A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL



O MINISTÉRIO PÚBLICO E A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL 

Márcio Coutinho Barbosa (1)

RESUMO 

O estudo proposto tem como tema "O Ministério Público e a Investigação Criminal" em um novo contexto histórico e constitucional.

A superação das formas tradicionais de investigação é ainda alvo de debates na órbita jurídica, uma vez que o Ministério Público, além de ter desenvolvido mecanismos institucionais de atuação que lhe permitem assumir papel inovador e importante no combate à tortura, à corrupção, ao crime organizado, à criminalidade econômica e à garantia de lisura nos procedimentos eleitorais, tem sido visto como notável repressor às violações dos direitos humanos.

O Estudo está centrado na análise da investigação criminal realizada pelo Ministério Público, frente aos direitos humanos, que constitui o foco central da pesquisa.

Não se descuida, no entanto, do contexto histórico e institucional, indispensável para o exame crítico da atuação das agências de investigação. Busca-se mais do que um simples exercício acadêmico, a compreensão de mecanismos que são fundamentais para a prática da democracia e, sobretudo, contribuir para o aperfeiçoamento das suas formas de agir e atuar frente à persecução penal preliminar (2).

PALAVRAS-CHAVE: Investigação Criminal, Denúncia, Inquérito Policial, Polícia Judiciária, Ministério Público, Constituição Federal. 

INTRODUÇÃO 

No Brasil, o tema Investigação Criminal tem causado uma série de debates no âmbito jurídico e político, uma vez que a legitimidade e a competência para a realização das investigações criminais continuam pendentes de julgamento definitivo pelo pleno do Supremo Tribunal Federal.

Ressalte-se que a Investigação Criminal tem grande importância para o sistema penal da República Federativa do Brasil, uma vez que coloca em jogo a validade de centenas de investigações e processos em curso.

Sob o argumento de que a investigação criminal é atribuição da polícia, o que tem se tentado é provar que o Ministério Público também tem sua legitimidade para proceder da mesma forma.

A Constituição atribuiu ao órgão o status de guardião da sociedade, bem como da cidadania, sendo investindo de competência para promover ações criminais e cíveis, no entanto, não é pacífico o entendimento de que foi lhe conferido a faculdade de conduzir as investigações criminais.

A eficácia do inquérito policial e o controle externo dos atos dos agentes da lei pelo Ministério Público sempre fomentaram uma série de debates jurídicos e políticos.

No presente artigo, em uma visão garantista, trataremos da persecução penal e polícia judiciária, bem como o papel do Ministério Público frente às investigações criminais. Trataremos da questão do direito comparado, onde o Ministério Público e Polícia Judiciária atuam e veremos as diferenças de cada um, bem como as suas peculiaridades.

O tema escolhido – O Ministério Público e a Investigação Criminal - por pertencer ao campo dos direitos, é primordial para o exercício da cidadania.

1. A ACUSAÇÃO, A INSTRUÇÃO E O JULGAMENTO 

O Code d´instruction criminelle (Código de Instrução Criminal) de 1808, elaborado por Napoleão Bonaparte, constituiu a separação estrita das funções de acusação, instrução e julgamento.

Na Justiça Constitucional, esse sistema teve inspiração no princípio liberal da repartição de poderes - "checks and balances" (freios e contrapesos) - mais conhecido como a Teoria da Separação dos Poderes, que propõe um inter-relacionamento das atividades desenvolvidas pelos órgãos especializados, para melhor eficiência do Estado.

O constitucionalista Alexandre de Moraes (3) afirma que: 

"Em conclusão, o Direito Constitucional contemporâneo, apesar de permanecer na tradicional linha da idéia de Tripartição de Poderes, já entende que essa fórmula, se interpretada com rigidez, tornou-se inadequada para um Estado que assumiu a missão de fornecer a todo o seu povo o bem-estar, devendo, pois, separar as funções estatais, dentro de um mecanismo de controles recíprocos, denominado "freios e contrapesos" (cheks and balances)".  

No Brasil, a exclusividade do poder de acusar pertence ao representante do Ministério Público, mas este não possui os poderes de instrução confiados ao juiz; Este é quem detém poderes consideráveis na instrução do feito, não podendo iniciar de ofício a instrução e somente investiga no âmbito da tipificação conferida pelo Parquet.

Tudo isso tem por fim garantir a imparcialidade do julgamento.

No Brasil, há três agentes não se confundem: investigador do fato, órgão da imputação e agente do julgamento. Essa assimilação se traduziria no seguinte: a Polícia investiga, o Ministério Público acusa e o Magistrado julga.

Até pouco tempo atrás, a um cabia investigar, ao outro acusar e a um terceiro aplicar o direito ao caso concreto. Mas, em uma perspectiva neoconstitucional, isso vem mudando, como veremos adiante.

2. A Investigação Criminal e o Garantismo Penal. 

O aumento da violência e da criminalidade por todo o país, bem como o envolvimento de agentes do Estado em atividades ilícitas têm disseminado o sentimento de descrédito em relação à atuação das polícias.

Um criminoso sempre deixa pistas, no entanto, a atuação estatal no combate à corrupção, ao crime organizado, à macrocriminalidade econômica e à garantia de lisura nos procedimentos eleitorais, tem levado inúmeros criminosos à impunidade, uma vez que o Estado não tem conseguido realizar a contento a fase preliminar da persecução penal, que é "a atividade desenvolvida pelo Estado visando punir os infratores das normas descritas como condutas ilícitas"(4).

O Promotor de Justiça Renato Barão Varalda (5), do Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial no Distrito Federal, faz os seguintes questionamentos, os quais merecem a nossa atenção, cuja transcrição faço adiante:

"Se a polícia é incapaz de apurar crimes praticados pelos próprios policiais, a quem atribuir tal tarefa se o Judiciário se mantém reticente no reconhecimento de que o poder de investigar é inerente ao poder de fiscalizar?" 

E continua: 

"O que fazer o Ministério Público, órgão com atribuições constitucionais de controle externo da atividade policial e o dominus litis da ação penal pública, ao se deparar com um inquérito policial pouco instruído, pouco apurado, até mesmo próximo à prescrição da pretensão punitiva, e as vítimas e as testemunhas presentes no gabinete do Promotor de Justiça? Colher as declarações visando à formação da opinio delicti ou ignorar a presença dos ofendidos e testemunhas e arquivar o inquérito policial omisso na apuração? Baixar o inquérito policial para que os próprios investigados "cumpram" as diligências requisitadas? Devem os torturados se calar, já que a grande maioria das 241 denúncias por crime de tortura envolve policiais civis e militares?". 

A atividade investigativa do Ministério Público, instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, a que incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF), tem se mostrado eficaz na investigação de crimes de maior gravidade.

Vê-se que ao longo da história houve um avanço significativo no instituto da investigação. Diversas foram as modalidades de represálias para as condutas tidas como ilícitas, até a se chegar à atual organização do Estado, dentre elas destacando-se a vingança privada.

Ocorre que, o Estado, após organizar-se politicamente e codificar normas, passou a ser o único detentor do jus puniend. No entanto, o direito de punir não pode ser aplicado de maneira arbitrária e indiscriminada, uma vez que o Estado também deve obedecer às regras do direito, tornando-se, pois, necessário um processo para que o Estado, mediante a pessoa do Juiz legalmente investido, tenha condições de aplicar a lei ao caso concreto, de forme justa.

Para haver processo justo, deve haver justa e eficaz investigação, respeitando os direitos constitucionais do investigado.

A Constituição, como Lei Fundamental, estabelece, explícita ou implicitamente, os valores, os princípios e as regras mais relevantes para a compreensão do fenômeno jurídico. A efetividade da Constituição encontra, pois, no processo um importante mecanismo de afirmação dos direitos nela reconhecidos (6).

A Constituição Federal de 1988 atribuiu à pessoa investigada a condição de sujeito de direitos, permitindo a ela, inclusive, a participação ativa na primeira fase da persecução penal, assegurando-lhe, sobretudo, o exercício dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Atualmente, existem no Brasil normas de proteção às vítimas e de punição aos crimes de tortura, quais sejam: o Decreto 40 de 15/2/91 – Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cíveis, desumanos e degradantes – ONU; Lei 9.4555/97 – tipificação do crime de tortura; Lei 9.807/99 – organização e manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas; Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura – ratificada pelo Brasil em 20/7/89. Há, ainda, os princípios constitucionais de proteção aos direitos humanos, além da previsão constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e prevalência dos direitos humanos (CF, art. 4º, II).

Em toda sociedade há direitos que não podem ser negados: São direitos essenciais, porque decorrem da própria essência do ser humano; São fundamentais, porque estão nos fundamentos da própria ordem social (7).

No dizer de Hannah Arendt, os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução (8).

Aliás, segundo Romano Guardini, "Ser pessoa significa que não posso ser habitado por nenhum outro, e que, na relação comigo próprio, me encontro só comigo; que não posso ser representado por nenhum outro, e que sou único" (9).

Todavia, recente decisão da 15ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, foi anulada, haja vista a participação de Membro do Ministério Público na fase inquisitorial, que investigou um suspeito de fraudar licitações (10).

Com efeito, as Promotorias de Justiça recebem toda semana notícias acerca de torturas e abusos de autoridades praticados pelos agentes responsáveis pela proteção dos direitos humanos.

Ferrajoli afirma que "só um processo penal que, em garantia dos direitos do imputado, minimize os espaços impróprios da discricionariedade judicial pode oferecer um sólido fundamento para a independência da magistratura e ao seu papel de controle da legalidade do poder" (11).

Nessa mesma linha de democratização substancial da justiça, atualmente propugna-se com muita propriedade por um modelo de justiça garantista ou garantismo penal, cujo ponto de partida passa necessariamente pela teoria estruturada por Ferrajoli, quando afirma que garantista "é o sistema penal em que a pena fica excluída da incerteza e da imprevisibilidade de sua intervenção, ou seja, que se prende a um ideal de racionalidade, condicionado exclusivamente na direção do máximo grau de tutela da liberdade do cidadão contra o arbítrio punitivo".

Dessa afirmação de Ferrajoli é possível extrair um imperativo básico: o Direito existe para tutelar os direitos fundamentais.

É válido ressaltar que o garantismo não tem relação com o mero legalismo, formalismo ou mero processualismo, pois consiste na tutela dos direitos fundamentais, os quais representam os valores, os bens e os interesses, materiais e prepolíticos, que fundam e justificam a existência daqueles artifícios, – como chamou Hobbes – que são o Direito e o Estado, cujo desfrute por parte de todos constitui a base substancial da democracia. (12)

Pois bem. Vale observar que o garantismo de Ferrajoli está fundado em dez axiomas (13). Vejamos:

a. Nulla poena sine crimine (não há pena sem crime);

b. Nullum crimen sine lege (não há crime sem lei);

c. Nulla lex (poenalis) sine necessitate (não há lei penal sem necessidade);

d. Nulla necessitas sine iniuria (não há necessidade sem ofensa ao bem jurídico);

e. Nulla iniuria sine actione (não há ofensa ao bem jurídico sem conduta);

f. Nulla actio sine culpa (não há conduta penalmente relevante sem culpa, ou seja, sem dolo ou culpa);

g. Nulla culpa sine judicio (não há culpabilidade ou responsabilidade sem o devido processo criminal);

h. Nullum judicium sine accusatione (não há processo sem acusação; nemo iudex sine actori);

i. Nulla accusatio sine probatione (não há acusação sem provas, ou seja, não se derruba a presunção de inocência sem provas válidas);

j. Nulla probatio sine defensione (não há provas sem defesa, ou seja, sem o contraditório e a ampla defesa).

Preocupado com o tema, o juiz paulista Dyrceu Aguiar Dias Cintra Júnior, no artigo "O judiciário brasileiro em face dos direitos humanos", escreveu o seguinte: 

"ao invés da adoção de medidas de caráter social, que busquem resgatar uma significativa parcela da população que hoje ostenta a condição de excluída, considerados excluídos aqueles que não têm acesso aos mais básicos direitos decorrentes de sua condição humana e de sua condição de cidadão, é adotada uma política criminal meramente simbólica, com a aprovação de novas leis repressivas, ou a notícia de novas políticas de segurança com tônica em espetaculares, mas absolutamente tópicas e esporádicas, ações repressivas" (14).  

É nesse contexto histórico que surge a brilhante idéia do poder investigatório amplo sob comando do Ministério Público.

Levamos em consideração que o sistema investigativo brasileiro é aquele que melhor se ajusta ao modelo acusatório, mas não sendo o único admitido em nosso ordenamento jurídico, uma vez que o inquérito policial é "um conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo" (15), a quem compete, principalmente, resguardar a dignidade do investigado.

Deve-se atentar para o fato de que o Código de Processo Penal brasileiro em vigor - Dec-lei n.º 3.689/41 - vigente desde o ano de 1942, trata-se de código ditatorial que foi elaborado durante o período denominado Estado Novo, trazendo em seu bojo princípios e dispositivos anti-democráticos, que precisam ser adaptados aos postulados teóricos do processo neoconstitucional, com o fim de se obter maior eficiência e credibilidade do órgãos que promovem a justiça.

Mesmo com o fim da ditadura, a República Federativa do Brasil tem cometido através dos seus órgãos incontáveis violações aos direitos humanos, tais como envolvimento de policiais nos crimes de tortura, maus-tratos, formação de grupos de extermínio e abuso de poder.

A investigação criminal realizada pelo Ministério Público é um direito que existe, mas que não é exercitado, em razões de divergências de cunho jurídico e doutrinário.

Há quem sustente ser ilegal essa atuação do Parquet. Mas a verdade é que temos visto inúmeros benefícios em sua participação.

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, em pedido de manifestação de apoio ao poder investigatório criminal do Ministério Público Brasileiro, menciona que "nas últimas duas décadas, e principalmente após o advento da Constituição democrática de 1.988, o Ministério Público tem atuado de forma bastante eficiente na investigação de alguns crimes de maior gravidade, que até então costumavam ficar impunes, principalmente quando os investigados eram pessoas, política ou economicamente, influentes" (16).

Fica claro que os indícios de materialidade e autoria colhidos pelo Parquet em seus procedimentos têm sido indispensáveis para fundamentar condenações nos processos judiciais.

É nesses casos que deve-se destacar a importância da investigação criminal do Ministério Público, pois, quando atua, promove a devida repressão às violações dos direitos da pessoa humana.

Ainda mais, pelo fato de que na nova ordem constitucional, recentemente adotada pelo Brasil, os tratados internacionais de direitos humanos assumiram o status de Emenda Constitucional, sobretudo com o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que inseriu no bojo da Constituição Federal, em seu artigo 5º, o §3º que passou a dispor que "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".

Segundo o professor Marcelo Novelino (17), o sistema jurídico pátrio pode agora ser representado por uma pirâmide imaginária composta, basicamente, por três níveis hierárquicos, onde, no topo, encontram-se as normas constitucionais originárias, as derivadas (art. 59, I) e os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, aprovados pelo quorum de três quintos e em dois turnos de votação (art. 5º, §3º).

A supressão do poder investigatório criminal do Ministério Público poderia representar um retrocesso institucional, com reflexos negativos imediatos para a repressão da corrupção, da criminalidade organizada, bem como outros e primordialmente das violações dos Direitos Humanos. Além do que, a sua atuação de forma positiva, tem sem mostrado de acordo com os tratados internacionais, afastando de vez a injustiça cometida contra o cidadão.

Há inúmeros julgados que deferem ao Ministério Público suas legítimas atribuições de investigação criminal e controle externo da atividade policial, contemporizando à referida Instituição efetivos meios de proteção aos direitos humanos.

Portanto, vê-se que o tema é de grande importância para o sistema penal brasileiro e coloca em jogo a validade de centenas de investigações e processos em curso. Apesar disso, nem sempre tem sido tratado com o necessário rigor metodológico, olvidando-se inclusive a comparação com os ordenamentos jurídicos estrangeiros. 

3. DIREITO COMPARADO 

O tema do qual tratamos é debatido mundialmente.

Lopes Júnior (18) dispõe que no direito comparado existem dois sistemas principais: o primeiro é o inglês, no qual a polícia detém o poder de conduzir as investigações preliminares e o segundo é o continental, no qual o Ministério Público conduz a investigação criminal.

O sistema continental foi adotado por vários países, tais como: Itália, Alemanha, França e Portugal.

A seguir, faremos alguns comentários quanto às formas de Investigações Policiais em vários países do mundo.

3.1 França (19) 

Na França, o Ministério Público é o titular da Ação Penal Pública, atuando como custus legis. Ocorre que seus membros não dispõem da estabilidade conferida aos Magistrados e são subordinados ao Ministro da Justiça.

Quanto à Polícia Judiciária, esta é subordinada ao parquet, e este é o responsável pelo acompanhamento da investigação. Há duas modalidades de instrução preliminar: a Enquête Préliminare: para os delitos de menor gravidade onde a investigação pode ser realizada pela polícia judiciária sob o comando do MP, admitindo o contraditório.

A segunda é a Instruction Préparatoire: realizada por requisição do MP pelo juiz instrutor que poderá determinar que a polícia judiciária realize as diligências, sendo obrigatório nos crimes mais graves e facultativa nos rimes menos graves. Nesse procedimento, o acusado tem direito à assistência do advogado que tem amplo direito de consultar os autos e deve ser informado de qualquer ato que influencie na liberdade de seu cliente. Ambos os procedimentos são escritos e secretos e a violação do segredo importa em um delito. 

3.2 Itália (20) 

Na Itália, o Código de Processo Penal entrou em vigor no ano de 1989 substituindo o Código de Rocco de 1930, estabelecendo em lugar da instrução judicial, a chamada Idagini Preliminari - instrução preliminar conduzida pelo Ministério Público, que tem à sua disposição a polícia judiciária. Nessa fase há o controle de um juiz específico. Tal investigação deve ser realizada também sobre as circunstâncias e fatos que possam favorecer a pessoa a ela submetida. Em até 48 horas, a Polícia Judiciária oferece a notitia criminis ao Parquet, após isso, toda investigação se canaliza através dele, o qual dispõe totalmente da polícia judiciária.

Os atos praticados na fase da investigação preliminar não servem de prova ao processo e tal fase é facultativa, estando a cargo do Ministério Público a decisão quanto ao arquivamento, instauração ou oferecimento direto da ação penal. 

3.3 Alemanha (21) 

Na Alemanha não existe a figura do Juiz Instrutor e a investigação preliminar está a cargo do Ministério Público, o qual está submetido ao princípio da legalidade e obrigado a investigar os fatos com total imparcialidade.

Ainda, deverá investigar não só os atos que possam incriminar o sujeito passivo como também os atos que o possam inocentar. Nesse sistema, ele detém o monopólio da ação penal (inclusive na ação penal privada onde o ofendido poderá acusar junto com o promotor) e na prática quem realiza grande parte da investigação é a polícia, a qual atua como órgão auxiliar sob a ordem, direção e vigilância jurídica do Ministério Público.

Compete à polícia a tarefa de esclarecimento, vigiada e ordenada pelo custus legis. Do ponto de vista organizacional, Ministério Público pertence ao Poder Executivo, atuando como órgão independente da administração de justiça, sendo rodeado de garantias, pode e deve frenar, em todas as partes, o excesso de zelo do Poder Executivo. A ele está confiada a administração da justiça penal, juntamente com os tribunais. A sua atividade, assim como a do juiz, não pode estar orientada às exigências da administração, mas somente a valores jurídicos, ou seja, a critérios de verdade e justiça.

O Ministério Público conserva o domínio sobre o procedimento de investigação preliminar. Dessa forma, é incumbido de:

  1. dirigir, conduzir ou vigiar o procedimento de investigação;
  2. ordenar que se pratiquem as investigações e realizar, pessoalmente ou mediante outras autoridades públicas, os atos de investigação que considere necessários;
  3. decidir sobre a ação penal pública e ordenar medidas coercitivas, ou seja, pode tomar declarações de testemunhas e peritos e também obrigá-los a comparecer e declarar, mas sem prestar juramento, interrogar o imputado, prisão provisória, seqüestros, embargos e requisições, estabelecer postos de controle, determinar identificações e realizar outras medidas de investigação.  

Por último, o Ministério Público pode e deve interpor recursos a favor do acusado, caso contrário, seria inconciliável com sua obrigação para com a verdade e a justiça, uma vez que somente deste modo contribuirá para alcançar uma decisão correta. 

3.4 Portugal 

Em Portugal, a investigação preliminar é chamada de inquérito e é presidida pelo Ministério Público, o qual conta com a assistência da polícia judiciária.

A Polícia é encarregada de realizar todas as diligências por ele determinadas Existe também nesta fase a figura do juiz garante da instrução, garantindo a legalidade e atuando também na colheita de provas procedendo ao primeiro interrogatório e outros procedimentos, desde que sofra requisição do Ministério Público, da polícia, do assistente de acusação ou do sujeito passivo. Observe-se que este juiz não poderá atuar na fase processual e tem o poder de decisão quanto à pronúncia (propositura da ação penal) ou arquivamento.

Nos casos de ação penal pública o Ministério Público poderá oferecer diretamente a ação penal, já que tem a sua titularidade, podendo o ofendido atuar como assistente. Nos crimes de ação penal privada a titularidade está a cargo do particular. Esse procedimento é escrito, secreto, não é contraditório, mas o conduzido tem assegurado a presença do defensor no interrogatório. 

3.5 Espanha 

Na Espanha, o Ministério Público é denominado "Ministério Fiscal", atuando na defesa da legalidade. Suas funções são velar pelas garantias processuais do imputado e velar pela proteção dos direitos da vítima e dos prejudicados pelo delito.

A Polícia é encarregada pela investigação criminal, porém é órgão auxiliar do "Ministério Fiscal" e do Poder Judiciário. Além do mais, é obrigada a seguir suas instruções. Na Espanha existe uma crescente corrente doutrinária favorável à investigação Ministerial direta. 

3.6 Estados Unidos (22) 

Nos Estados Unidos, não existe a figura de um juiz investigador ou de instrução.

A fase da investigação inicial é confiada aos agentes policiais e às agências federais de investigação. Seus agentes, por sua vez, entregam as informações ao Promotor. Em seguida, o Membro do Parquet verifica se há ou não elementos para apresentar a prova perante o "Grand Jury", que é tecnicamente parte do Departamento de Justiça. O "Grand Jury" é utilizado também para investigar dados ou obter provas sobre uma atividade delitiva suspeita.

Os promotores são conhecidos como Agentes Ministeriais ou Criminal Prosecutor. Essas atribuições se associam, desde a origem, à necessidade de combater a alta criminalidade. Na esfera federal, a investigação é dirigida por agentes federais, sob a coordenação do Promotor ou um advogado do Departamento de Justiça. Durante a fase de investigação, há uma colaboração entre o Promotor e os agentes policiais. Mesmo após a realização da acusação formal, o Promotor é auxiliado pelo agente policial.

A sua ampla competência investigatória o tornou titular da conveniência e oportunidade da propositura e exercício da ação penal. 

 4. CONCLUSÃO 

A Investigação Criminal é de suma importância para todo o Processo Penal brasileiro, bem como para a sociedade, pois é por intermédio dele que vários processos iniciam-se com o fim de dar subsídios ao bom cumprimento da justiça.

Vimos que existe e que deve existir a separação jurídica e essencial entre as funções de acusação e de investigação, ainda que ambas sejam desempenhadas pelo Ministério Público, em razão da imparcialidade.

O que se quer considerar com a investigação vedada ao Ministério Público, como já alinhavado, é a sua total imparcialidade, pois, o desempenho dessa função atribuída à Polícia Judiciária tem sido relevante na ordem constitucional em diversos aspectos.

Algumas investigações têm sido realizadas diretamente pelos membros do Parquet. Na maioria dos casos, visa-se a celeridade e a simplificação dos procedimentos, buscando-se não instaurar inquérito policial. No entanto, em outros casos mais raros, quando se vislumbra não haver interesse da Polícia em promover investigações sérias, como por exemplo os crimes praticados por policiais ou algumas situações envolvendo governantes, sendo essa algumas das razões pela qual torna-se necessária a atuação mais efetiva do Ministério Público.

Por outro lado, deve-se ter em mente que a Lei 8.429/92, em conformidade com o art. 129, III, da Constituição, permitiu que o Ministério Público conduza inquéritos civis para apurar atos de improbidade administrativa. Essa titularidade é pacífica e inquestionável no âmbito jurídico.

Pois bem, se as provas obtidas no inquérito civil indicarem a prática de crime, o fiscal da lei deverá requisitar à Autoridade Policial a instauração de Inquérito Policial, conforme dispõe o artigo 5º do Código de Processo Penal. Dessa forma, prevalece a tese de que o Ministério deverá requisitar a investigação à autoridade competente, no caso o Delegado de Polícia Judiciária.

O reconhecimento da legitimidade da investigação criminal do Parquet pelo Supremo Tribunal Federal significaria um avanço do sistema penal brasileiro.

É notável também que não existe no sistema brasileiro uma unanimidade em relação a essa questão.

Quanto ao Direito comparado, os defensores da legitimidade das investigações criminais realizadas diretamente pelo Ministério Público, comparam o sistema brasileiro ao de outros países, com o fim de fundamentar as suas teses.

Pudemos observar que cada país adotada um sistema diferenciado no desenrolar da persecução penal, com peculiaridades e formas de desempenho característicos. Assim, é de se considerar que, como as investigações de vários países têm seus traços distintos, o Brasil, do mesmo modo, tem seu modus operandi próprio.

No entanto, na nova ordem constitucional isso muda, tendo em vista a posição que passam a ocupar os princípios constitucionais.

No dia 02 de outubro de 2006 o Conselho Nacional do Ministério Público aprovou a resolução que estabelece as regras gerais para a instauração e a tramitação dos procedimentos de investigação criminal no Ministério Público. Segundo a Relatora e Conselelheira Janice Ascari, uma das justificativas para a referida resolução é a de assegurar que os direitos básicos garantidos ao cidadão pela Constituição da República sejam respeitados em quaisquer investigações desenvolvidas por membros do Ministério Público.

Uma das garantias asseguradas pelo texto da resolução aprovada, por exemplo, é a de que o procedimento investigatório criminal será instaurado mediante portaria fundamentada, devidamente registrada e autuada, com a indicação dos fatos a serem investigados e deverá conter, sempre que possível, o nome e a qualificação do autor da representação, parecido com o já adotado pela polícia judiciária.

Na verdade, não real uma preocupação não está em saber se o Ministério Público pode ou não investigar, mas na maneira como deve ele proceder. Sabemos que a investigação presidida pelo Ministério Público é uma tendência mundial, assim como vimos no Direito Comparado, no entanto, ainda não há em nosso ordenamento jurídico leis claras que cuidem do procedimento investigatório.

Segundo Professor Luiz Flávio Gomes, não é tanto saber se o MP pode ou não fazer isso, mas sim, como deve ele proceder, vez que os advogados e a população em geral têm o direito de conhecer previamente as regras de toda investigação, pois a inexistência de leis explícitas que cuidem do procedimento investigatório paralelo, tais como direitos da defesa, formas dos atos investigatórios e outros. O devido processo legal deve reger em toda sua amplitude essa atividade, que é invasiva e delimitativa de direitos fundamentais sumamente relevantes. (23)

Ainda há a ausência de normas claras para os procedimentos investigatórios.

Assim, o devido processo legal deve reger essa atividade.

Tal crise revela ser constitucional, evidenciada pela progressiva erosão do valor das regras do jogo institucional e do conjunto dos limites e dos vínculos por elas impostos ao exercício do poder público", conforme a dicção do garantista Luigi Ferrajoli (24).

Portanto, no Brasil, pelo que se pode notar até este momento é que a única coisa da qual temos certeza é que essa difícil decisão caberá à mais alta corte do nosso país – o Supremo Tribunal Federal, o guardião da nossa constituição, o qual nos dirá, conforme a sua interpretação do texto constitucional, de uma vez por todas, sobre quem detém a legitimidade para a realização da investigação criminal.

O que esperamos nisso tudo, é que haja um avanço em nosso sistema processual penal, para que a nossa democracia saia fortalecida, com órgãos firmes e atuantes no combate ao crime. 

NOTAS/BIBLIOGRAFIA:

1. Assistente Jurídico do Ministério Público do Estado de Rondônia, em Porto Velho/RO. Pós Graduado em Ciências Penais pela Universidade Sul de Santa Catarina – SC – IPAN - UNISUL. Graduado em Direito pela Faculdade Interamericana de Porto Velho - UNIRON.

2. GUSTIN, Miracy Barbosa de Souza e Maria Tereza Fonseca Dias. Repensando a Pesquisa Jurídica, Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 63-115.

3. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

4. GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento Policial: Inquérito – 9. ed. ver. aum. – Goiânia: AB – Editora, 2002. p.3-7.

5. VARALDA, Renato Barão. A tortura policial no Brasil e o Poder Judiciário.

6. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. Panóptica, Vitória, ano 1, n. 6, fev. 2007, p. 1-44.

7. PINHEIRO, Tertuliano C. Fundamentos e fontes dos direitos humanos.

8. ARENDT, Hannah, As Origens do Totalitarismo, trad. Roberto Raposo, Rio de Janeiro, 1979.

9. Disponível em <http://teologia-contemporanea.blogspot.com/2008/02/romano-guardini-1885-1968.html>. Acessado em 16.07.2009, às 15h48min.

10. Nesse sentido: URL: <http://adepoldf.org.br/modules/news/print.php?storyid=284>. Acessado em: 05.05.2009, às 08h00min.

11. FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal, p. 10.

12. Idem.

13. GOMES, Luiz Flávio. Limites do "Ius Puniendi" e Bases Principiológicas do Garantismo Penal. Material da 1ª aula da Disciplina Teoria do Garantismo Penal, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Ciências Penais - UNISUL – IPAN – REDE LFG.

14. Cintra Junior, Dyrceu Aguiar Dias. "O judiciário brasileiro em face dos direitos humanos". In: Justiça e democracia: revista semestral de informação e debate, n.º 2, p. 10-33, jul./dez. 1996 – ano 1 (publicação oficial da Associação Juízes para a Democracia). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, segundo semestre de 1996.

15. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 9ª Edição Revista e Atualizada. Ed. Saraiva, 2003, p.70.

16. ROCHA, João de Deus Duarte. Pedido de manifestação de apoio ao poder investigatório criminal do Ministério Público brasileiro.

17. NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional – 2ª ed. São Paulo: Método, 2008, p. 58-60.

18. LOPES JÚNIOR, Aury Celso Lima. A crise do inquérito policial e a investigação controlada pelo Ministério Público. In: Âmbito Jurídico, ago/2000.

 19. Sítio: http://www.mp.rs.gov.br/just_terapeutica/doutrina/id436.htm - Notas sobre a investigação criminal pelo Ministério Público no direito comparado, 19/07/2009 – 11h06min, autor desconhecido.

20. Idem.

21. Idem.

22. Idem.

 23. GOMES, Luís Flávio. Investigação Criminal pelo MP.

24. FERRAJOLI, Luigi. O direito como sistema de garantia. In O novo em direito e política. José Alcebíades de Oliveira Jr. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 91, apud Rogério Gesta Leal. Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 90.

Sítio: http://www.mp.rs.gov.br/just_terapeutica/doutrina/id436.htm - Notas sobre a investigação criminal pelo Ministério Público no direito comparado, 25/10/2006 – 19h00min, autor desconhecido. 

Sítio: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2844 - Nestor Sampaio Penteado Filho, Delegado de Polícia, Professor de Direito da Unip.


Autor: Márcio Coutinho


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