A Educação Tradicional e o Perspectivismo Ameríndio



Pretendo inter-relacionar neste artigo o perspectivismo, que trata de entender o mundo a partir da concepção ameríndia e a educação tradicional, ocidental, platonista.

Será que podemos ensinar os ameríndios de acordo com o modelo tradicional de educação?

A leitura do perspectivismo rompe com a lógica de Platão que "dicotomizou" os dois mundos distintos: sensível e inteligível.

De acordo com Henz, o mundo sensível é o mundo dos corpos, das percepções, da sensibilidade. O mundo inteligível é o mundo dos modelos, a instância transcendente.

Platão trata o mundo sensível, imutável, essencial, estável, matemático, exemplar e ideal como superior.

A cultura ocidental, a maneira como fundamentamos a nossa educação, está baseada neste modelo de separação, evolucionista, que compara um mundo superior e ideal, de outro indecifrável.

De acordo com o perspectivismo ameríndio não há separação entre natureza, cultura, ideal, inteligível, bom, mau, humano e espírito.

Para os ameríndios estas categorias podem ser flexíveis, elas transitam a partir de posições e pontos de vista que não são fixos..

Com base nas pesquisas realizadas por Viveiros de Castro (1996) e Lima (1996) afirmam que todos os seres, animais, humanos, espíritos, alguns artefatos, plantas pertencem à mesma categoria ontológica e cosmológica.

Vale ressaltar, que a condição comum entre todos esses seres é a humanidade.

Todos eles se vêem como humanos, possuem família, fazem rituais, filhos, festas, tomam cerveja etc..

O fato de ter ponto de vista, perspectiva e intencionalidade faz de todos estes seres humanos.

Nesse caso, é importante perceber que para os índios existe apenas uma cultura (mesma humanidade para todos) e inúmeras naturezas (ponto de vista e perspectiva), enquanto para os ocidentais existem várias culturas e uma natureza.

Portanto, a perspectiva está no corpo, ela que diferencia os seres.

Por exemplo, o urubu tem corpo de urubu, sendo assim, entre os outros urubus eles se vêem como humanos, ou melhor, nós temos outro tipo de corpo e vemos os urubus como urubus, eles vêem a carniça como peixe.

Como pensar a coexistência entre a imposição educacional do cristianismo e o platonismo e a liberdade de pensamento do perspectivismo?

Lévi Strauss diz que quando os portugueses chegaram ao Brasil, eles encontraram os índios despidos, livres, no entanto maior preocupação dos portugueses consistia em entender se os índios possuíam alma, enquanto a preocupação dos índios era saber se os europeus tinham corpo.

Ou seja, os índios perguntavam "estes brancos são humanos ou espíritos?", enquanto que os portugueses perguntavam "estes índios são pessoas ou animais?".

Evidentemente, os índios consideravam os portugueses no mesmo nível ontológico que todos os outros seres, sobretudo eles pertenciam à mesma humanidade, não havia fragmentação, porém os portugueses os separavam em duas categorias de animalidade e humanidade, sendo que os seres humanos vistos como superiores perante todas as outras categorizações

O cristianismo é a versão popular do platonismo, além da dicotomização entre sensível e inteligível, também se baseiam em um mundo eterno, imutável e supra-sensível.

Henz (2008) ainda diz que este mundo é a negação da vida em nome de uma vida melhor.

E dessa maneira os ameríndios buscavam respostas mais precisas através do cristianismo para facilitar as relações perspectivistas.

Ainda de acordo com o perspectismo ameríndio, todos os seres podem sofrer metamorfoses e transações.

Lima (1996) explica que os índios Juruna do baixo Xingu são excelentes caçadores de queixadas, quando estas caçadas acontecem, os porcos assumem posições de presa e os Juruna de predadores, no entanto enquanto os primeiros encaram a caçada como caça, os outros sabem que é uma guerra.

Se estas posições forem trocadas, isto é, se um Juruna se tornar presa, considerar este tipo de relação uma guerra, ele pode ser capturado por uma queixada e se transformar em um deles.

A educação fundada nos preceitos do cristianismo contínuo e permanente e o perspectivismo na transitoriedade das posições.

Os ameríndios consideram o cristianismo um sistema significativo, e passam a inseri-los nas histórias bíblicas e fundaram outra cultura.

Outra proposta de educação que concilia o cristianismo com as noções de continuidade e ruptura.

Vilaça diz que a educação fundada no cristianismo redefinem os índios, fixam os Wari na posição de predadores e a alteridade como presa permanente. Ela ainda afirma que os Wari fixam a posição de predadores.

BIBLIOGRAFIA.

HENZ, Alexandre de Oliveira.2008. Ocasos e travessias: movimentos de Nietzshe em Deleuze". Deleuze pensa a educação. Biblioteca do professor. Número 6.

LIMA, Tânia. 1996. "O dois e o seu múltiplo. Reflexões sobre o perspectivismo em uma cosmologia tupi". Mana. Estudos de Antropologia Social 2(2): 21-47.

VILAÇA, Aparecida. 2008. Conversão, predação e perspectiva. Mana Estudos de Antropologia Social 14: 173-204


Autor: Roberta Braida


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