Economia Cultural e Desenvolvimento Endógeno



Economia Cultural e Desenvolvimento Endógeno[1]

Noelio Dantaslé Spinola[2]

Resumo

Este trabalho examina a contribuição da economia cultural para a promoção do desenvolvimento endógeno. Parte da conceituação dos termos e define suas inter-relações e sua adequação à cidade do Salvador, território tomado como objeto do estudo, a partir da observação que fundamentou uma pesquisa sobre o tema. Explicita a diferenciação da economia cultural em países como o Brasil, notadamente em suas regiões menos desenvolvidas como é o caso do Nordeste, comparativamente aos chamados países do primeiro mundo e, mesmo, as regiões brasileiras mais ricas, como a Sudeste. Estabelece os vínculos da economia cultural com a economia criativa e a popular sobre a ótica de uma sociedade onde 85% da população é afro-descendente e, talvez por isso mesmo, pobre. Analisa os principais segmentos que compõem a economia cultural da capital baiana, tais como o carnaval, o Candomblé, o artesanato, a produção de instrumentos musicais, a moda étnica e a culinária, descrevendo seu potencial e perspectivas, para, em seguida, apresentar algumas sugestões de políticas públicas que poderão tornar concreta a associação proposta no título do trabalho e contribuir para a geração de emprego e renda numa das mais problemáticas metrópoles brasileiras.

Introdução

Os bens e serviços simbólicos, tangíveis e intangíveis, disponibilizados tanto na economia formal quanto na informalidade são genericamente denominados de produtos ou serviços culturais e entendidos como objeto de estudo de um novo ramo da ciência econômica, por muitos chamado de Economia Cultural.

Contudo, não existe ainda uma conceituação explícita do que seja economia cultural, havendo aqueles que preferem enquadrá-la como economia criativa ou apenas como um setor da economia popular.

Julga-se inadequada a aplicação do conceito de economia criativa, à realidade estudada na cidade do Salvador que, neste trabalho constitui seu marco territorial. Segundo o IEC (2006) esse conceito encampa o termo "indústria criativa", desenvolvido inicialmente na Inglaterra, em 1998, reportando-se a pequenas e médias empresas modernas. Como definido no primeiro Fórum Internacional reunido na cidade de São Petersburgo em 2002, para discutir o tema, "Indústrias Criativas é o termo utilizado para descrever a atividade empresarial na qual o valor econômico está ligado ao conteúdo cultural. Indústrias Criativas une a força tradicional da chamada cultura clássica com o valor agregado do talento empresarial e os novos talentos da mídia eletrônica e da comunicação.".

Existem muitas críticas à falta de uniformidade nas diferentes classificações que vêm sendo adotadas em diversos países quanto à economia criativa. Algumas críticas recaem sobre o fato dela incluir, sob o mesmo modelo, atividades sujeitas os incentivos, como, por exemplo, os filmes – e outras não subsidiadas, como é o caso do software de entretenimento. A inclusão de comércio de antiguidades também é questionada, uma vez que a comercialização recai basicamente sobre as suas reproduções (cópias). A inclusão de serviços de computação também é questionada pelo seu grau de abrangência.

Assim sendo, entende-se que a economia cultural pode até estar contida, em termos gerais, na economia criativa, visto que a criatividade está presente em muitos dos seus segmentos, porém não pode ser sinônimo desta, por possuir especificidades e níveis diferentes de complexidade que variam segundo as características culturais e o nível de renda das diversas sociedades mundiais.

Quanto à economia popular, segundo Coraggio (1994), é regida pela lógica da reprodução ampliada da vida e partindo das unidades domésticas, esse subsistema poderia se articular e ganhar espaço, em meio aos outros dois subsistemas da organização econômica atual: a economia empresarial capitalista e a economia pública. Nessa linha, a economia popular não seria definida simplesmente como 'as atividades das classes mais pobres', mas se caracterizaria pela formação de um Fundo de Trabalho voltado para a ampliação das capacidades (capital humano) e da qualidade de vida dos membros das unidades domésticas.

A economia popular absorve totalmente a informalidade. Aplicando o critério de formas de participação na produção como traço distintivo básico da segmentação formal /informal, consolida-se o que Cacciamali (1983a) denomina de "uma abordagem intersticial e subordinada (...) o setor informal entendido como forma de organização da produção dinâmica é inserido e amoldado aos movimentos da produção capitalista, (...) continuamente recriado, tornando-se flexível deslocado e permeável, adaptando-se às condições gerais da economia, em especial, da urbana" (CACCIAMALI, 1983b, p.27).

Nesta concepção, o segmento informal é dito subordinado no sentido de que seu espaço econômico é delimitado pela dinâmica do capital, sendo continuamente redefinido. As atividades informais atuam em espaços "ainda não ocupados, abandonados, criados e recriados pela produção capitalista" (CACCIAMALI, 1983c, p. 608), caracterizando-se, pois, por uma inserção intersticial na estrutura econômica. Trata-se de ressaltar a aderência do segmento à dinâmica do capital, sem resvalar para o mecanismo do atrelamento funcional.

O setor informal tende a guiar-se por uma lógica empresarial diversa da racionalidade econômica formal, baseada no retorno sobre o capital investido, na taxa de lucro e na acumulação (reinvestimento). Entende-se, então, que o setor informal possui, sim, uma lógica própria de atuação no mercado. É a lógica da sobrevivência que consiste na busca de um retorno financeiro de curtíssimo prazo priorizando a manutenção das necessidades básicas da família.

No caso da cidade do Salvador, a economia cultural está inserida predominantemente no segmento informal da economia popular, mantendo, entretanto suas especificidades. Por exemplo: o Candomblé tem forte presença na economia cultural soteropolitana, sendo provavelmente uma das suas matrizes. Porém, não se pode dizer que este constitua uma atividade econômica. Ou seja, sua atuação não se explica pela racionalidade anglo-saxônia e sim pela lógica dos orixás.

Para apresentar uma definição clara sobre o entendimento do que seja a economia cultural, considerou-se a necessidade de examinar seus termos em separado para depois restabelecê-los em seu conjunto original.

As atividades econômicas sempre estiveram presentes e foram vitais para a humanidade em todos os períodos da história e em todas as sociedades, das mais primitivas às mais modernas, independente de raça, posição geográfica ou credo. Porém, foi no modo de produção capitalista, notadamente nos séculos XIX e XX, que se estabeleceu a economia de mercado. O desenvolvimento do capitalismo colocou o mercado na posição de regulador da vida social nas diversas sociedades que aderiram a este sistema.

Assim sendo, nas sociedades contemporâneas tudo acaba sendo interpretado como mercadoria. Marx (1971) observa que o modo capitalista de organizar e reproduzir a sociedade exacerba o poder das coisas sobre as pessoas, limitando as possibilidades de reconhecimento das relações sociais subjacentes à produção das mercadorias e transformando-as em fetiches. Para ele, o fetiche ou caráter ilusório das mercadorias não se deve ao seu valor de uso, que afinal satisfazem necessidades humanas, mas, sim, ao seu valor simbólico.

A sociedade capitalista, por um lado massifica o mercado, ampliando a quantidade de mercadorias e, por outro lado, diversifica, altera e multiplica os padrões de consumo, transformando indivíduos de sujeitos em objetos ao exacerbar a escala de suas necessidades (CANCLINI, 2001).

Segundo Featherstone (1995) O movimento de generalização dos mercados e de ampliação das necessidades e padrões de consumo da sociedade contemporânea é o fundador da "cultura do consumo", compreendida, primordialmente, como "consumo de signos".

É justamente este caráter simbólico das mercadorias que nos permite falar em economia cultural.

A cultura como categoria tem muitos significados. Em alguns contextos, ela surge como erudição ou formação acadêmica. Na mídia, a cultura geralmente representa o mundo das artes: o teatro, o cinema, a televisão, etc. No entanto, para a antropologia, a cultura é entendida de forma muito mais abrangente. Trata-se de toda e qualquer criação humana, real ou simbólica e que se expressa como modo de vida. Sua qualidade concreta é, portanto, onipresente, pois ocorre em todas as manifestações do cotidiano: religiosa, política, econômica, etno-linguística, sociocomportamental etc. A cultura dos povos é a interconexão de todas estas manifestações, passando ainda pelos aspectos históricos e geográficos (tempo/espaço). A cultura, no plano universal, é a direção coletiva da sobrevivência humana e, no particular, representa a identidade de um povo, expressa na língua, nas práticas e no imaginário das comunidades.

No século XXI a questão da cultura apresenta-se como problema - chave que faz a mediação entre o fluxo globalizante e os particularismos identitários ou entre a homogeneização e a reposição das diferenças. Neste contexto, as variadas expressões culturais se configuram enquanto mercadoria de alto valor simbólico e dão corpo ao que vem sendo chamado de economia cultural.

Assim, este termo aponta para o fato de que os processos da cultura adquiriram no mundo contemporâneo uma dimensão econômica inequívoca, já que geram produtos artísticos e comportamentais (música, artesanato, moda etc.) beneficiando o mercado formal (lojas, restaurantes, hotéis, bares) e o informal (ambulantes). A economia da cultura sugere uma interconexão de fenômenos, na medida em que concatena toda uma expressão comportamental (manifesta em vários níveis) e o mercado como categoria mediadora entre a dimensão social e simbólica e a esfera econômica das sociedades.

Para entendermos as potencialidades econômicas da cultura e a sua contribuição para o desenvolvimento endógeno[1], é preciso alcançar sua dimensão mais complexa para não aprisioná-la nas regras da indústria cultural. Isto porque, os produtos culturais estão entranhados na vida cotidiana dos povos. Eles são resultados de uma experiência sensível, às vezes, tramado no anonimato da vida comunitária. E esse capital cultural, que agora emerge como mercadoria, aponta para um redimensionamento da noções de centro e periferia. Nesse contexto, as fronteiras perdem densidade para dar lugar à experiência concreta do espaço configurado em um bairro, um território, uma cidade.

Examinando-se as características econômicas dos bens e serviços culturais constata-se que eles possuem em comum o fato de incluírem um elemento artístico ou criativo. Os bens culturais podem ser objetos tangíveis como uma obra de arte ou um livro ou serviços (intangíveis) como uma interpretação musical ou uma exibição de "capoeira". Uns são bens finais que são oferecidos aos consumidores, enquanto outros constituem serviços intermediários que formam parte de outros produtos culturais. Alguns bens culturais são bens de capital social ou de consumo duradouro como, respectivamente, um Terreiro de Candomblé que gera serviços ao longo da sua existência ou uma obra de arte ou um livro. Outros, especialmente as artes cênicas, só existem em um momento concreto.

Como visto a economia cultural trata de um setor extremamente complexo, constituído por uma extensa rede de relações que, nas regiões menos desenvolvidas[2], ocorrem notadamente nos "circuitos inferiores da cidade", em suas relações de sobrevivência às vezes autônoma e, outras, em interação com o "circuito superior" (SANTOS, 1979). Transita por um campo marcado pela informalidade e pelo misticismo que, em inúmeros casos, se mantem irredutíveis e fechados à sociedade formal, como um modo de vida paralelo, regido por uma lógica própria, que pouco tem a ver com a modernidade globalizada, quando não se apropria desta, colocando-a a seu serviço.

Cabe esclarecer que também existe muita confusão sobre os conceitos de desenvolvimento local e endógeno os quais, nesse trabalho, são entendidos como sinônimos. Assim quando o desenvolvimento local de um determinado espaço ocorre como conseqüência de fatores exógenos dever-se-ia denominá-lo simplesmente de desenvolvimento regional.

Consideramos "o desenvolvimento endógeno (ou local) como um processodiferente por servoluntário e combinado, ou pelomenos conhecido, pelo conjunto deuma coletividade concreta onde se realiza um processo diferenciado daquele que ocorre em seu entorno próximo, mediante a introdução de inovações que geram valor adicionado a suas atividades produtivas e cotidianas" (GONZALEZ, 1998, p.6).

Observe-se que o desenvolvimento endógeno obedece a uma visão territorial (e não funcional) dos processos de crescimento e mudança estrutural, que parte de uma hipótese de que o território não é apenas um mero suporte físico dos objetos, atividades e processos econômicos, mas que é, também, um agente de transformação territorial, segundo Agnew & Ducan (1989), Giddens (1991) e Albagli (1999) apud Lastres e Cassiolato (2000).

Por seu turno Barquero (2002) considera que os processos de desenvolvimento endógeno ocorrem graças à utilização produtiva do potencial de desenvolvimento possibilitado quando as instituições e mecanismos de regulação do território funcionam eficientemente. A forma de organização da produção, a estrutura familiar, a estrutura social e cultural e os códigos de conduta da população condicionam os processos de desenvolvimento favorecendo ou limitando a dinâmica econômica e, em definitivo, determinam o rumo específico do desenvolvimento das cidades e das regiões.

Isto é o que se verá neste trabalho composto por esta introdução que o fundamenta conceitualmente, por uma seção que trata especificamente da economia cultural da cidade do Salvador e por uma conclusão.

A economia cultural de Salvador

A "cidade da Bahia" [3] vive, desde a década de 1970, uma grande efervescência. Além de ocupar um lugar de destaque na cena das mídias e alimentar um importante mercado artístico, tem sido um dos principais elementos divulgadores da imagem do estado tanto no país quanto no exterior.

O historiador João Reis (1988), afirma que "a singular identidade da Bahia no Brasil tem muito a ver com a densidade de sua população negra e o vigor de sua cultura de origem africana" (p. 9). É inegável que a produção cultural vem sendo alimentada por este componente de grande peso: a comunidade negro-mestiça, responsável também pela elaboração de uma estética afro-baiana, que delineia a alteridade étnica característica de Salvador.

A movimentação negro-mestiça está calcada no sentido genérico de "raízes africanas". Essa referência a uma origem ancestral procura afirmar uma memória coletiva localizada numa África, muitas vezes, mítica e genérica. O que é apropriado do vasto repertório africano são elementos como a religião, a música e a dança, o artesanato, a gastronomia, a moda expressa na indumentária, em variadas formas de usar os cabelos-sinais diacríticos que procuram estabelecer o contraste através da imagem de africanidade. Cada um desses elementos apresenta um vasto potencial econômico.

Um dos pilares da cultura local é a musicalidade afro-baiana, pólo dos mais atraentes da produção artística em Salvador e um dos principais eixos do debate cultural da cidade. Através de sua música, a Bahia alcança um pico de evidência em todo o país, ao mesmo tempo em que se afirma como uma referência musical no continente americano. (GUERREIRO 2000).

O turismo estabelece uma forte imbricação entre cultura e mercado na velha "cidade da Bahia", dona de uma marcante personalidade cultural. Talvez por isso mesmo o turismo cultural seja uma vertente exponencial em Salvador.

O carnaval constitui a mais importante manifestação cultural de Salvador, pela massa de recursos humanos e financeiros que mobiliza numa simbiose com todo o organismo sócio cultural da cidade e pela imagem que produz para a Bahia, projetando-a de forma significativa no mercado cultural nacional e internacional. Este evento que se desdobra num amplo território real e simbólico permite uma multiplicidade de leituras. Uma delas passa pelo entendimento de que ele converteu-se no principal veículo de massificação da cultura afro baiana de quem recebe inspiração e, inclusive, influência religiosa.

Os números apresentados pela Empresa Municipal de Turismo (Emtursa) demonstram o impacto produzido por esta festa popular na economia da cidade. Também demonstram o grau da concentração da renda registrado no evento (Tabela 1). Assim, em termos da geração de negócios foram movimentados em 2003[4], nos cinco dias da festa, valores estimados em R$ 821,4 milhões[5], correspondentes a 7% do Produto Interno Bruto da cidade do Salvador para o ano em referência.

Os resultados produzidos pelo carnaval estão concentrados em um grupo restrito de organizações privadas (empresas carnavalescas 35,42%; empresas de transporte 24,40%; indústria fonográfica e mídia 16,59%; bebidas 7,67%) que absorvem 84,08% de toda a renda gerada. Atividades que podem ser classificadas como de pequeno e médio porte como os restaurantes, bares e lanchonetes se apropriam apenas de 6,40% dos resultados, enquanto os serviços de táxis, aluguéis de imóveis e reciclagem não respondem, no conjunto, por 1% dos resultados. A apropriação direta da renda gerada, pela população de baixa renda, inserida nas categorias de ambulantes, barraqueiros e baianas de acarajé totalizou R$ 33,2 milhões, ou seja, 4,05% do montante dos recursos gerados pela festa. Observe-se que parte substancial desta receita (85%, ou sejam R$ 28,4 milhões) constituiu receita da venda de bebidas, uma atividade de margem muito pequena para o vendedor. Considerando que trabalharam nestas categorias 54.005 pessoas, (ver Tabela 2) obtém-se uma renda per capita de R$ 615,87 no período. Já os 83.180 cordeiros[6], seguranças, recepcionistas, garçons e pessoal de limpeza empregados temporariamente auferiram R$ 17,6 milhões, ou seja, 2,14% da renda total da festa e o equivalente a um rendimento per capita de R$213,60

Figura 1 – Cadeia produtiva da Economia Cultural de Salvador.

Fonte: Elaboração do autor.

Tabela 1 – Geração de renda pelo carnaval de Salvador - 2003

GÊNERO DE ATIVIDADE

RENDA EM R$

%

Ambulantes, barraqueiros, baianas de acarajé.

33.260.000,00

4,05

Cordeiros, seguranças, garçons, pessoal de limpeza.

17.600.000,00

2,14

Indústria de confecções

2.397.769,00

0,29

Indústria de bebidas

62.900.000,00

7,67

Empresas de transporte

200.401.949,00

24,40

Mídia

45.000.000,00

5,48

Indústria Fonográfica

91.300.000,00

11,11

Empresas carnavalescas

290.979.930,00

35,42

Indústria hoteleira

15.600.000,00

1,90

Restaurantes, bares e lanchonetes.

52.600.000,00

6,40

Serviços de táxis

2.300.000,00

0,28

Locação de veículos

2.246.000,00

0,27

Estacionamentos

1.100.000,00

0,13

Reciclagem de latas de cerveja

1.280.000,00

0,16

Aluguel de imóveis

2.500.000,00

0,30

TOTAL

821.465.648,00

100,00

Fonte: Emtursa, Relatório 2003.

Tabela 2 – carnaval de Salvador, geração de empregos temporários.

2003 – 2005

CATEGORIA PROFISSIONAL

Quantidade

2003*

2004

2005

Artistas

7.000

8 939

9 400

Pessoal e técnicos de iluminação

1.976

2 370

2 500

Técnicos de Som

1.200

1 400

1 470

Cordeiros

65.800

60 000

69 000

Seguranças de Blocos

14.450

13 500

14 500

Seguranças e pessoal de limpeza particular

2.050

3 723

4 000

Guardadores

665

813

850

Recepcionistas e garçons (Camarotes)

880

...

2 500

Motoristas

380

407

500

Barraqueiros, Ambulantes, Baianas.

54.005

68 400

72 000

Pessoal de montadoras

1.120

1 290

1 400

Pessoal de decoração

580

648

680

Pessoal de confecções e brindes

1.050

1 830

2 000

Pessoal de alimentação e comercialização de bebidas em blocos

750

845

890

Pessoal temporário contratado por hotéis

1.280

1 665

1 750

Corretores de imóveis para aluguel

320

350

400

Pessoal de imprensa credenciado

2.446

2 974

2 184

Outras funções

1.070

1 280

1 350

TOTAL

157.022

170 434

187 374

Fonte: Emtursa

Como demonstram as estatísticas oficiais, o carnaval baiano transforma-se cada vez mais num mega-empreendimento capitalista, onde as chances de geração de micro e pequenos negócios estão sendo gradativamente eliminadas pela maior capacidade de articulação e competitividade de diversos grupos de interesse internos e externos à festa. Isto prejudica o processo de desenvolvimento endógeno num contexto de utilização da economia cultural como motor, pois a base de sustentação desta reside nas camadas populares que são discriminadas no processo econômico.

Desta forma, pode-se perceber que esta atividade criada nos estratos de baixa renda da cidade, assume rumos consideravelmente diferentes com o surgimento e o considerável crescimento (com uma tendência oligopólica) de uma elite artística, associada à indústria do entretenimento que, utilizando um discurso racial de apologia aos negros, na realidade apenas os manipula para atender aos seus projetos de acumulação. E, neste plano, é estimulada pelo poder público (principalmente por aqueles interesses vinculados à mídia, notadamente à televisiva) que, por conta de um processo organizacional dos palcos da cidade, vai tornando, gradativamente, mais difícil a exploração da folia pelo pequeno negociante do carnaval, pelos pequenos blocos, pelos vendedores ambulantes etc. Isto é confirmado pelos dados aqui apresentados.

Singer (1998) já dizia que tanto o progresso como a miséria são produtos do mesmo processo, que consiste na penetração e na expansão do capitalismo num meio em que predominavam outros modos de produção. Trata-se de uma transformação estrutural, que evolui ao longo do tempo. O capital penetra em determinados ramos de atividade em que possui maiores vantagens em relação ao modo de produção preexistente, revolucionando os métodos de produção e introduzindo outras relações de produção. Ou então, ele surge mediante a implantação de atividades novas, que só ele é capaz de suscitar. Cria-se, então, um inter-relacionamento dinâmico entre o segmento capitalista e os outros modos de produção que são postos à disposição do capital, transformando-se, por exemplo, em reservatório de mão-de-obra.

O Candomblé traz implícito em sua teoria econômica o conceito de uma espécie de interação equilibrada entre os comandos dos recursos e a ação do sobrenatural. No que diz respeito ao indivíduo membro do culto, isto significa que o grau de intervenção amistosa, indiferença ou hostilidade por parte das forças que controlam seu destino e sua própria sorte pessoal é mantida pela extensão com que ele cumpre as exigências ritualísticas do culto. No Candomblé, o grau em que ele está disposto a fazer sacrifícios econômicos é um importante fator no sentido de lhe trazer recompensa material e elevação de status.

Nas relações econômicas mais diretas e transparentes, os cultos afro-brasileiros não diferem muito das demais religiões. Assim, o Candomblé mantém equipes permanentes, que são sustentadas pelas respectivas casas. Além disso, para auferir rendas que assegurem a sustentação financeira das casas, certos serviços religiosos são cobrados, como ocorre comumente em tais casos.

Neste sentido, pode-se concluir que, se em termos estritamente ocupacionais o papel dos 617 terreiros existentes em Salvador, segundo os registros da Federação Nacional dos Cultos Afro, não chega a ser relevante, seus efeitos indiretos assumem proporções consideráveis, tendo mesmo papel expressivo na vida econômica da região, particularmente de Salvador. Aqui, dois aspectos devem ser considerados. Primeiro, o papel de agência comunitária desempenhado pelos terreiros, com reflexos importantes na vida de seus membros. O Candomblé deve ser pensado não apenas como uma unidade socialmente organizada para a adoração das forças que dominam o universo, mas (também) em termos econômicos, como um moderno "quilombo urbano" que funciona pragmaticamente para proteger os interesses de seus membros e afiliados.

O segundo aspecto refere-se ao papel dinâmico que o Candomblé exerce, de estímulo a certas atividades econômicas, particularmente o comércio e o artesanato. Isso deriva do fato de que, um elemento presente na maioria das suas cerimônias e ritos é a realização de oferendas e sacrifícios às divindades, os orixá. Tais oferendas, que incluem uma extensa lista de gêneros alimentícios e outros, e o sacrifício de animais estão presentes tanto nas cerimônias das quais a comunidade dos terreiros participa coletivamente, quanto nas práticas desenvolvidas com maior ou menor regularidade, por seus membros individualmente.

Pode-se afirmar que a existência e a força do Candomblé em Salvador, constituem um fenômeno peculiar da sociedade soteropolitana, com reflexos evidentes e poderosos na vida da sua economia popular, particularmente sobre atividades desenvolvidas em bases informais. Estas atividades, devido mesmo à sua natureza e motivações, são pouco afetadas pelos processos de formalização.

O artesanato de Salvador sofre uma forte influência dos cultos afros. Verdadeiras obras de arte popular são produzidas em cerâmica, madeira e metal. Os patuás[7] que revelam a fé do povo baiano são comercializados através das miniaturas de Orixás, cerâmicas, quadros, esculturas, pulseiras e colares de contas, búzios, contreguns[8] etc. Entre os produtos artesanais que merecem destaque está a fitinha do Senhor do Bonfim, que é utilizada sincreticamente também por membros do Candomblé.

Os materiais utilizados nos cultos afro-brasileiros vêm sendo modificados pela introdução de técnicas e materiais novos, como tecidos sintéticos, metalóides, linhas de nylon, contas plásticas e de resinas, galvanização de metais, que são amplamente usados por artesãos, possibilitando a produção de objetos em maior escala, o que barateia o produto final,

Os instrumentos musicais e os ritmos que são executados possuem valores históricos. São meios de comunicação e de informação, são sagrados e, após as obrigações, tornam-se instrumentos de materialização e exteriorização das forças vitais, ou seja, do Axé[9]. Este é, por exemplo, o caso dos atabaques.

Em Salvador é grande o consumo de instrumentos musicais, pelos integrantes de bandas profissionais e amadoras, pelos tocadores vinculados ao culto afro, pelo público amador e os turistas que visitam periodicamente a cidade, notadamente os estrangeiros. A preferência recai sobre instrumentos de percussão. Com a criação de ritmos baianos como o afroreagge e o axé, estes instrumentos musicais passaram a ser largamente utilizados por percussionistas, dado ao predomínio do ritmo africano que é dominante na cidade.

A lista dos instrumentos dos ritmos brasileiros é grande e diversificada, das mais variadas origens (européia, oriental, africana, etc.), além dos autóctones, onde se incluem os instrumentos indígenas. A maior parte dos instrumentos musicais produzidos em Salvador é percussivo. Em geral, são de origem africana, com pequenas modificações realizadas ao passar do tempo para melhor atender aos novos estilos musicais criados pelos brasileiros. Vieram trazidos pelos negros na época da escravidão e, inicialmente, serviam para ritmar os cantos e as festas dos cultos afros.

Devido à origem étnica desses instrumentos, a forma de produzi-los e a de tocá-los, sobreviveu todos esses anos sendo as informações passadas às sucessivas gerações pela tradição oral. Apesar de a produção exigir poucos recursos, é bastante complexa devido à falta de padronização dos insumos utilizados na confecção. É justamente este aspecto que dificulta a atuação dos pequenos produtores da Bahia.

A moda étnica constitui outro importante setor influenciado pelos cultos afros. Entre os diversos segmentos que a compõem destacam-se os salões de beleza étnicos, responsáveis pelos penteados que se tornaram moda entre a população negra da cidade do Salvador. Esses salões e as confecções "étnicas" são os reflexos mais evidentes do impacto da cultura local na economia.

A moda negra tem se expandido na esteira de uma avançada indústria de cosméticos especiais para os cabelos crespos e, de outro, dos movimentos de valorização da origem africana e da raça negra que busca a construção de uma identidade e de uma consciência própria em confronto com a dominação da moda branca. . Os salões de beleza ocupam-se em garantir uma estética própria aos negros orgulhosos de sua origem. A moda étnica (cabelos, cores, tecidos e estampas) em expansão na cidade originou-se nos ensaios dos blocos afros nos diversos territórios negros da cidade, locais de origem dos Candomblés e das organizações afro-carnavalescas que deles descendem. No momento inicial, tecidos africanos foram importados, mais tarde, quando confeccionadas localmente, inspiravam-se em suas estamparias. Além disso, a palha da costa, conchas e búzios também são utilizados, valorizando a indumentária e os penteados, conferindo-lhes um diferencial.

A culinária de Salvador é uma das mais ricas e diversificadas do mundo. Derivada de uma intricada combinação de culturas diferenciadas a cozinha baiana mistura a herança africana – predominante - com a portuguesa e a indígena, resultando numa mesa farta, picante, sensual e mágica, que reflete os mistérios da maior cidade negra fora da África e segunda maior do mundo – só perdendo para Lagos, capital da Nigéria, (DANTAS, 1994, p.8).

Terra das moquecas de frutos do mar, banhadas no azeite de dendê nativo e temperadas num bom molho de pimenta malagueta; do acarajé e do abará vendidos pelas baianas em pontos determinados pelos orixás; dos folclóricos vatapá e caruru; de uma culinária que transbordou do sertão para a beira do mar, com a carne-de-sol com pirão de leite, o feijão verde com manteiga de garrafa e o bode assado, entre tantos outros; dos doces que tornam qualquer regime absolutamente impraticável, a Bahia moderna convive com a comida popular vendida fartamente nas ruas e nos mercados, preferencialmente nos tabuleiros das baianas.

Assim, as negras transformaram a cidade do Salvador no maior e mais importante centro de alimentação afro-brasileira do país. Em 2005 o ofício da baiana de acarajé, foi considerado patrimônio cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (IPHAN). Essas mulheres conseguiram estruturar as suas vidas, tornando-se boas quituteiras e tiraram dos seus tabuleiros além de uma preciosa riqueza histórica e cultural, o sustento das suas famílias.

Como se sabe, é a culinária um importante fator de atração turística e uma atividade que emprega uma quantidade significativa de pessoas, além de abrir espaços para micro e pequenos empresários, alguns dos quais se tornaram internacionais, como Leonel do Bar do Garçom, que por uma dessas felizes armadilhas dos tropeços gramaticais acabou virando Bargaço, marca de grife que pulou as fronteiras do estado para encantar os paulistanos e, depois, seguiu para plagas estrangeiras.

Mas, nem tudo é gostoso e encantado no setor. A despeito do vigor de um grupo seleto de bons restaurantes típicos, existem muitos problemas a merecer cuidados, notadamente no que se refere à culinária típica baiana que, além de enfrentar a concorrência das outras cozinhas, padece de deficiências (na qualidade dos pratos e no padrão dos serviços) que são resultantes dos estrangulamentos no suprimento de insumos, da entrada e saída no setor de pequenos empresários sem capacitação gerencial e da falta de mão-de-obra qualificada. A taxa de mortalidade dos negócios é considerável, dada à inconstância e infidelidade da clientela, normalmente muito exigente e atraída pelo fenômeno da moda.

Conclusão

A pesquisa sobre segmentos selecionados da economia cultural de Salvador constatou, como se presumia a complexidade desse setor onde os segmentos analisados transitam entre a formalidade e a informalidade; a magia e o comércio. Representada por empreendimentos de pequeno e micro portes. Não existe como formular uma política pública uniforme para o setor. Um programa de fomento à economia cultural na cidade do Salvador objetivando potencializar as suas condições no âmbito do desenvolvimento endógeno deverá assumir contornos multifacetados compostos por projetos que se ajustem à tipicidade de cada segmento e que no conjunto atentem para os seguintes princípios: a) respeito à cultura específica do segmento estudado, nunca procurando impor modelos exógenos de organização empresarial quando na presença de comportamentos arraigados da comunidade; b) preocupação com a preservação da pureza tradicional do segmento estudado, evitando a introdução de modernidades que possam prostituí-lo e, conseqüentemente, eliminar o seu valor cultural que constitui um patrimônio da humanidade; c) aceitação do status quo informal. Isto implica em admitir e aceitar que, se forem burocrática e autoritariamente formalizadas, determinadas atividades poderão desaparecer, dado que suas lideranças já haviam atingido o limite de suas competências e que forçá-las a migrar para novos patamares consiste em condená-las a uma situação pior do que a anterior; e) exercício da criatividade na construção de modelos inéditos e ajustados à realidade estudada, f) criação de mecanismos e alternativas que efetivamente garantam espaços para os pequenos e que possibilitem uma efetiva democratização na geração da renda, notadamente no carnaval; g) compreensão de que não existe desenvolvimento apenas sob a ótica capitalista da acumulação e que podem existir outras formas de sobrevivência. Descobri-las, entendê-las e promove-las constitui um desafio à criatividade de todos os que falam na promoção do desenvolvimento endógeno.

Os bens culturais, além do seu elemento cultural estruturante, compartem com os demais bens e serviços econômicos o emprego, na sua produção, de recursos naturais, de capital, de trabalho e de outros elementos, notadamente uma tecnologia específica que deriva de uma inspiração criadora. A maioria destes recursos possui usos alternativos e, portanto um custo de oportunidade e um preço. Isto não quer dizer que todos os bens e serviços culturais se vendam em um mercado, ainda que isso suceda em muitos casos, como, por exemplo, na contratação dos serviços de artistas e outros profissionais criativos. O Estado costuma fornecer alguns produtos culturais de forma gratuita. Esta é uma decisão política e não econômica: a maior parte dos bens culturais não são bens públicos. Entretanto muitos especialistas deste setor pensam que os bens culturais possuem características próprias dos bens públicos que os mercados não podem captar plenamente através dos preços (TOWSE, 2003:21).

Um debate importante na economia cultural é gerado em torno da questão de se a mobilização de recursos através dos mecanismos de preços produz a quantidade de bens e serviços culturais socialmente desejáveis. Segundo Towse (2003) a opinião geral é a de que não, justificando-se por vários motivos. Em primeiro lugar os bens culturais possuem por natureza alguns dos componentes próprios dos bens públicos. Quanto maiores forem seus benefícios e seu caráter "público", maior será a probabilidade de que o Estado intervenha nos mercados, seja para provê-los diretamente, para subvencioná-los ou para regulamentar a sua produção e distribuição. Em segundo lugar, a demanda do consumidor não reflete o valor total destes bens, porque são bens de experiência e o gosto da maioria dos consumidores não está definitivamente formado, não sendo possível dispor-se de informações completas a seu respeito. Os problemas de informação têm como conseqüência o fato de que o valor dos bens culturais passa a depender da avaliação dos experts na hora do julgamento da qualidade de um bem o que, por sua vez, pode induzir o comportamento da demanda. Tudo isto deriva facilmente no predomínio da opinião dos experts muitas vezes financiados pelo Estado, frente a um consumidor incapaz de definir suas preferências.

Isto posto, para que as culturas locais gerem desenvolvimento endógeno deve-se ter em vista não somente a diversidade de manifestações que um povo é capaz de criar, mas é também necessário alargar as políticas públicas e formar quadros para a gestão cultural.

Entre estas manifestações o carnaval apresenta distorções a corrigir. Por exemplo: a acelerada concentração da renda em poder de um pequeno grupo, que já assume características oligopolísticas (daí para a formação de cartéis é um passo), eliminando as chances competitivas dos pequenos empresários, e a redução do espaço da festa para os "foliões pipocas" (os pobres que não podem pagar para desfilar nos blocos e ficam esmagados entre as cordas e os camarotes, muitas vezes apanhando dos seguranças, cordeiros e policiais a serviço do Estabilishment) que constituem, ainda, e provavelmente por muito tempo, parcela majoritária do público brincante. Isso, além de elitizar a festa, poderá matá-la em médio prazo. Não custa lembrar que quem criou e faz mesmo à festa é o povão que, por uma questão de sobrevivência (para não falar em justiça social), deve ser preservado.

O carnaval gera uma grande variedade de negócios. Ocorrendo a ampliação do número de foliões obviamente será ampliado o consumo dos bens culturais que ele oferece. Aqui cabe uma pergunta incômoda: a quantidade de turistas nacionais e estrangeiros estacionou? A festa está perdendo o charme pela percebível queda da criatividade e da qualidade da música local? A violência, notadamente no Rio de Janeiro e São Paulo que são, respectivamente, o principal cartão postal do país no exterior e o principal portão de entrada dos turistas estrangeiros no Brasil, estará afastando os visitantes?

Segundo pesquisa do Gecal (2005) , o comparecimento do público estacionou no período compreendido entre 2002 e 2005, com um pico de maior freqüência em 2002, e a expansão de novos negócios a partir do carnaval deverá ser função da expansão desse público consumidor. As empresas eminentemente locais como a fonográfica, a de confecções, comidas, gelo, etc. já atendem satisfatoriamente à demanda atual e cada vez mais substituem as importações de insumos de outros estados, porém tenderão a formar capacidade ociosa e a reduzir suas expansões num contexto de estabilização. Neste particular é importante observar que o carnaval, como o turismo sol e praia, não constitui um bem cultural de consumo durável. As pessoas cansam, envelhecem, mudam as preferências e procuram outras alternativas e o carnaval da Bahia está perdendo a criatividade, envelhecendo como evento e enchendo-se de mesmices e vulgaridades, que não atraem mais os turistas mais exigentes e que possuem maior poder de consumo. É preciso voltar a criar e a inovar.

Em termos operacionais, de negócios, recomenda-se a execução de alguns projetos que contemplam iniciativas relacionadas com o carnaval. Assim sendo, a montagem de trios elétricos e equipamentos similares, pode constituir-se em uma atividade que potencializará uma vocação local com amplas perspectivas de geração de empregos. Como salientado, é necessária a mobilização de esforços para uma maior distribuição da renda gerada nos festejos momescos. Não se trata de uma solução fácil, o que requer a realização de uma pesquisa cuidadosa que possa identificar meios e métodos de se alcançar tal objetivo.

Outro projeto estratégico é o da "fábrica de carnaval" que pode se concretizar pela formação de uma cooperativa (ou cooperativas) que reúna artesãos com habilidades diferenciadas para produzirem economicamente os diversos tipos de adereços utilizados pelos foliões.

Já o Candomblé é uma religião. Não constitui uma atividade econômica em si, mas em torno dos terreiros formaram-se "quilombos urbanos" com afazeres intensos os quais interagem com o culto. Cabe estudá-los, objetivando conhecê-los em suas diversas vertentes, avaliar os impactos da sua ação social sobre a comunidade a quem servem, definir com clareza suas influências sobre diversos setores da economia cultural da cidade, avaliar em que estado se encontra a sua arte e quais as ameaças que sofrem de parte da modernidade. A partir das conclusões desta pesquisa, será possível recomendar-se uma políticade preservação do culto afro na Bahia e estabelecer as suas reais e concretas relações de influência com a indústria têxtil e o artesanato para a produção dos paramentos, ou seja, com os processos econômicos propriamente ditos.

Atualmente diversos produtos religiosos consumidos em Salvador procedem de São Paulo e de vários lugares do planeta, inclusive da China e Filipinas, o que ressalta a importância de determinarem-se os volumes consumidos e as especificações para que se possam avaliar as exigências de escala e a conseqüente viabilidade de fabricação local.

No segmento vinculado à música, pesquisou-se o setor responsável pela fabricação de instrumentos musicais. Constatou-se a existência de inúmeras fabriquetas de instrumentos de percussão vicejando, em sua maior parte, na informalidade. Neste caso, concluiu-se pela necessidade da realização de um estudo de viabilidade econômica para o desenvolvimento de um projeto que contemple a implantação de uma fábrica desses instrumentos em Salvador ou, alternativamente, um programa de estruturação do setor, reunindo os atuais produtores em um regime de cooperativa.

Outro setor vinculado a musica, objeto da pesquisa, foi a indústria fonográfica, que atravessa uma fase de dificuldades decorrentes da crise econômica que assola o país, da pirataria eletrônica epidêmica e da contradição competitiva imposta pela tecnologia aos processos de gravação, que beneficia os amadores – sacrificando a qualidade do produto musical – em detrimento dos estúdios profissionais responsáveis por investimentos pesados. Contudo o que mais aflige a essa indústria é o colapso da criatividade musical baiana, que se atribui à limitação da liberdade de se fazer som nas ruas da cidade. Segundo os empresários do setor, a Lei do Silêncio está acabando com os "guetos musicais", verdadeiros minadouros da música baiana. Outro fator limitante é a brutal decadência do ensino fundamental e médio (notadamente a escola pública) que reduz drasticamente a capacidade de pensar dos jovens compositores. Consideram que uma política de fomento para o setor passa necessariamente pela criação de espaços livres onde se possa dar vazão à criatividade de forma espontânea e, sobretudo, gratuita.

No caso do artesanato que se desenvolve em Salvador, cabe a implementação de um programa de fomento na esfera municipal articulando-se os diversos agentes públicos do setor. Os artesãos baianos carecem de acesso ao microcrédito para a aquisição de insumos e, sobretudo, de apoio ao marketing dos seus produtos. Uma política de criação de novos espaços para exposição que, a exemplo do Pelourinho e do Mercado Modelo, gere externalidades para os artesãos, se insere como uma medida indispensável. Esses espaços, que atraem turistas, configuram mercados importantes para o escoamento de uma produção que muitas vezes é comercializada de porta em porta, de hotel em hotel. Praças e jardins podem ser programados sistematicamente para feiras de artesanato autêntico.

A moda afro tomou conta da cabeça dos baianos, multiplicando-se os salões que fazem esses penteados tanto no segmento formal como no informal. O que deriva desta atividade é um grande e crescente consumo de produtos cosméticos cuja viabilidade econômica de produção em Salvador deve ser estudada.

Por fim, cabe uma referência às atividades vinculadas à culinária, que enfrenta a concorrência das outras cozinhas em expansão na cidade. Neste caso, a pesquisa identificou duas carências neste segmento: a primeira refere-se à qualidade da cozinha típica local que se deteriora a cada dia; a segunda refere-se ao marketing do setor. Em ambos os casos, cabe uma intervenção do município. Primeiro, por intermédio de uma política de fomento à qualidade na produção e nos serviços dos restaurantes, mediante um programa de assistência técnica e financeira. Neste caso, a Prefeitura deve criar um selo de qualidade que distinga e premie os bons artesãos do setor, servindo de referência para os consumidores, notadamente os turistas. A segunda providência, que requer a execução prévia da primeira, consistiria de esforços de marketing e de promoção gastronômica dos pratos típicos locais que não se resumem apenas ao acarajé e ao abará.

Finalizando, cabe ao governo, a sociedade civil e a academia, deixarem de lado o discurso vazio e o uso abusivo de palavras totêmicas, tais como: "geração de emprego e renda" e unirem-se na formulação de políticas públicas objetivas e realistas que potencializem as oportunidades existentes na economia cultural , não só de Salvador, mais de todas as cidades brasileiras, cada uma com seus tesouros singulares, como ponto de partida para a promoção do desenvolvimento endógeno, um caminho para o desenvolvimento econômico nacional partindo de uma base eminentemente popular e democrática.

NOTAS




Autor: Noelio Dantaslé Spinola


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