Precariedade Humana



Ele entra tarde no trabalho. Passos largos,um jeito meio estúpido no andar. Aparentava quarenta e poucos anos,julgados pelos grisalhos das têmporas. O terno de corte italiano, de cor neutra contrastava com o verde limbo da camisa. Gravata de cor clara. Abotoaduras de ouro completavam o traje. Um advogado bem sucedido .Termo usado pelos que usam denominar de sucedidos aos que se acham no centro do mundo e da força. O anel grande,largo e de ouro tentava traduzir todo esse prestígio.

Sentou-se sôfrego e amplo na cadeira de espaldar alto. Sua postura empombada faria inveja a um soldado grego.

O auxiliar sussurrou informações com palavras amáveis,abaixando a cabeça em sinal de respeito. O homem com gestos ávidos passava as folhas de um lado e de outro,examinava com veemência cada palavra ali pautada. Tinha pressa. Com os cotovelos apoiados sobre a mesa,cabeça entre as mãos remetia a uma cena de urubu, sobrevoando a carniça,tamanha era sua ganância.

Seu pensar era ruidoso. O peito arfava .Pega a caneta e assina quase de olhos fechados, mais um acordo milionário.

-Que milionária ressurreição!Brada entre os dentes.

Para o exímio auxiliar,tudo é muito claro. Até a claridade,da imensa sala,é alta e persistente.

Seu corpo magro transmite náuseas. Sua cara se esvazia. Nenhuma expressão.

Tudo que ali se passa é uma atitude cruel e cega. Inútil lamentar.

Mais uma vez a ira o asfixia,mais uma vez a imagem da filha com, “aquela doença”,o aguardava com remédios, doces e brinquedos que a acalentavam.

-Calar sempre é o que me resta. Pensa sem relutar.

-Deus Pai,ajude-me, a calar,sem tentar entender.

Vem a noite, uma leve brisa atravessa as persianas brancas.

O homem levanta-se segurando a borda da mesa,passa a volumosa mão quadrada pelos cabelos,aprumando-os com poder. Estica a gravata. Atravessa a sala e sai rumo ao elevador. Com passos firmes, leva no seu íntimo novos propósitos para suas falcatruas.

Cortês,o auxiliar se afasta com as chaves na mão,porém o homem já estava fora. Ouviu-se o elevador descendo. Sem réplicas, o funcionário se chamou às obrigações .Cerrou janelas,apagou as luzes com decisão. A noite já chegara quase inteira. A larga e agitada avenida já se desenhava a seus pés. Um burburinho adiante chamou sua atenção:

Com olhos esbugalhados, o sangue a escorrer pelo rosto,estava o chefe,a expressão nítida do susto anterior à queda. O anel do poder teimava em brilhar por entre o líquido  vermelho  a escorrer pelos dedos.

-Deus sabe o que faz.

Com seu vestidinho de casa. Ela o aguardava sentada no sofá ,suas perninhas finas ,balançavam em festas. Estendeu as mãos recebeu as guloseimas diárias.

Desviou os olhos de sua mulher, tinha vergonha de seu despudor,por assistir inerte, há anos, as falcatruas do falecido.

Pensativo,empurra o prato,rejeita o jantar. Pensa no soldado grego ,na sirene aguda,no anel do poder.

-Pois veja,declarou a mulher ao desligar a televisão com ímpeto:

-Só lhe digo uma coisa:Deus sabe o que faz.


Autor: id� RBB


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