seus falecidos três esposos. Mas ninguém bate os latinos. A começar por Roma que já é, em si, uma necrópole. Em Paris nos levaram para ver o cemitério doPère-Lachaise, um conjunto de obras de arte e de gente famosa; nos arredores de Madrid, no El Escorial, nos mostraram até onde vão enterrar o D.Juan Carlos I e sua distinta D.Sofia, junto de um outro bocado de reis, chegando aos detalhes de mostrarem o podridor onde suas majestades, no tempo hábil, se desfazem de sua parte carnal. Em Buenos Aires fomos visitar Evita Perón no La Recoleta. Mas... os peruanos são inexcedíveis com o Tour Noche de Luna en el Cementerio, oferecido pela Mirabús, uma vez ao mês na noite de lua cheia, com quatro horas de duração. Não sabemos se incluem o show de algum lobisomem. O tour é guiado por um historiador (até que ponto chegamos) e custa módicos 50 soles.

         Lima tem mar, mas não tem praia. O mar é frio, 14°. Existem, porém, balneários próximos.

Nas nossas observações gerontológicas concluímos que aqui existe um grande potencial turístico para duas classes de pessoas. A primeira, dos corações valentes, que consiste em escalar montanhas e ver os zumbis em Cuzco, Machu Pichu, esquiar, e nadar no Titicaca, entre outros. Esta é a linha mais explorada pelas agências. Há até quem pense que o Peru é só isto. A segunda linha, dos corações avariados,[12] reserva belas emoções em Lima e nas cidades do litoral de Nazca ao Sul até Trujillo ao Norte, tudo pela rodovia Pan-Americana e sem soroche. Para quem gosta de OVNI, Nazca é um barato.

Caso possamos, voltaremos ao Peru e a Lima e rodaremos pelo litoral do país. Não deu para conhecer tudo desta vez e este é um destino em que vale a pena investir.

Encerramos por aqui, periferia, pois acabamos de tomar nosso mate de coca e ficamos "amarradões", agora vamos pegar umas ondas com a galera do "surf"!

E depois, de Airbus para o Brasil! Haja mate de coca...




Autor: Noelio Dantaslé Spinola


Artigos Relacionados


Grande Índio

O Rock Errou

Analisando A Vida

A Realidade De Salvador

Pasma Imaginação

Para O Dia Das MÃes - Ser MÃe

Homenagem Ao Amigo